EVGENY DOLGIKH
Mosfilm.ru entrevista o historiador, escritor, professor Evgeny Spitsyn sobre como o cinema influenciou a URSS, para onde caminha a indústria cinematográfica russa e com ela a consciência social.
O texto original, de Evgeny Dolgikh, foi traduzido e condensado para o HP por Susana Lischinsky, Ekaterina Pivinskaya e Sérgio Rubens.
A MAIS IMPORTANTE DAS ARTES
– Evgeny Yuryevich, uma pergunta para um marxista: a famosa frase de Lenin “A arte mais importante para nós é o cinema” ainda é atual?
– Temos que entender o contexto histórico em que Vladimir Lenin expressou esta famosa frase. Ele falava que em condições de analfabetismo em massa, com a ajuda do cinema, as massas poderiam não apenas educar-se, mas também agitar e propagar as ideias do bolchevismo. Por isso, Lenin definiu com absoluta precisão o lugar da cinematografia na vida social do país naquela época. Quanto à situação atual, em minha opinião, essa questão é dupla. Por um lado, a geração mais velha em sua maior parte ainda está ligada à televisão e é seriamente “viciada” em todos os tipos de seriados. Isso é um substituto para a cinematografia. Entre esses produtos, praticamente não há filmes de que se possa falar seriamente. É possível contar nos dedos: “Liquidação” (1979), série de Sergei Ursulyak, seu “Fracasso de Poirot”… Por outro lado, os jovens já se “desamarraram” e foram para a Internet. Quanto ao grande cinema, sejamos francos: ele praticamente morreu. Se na URSS havia filas enormes nos cinemas, agora isso não chega nem perto. Além disso, ir ao cinema não era apenas lazer, era uma forma de comunhão com a arte. Os filmes eram discutidos, os atores tornavam-se amados, todo o país os conhecia – mesmo aqueles que interpretaram personagens secundárias. Agora, em geral, não há nada e ninguém para discutir.
– Acontece que, como antes, a arte mais importante para nós continua a ser o cinema soviético, que promove as ideias de paz, bondade, justiça social. Graças a isso, nossa sociedade ainda está de alguma forma se segurando.
– Vou citar o canal Spas TV como exemplo. Pessoalmente, fico surpreso com sua atitude de “duas caras”! Por um lado, de todas as maneiras jogam lixo no poder soviético, na história soviética, no nosso grande passado. Por outro lado, só exibem filmes soviéticos! Porque os editores deste canal sabem muito bem que o cinema soviético é um modelo de verdadeira espiritualidade, um modelo de moralidade. Observe que havia 10 vezes menos igrejas em nosso país naquela época, e as pessoas eram mais gentis e mais decentes do que são agora. Aqui está sua resposta.
– Qualquer Estado, para sua própria preservação, deve trabalhar com a juventude. Nesse contexto, a fórmula de Lenin funciona agora?
– A juventude contemporânea, esses mesmos tik-tokers, há muito tempo que não vão ao cinema e não assistem TV. Toda a sua vida é passada nas redes sociais e no Youtube – que escolhem o que eles devem ver e ouvir. Nesse sentido, eles têm uma liberdade ilimitada, por outro lado, é muito fácil se afogar nessa liberdade. Sua consciência ainda não se formou, eles não são capazes, como se diz, de separar o joio do trigo. Entender onde está realmente a arte elevada e onde está a vulgaridade. E não há muitos guias para explicar-lhes como navegar neste oceano de informações. Acontece como diz Pushkin: “Todos nós aprendemos um pouco, algo e de alguma forma” mas a vida humana é curta, é importante ser capaz de orientar-se por essas correntes, é necessário ler os livros, assistir os filmes e peças, ouvir aqueles programas que desenvolveriam um jovem como pessoa. Que o fariam melhor.
– Ou seja, essa questão não é dos cineastas, mas do sistema educacional.
– Exatamente! O sistema educacional atual projeta justamente essa promiscuidade. Daí a “sopa” na cabeça dos jovens. Aliás, dos adultos também. Mas o cinema ainda é importante. O problema é que quase não existe.
MARXISMO E CINEMA: COMO ISSO FUNCIONAVA
– Para mim, o marxismo explica muito bem a estrutura socioeconômica da sociedade e a lógica do seu desenvolvimento. Mas vale a pena transferir essa abordagem para todas as esferas da vida? Inclusive para o cinema?
– Eu não associaria o desenvolvimento do cinema soviético diretamente à doutrina marxista. Não há correlação direta entre cinema e marxismo. Outra coisa é que o cinema soviético visava não só a exaltação do trabalhador, a formação do homem soviético, mas também exercia uma função de propaganda. Havia toda uma tendência no cinema soviético que convencionalmente chamo de “política”, que sustentava e defendia os princípios da sociedade comunista, os fundamentos da filosofia marxista-leninista e assim por diante. Não é por acaso que houve toda uma direção no cinema “Leniniana”. Agora, infelizmente, esses filmes não são exibidos aqui, mas deveriam ser. Começando com os filmes do pré-guerra em que Lenin foi brilhantemente interpretado por Boris Schukin. E depois os filmes dos anos 1950-1960, em que a personalidade de Lenin no palco e na tela foi interpretada por luminares como Mikhail Ulyanov, Kirill Lavrov, Maksim Shtraukh, Yuri Kayurov e outros. Cada um deles tem sua própria visão, cada uma dessas interpretações é interessante à sua maneira. Além disso, Lenin aparece nesses filmes não como um avô bonito que falava algumas banalidades. Ele é um lutador, um homem convicto, o líder do partido e o criador do primeiro estado dos operários e camponeses do mundo. Não houve envernizamento da imagem de Lenin no cinema soviético!
– Após os avanços do cinema soviético na década de 1920, houve um certo declínio na produção cinematográfica. O final do período stalinista na cinematografia é chamado de “poucos filmes”. Em 1952 houve apenas 24 filmes, no total. Qual é o motivo disso em sua opinião?
– Stalin disse sem rodeios: o país está em uma situação difícil, é preciso resolver gigantescas tarefas econômicas e de defesa. E não podemos nos dar ao luxo de espalhar o dinheiro do orçamento para fazer o próximo filme “da lista”, aquele “nada especial”. Vamos filmar menos, mas melhor! É claro que o desejo de Stalin não foi totalmente realizado. Mas o principal motivo do “poucos filmes” está relacionado exatamente a isso. Naquele momento, o país teve que priorizar outras questões.
– Então, em sua opinião, a posterior “explosão cinematográfica” se deve justamente à economia? Foram superadas as consequências da guerra e puderam se permitir fazer filmes?
– Sim, entre outras coisas. Em geral, os anos 1950, segundo estimativas de vários especialistas, inclusive ocidentais, foram os melhores anos da economia soviética. Em termos de taxas de crescimento, foi muito maior do que os resultados da reforma “Kosygin”, que agora é cantada em nosso país. O crescimento do bem-estar de milhões de soviéticos foi visível. Não de um punhado de pessoas ricas, representantes da “casta” dos ricos, mas das massas do povo! É claro que o Estado em tal situação teve a oportunidade de investir muito mais recursos em cinema e cultura. E então, é preciso ter em mente que nos anos 1950 uma nova geração de artistas veio para o cinema – atores teatrais que antes “desdenhavam” a arte do cinema. Além disso, as vagas para os departamentos de atuação, direção e câmera da VGIK aumentaram seriamente. O cinema foi desenvolvido nas repúblicas nacionais.
– Uma das queixas frequentes contra o regime soviético é que os bolcheviques dissolveram tudo o que era nacional no soviético.
– Isso é ou mentira ou falta de compreensão do que o governo soviético estava fazendo. Criando uma única comunidade – o povo soviético – o governo desenvolveu as culturas nacionais ao máximo, não negando nem o ucraniano, o russo ou o uzbeque no Soviet. Ao contrário, foi feito um caminho pela harmonia das culturas nacionais – para que se enriquecessem umas às outras. A mesma coisa no cinema. Onde está o cinema georgiano agora? Ele não existe! E na URSS, o cinema georgiano foi, como se costuma dizer, “a cereja do bolo”!
– “O Mistério de Dois Oceanos” (Konstantine Pipinashvile, 1956) é um ótimo filme! Um blockbuster soviético.
– Os filmes georgianos não podiam se confundir com nenhum outro! Brilhantes conjuntos de atuação, excelente direção! E o Riga Film Studio? Moldova Film! Agora onde está a Moldávia e onde está o cinema? E nos tempos soviéticos houve Emil Loteanu. E havia um cinema forte na Ásia Central. Cada uma das repúblicas soviéticas contribuiu para o desenvolvimento do cinema soviético. Onde está tudo isso agora? Não há nada.
– Evgeny Yuryevich, vamos honestamente dizer que muitas vezes bons filmes foram feitos graças à “ajuda” de Moscou – as estrelas da capital foram atuar no Uzbequistão, Cazaquistão e na mesma Ucrânia.
– Havia um ditado: existem bons filmes, existem maus filmes e existem filmes do estúdio de cinema Dovzhenko. Havia muitas brincadeiras acerca da suposta superioridade da intelectualidade criativa de Moscou e Leningrado sobre seus colegas. No entanto, a mesma Ucrânia tinha seu próprio estúdio de cinema, e agora tudo está perdido. Claro, também havia filmes de “passagem”, “nada especial”, mas em geral o cinema soviético era um cinema feito por mestres em seu ofício. E eles fizeram isso, apesar de sua idade. A estreia de Karen Shakhnazarov é o filme “Boa Gente” (1979), um filme maravilhoso, em muitos aspectos à frente de seu tempo. Por que funcionou? Porque o autor tinha uma escola atrás dele. E com cada filme subsequente, esse diretor apenas aprimorou suas habilidades. Hoje, os filmes de Karen Shakhnazarov são clássicos do cinema russo. E você não encontrará estreantes deste nível durante o tempo de hoje!
– Por que, afinal, o cinema soviético não funcionou em termos de reeducação da pessoa? Ou a reeducação não é um resultado, mas um processo? Há mudanças e se esse processo se interrompe tudo se desmancha?
– Por um lado, você tem razão – este é um processo que não pode ser interrompido. E mais ainda para voltar atrás. Veja os filmes que começaram a ser rodados durante os anos da perestroika de Gorbachev (1986-1991)! “Arrependimento”, “A Pequena Vera”, “Acidente – A de Um Policial”. Eu nunca vou rever esses filmes, porque não fazem bem nem à mente, nem ao coração. E “Partindo, Vá Embora” (Victor Tregubovich, 1978), “Da Vida dos Turistas” (Nikolai Gubenko, 1980) vou rever! A gente quer viver depois de assisti-los! Por outro lado, qualquer marxista lhe dirá: a arte é só uma superestrutura sobre as relações sociais. Quando o modelo socialista de economia começou a entrar em colapso, isso inevitavelmente afetou a superestrutura, incluindo a cinematografia. A arte tornou-se a expressão dos interesses da classe dominante. Que classe chegou ao poder depois de 1991? É exatamente isso. Stalin, em seu último livro, Os Problemas Econômicos do Socialismo na URSS, escreveu que o problema mais importante, mas também o mais difícil para nós, é a educação do homem soviético. Ele acreditava que era necessário resolver o problema da redução da jornada de trabalho, para que o tempo livre fosse gasto pelo soviético no auto-estudo, auto-educação, na realização de seu potencial criativo. Infelizmente, o colapso do modelo soviético de economia levou ao colapso do modelo soviético de educação do “novo homem”. Assim, na lógica do outro modelo econômico, há uma formação completamente diferente, a promoção das ideias do egocentrismo. A propósito, elas são um tanto estranhas à nossa mentalidade.
– Bem, depende de como você observa. Existem os selfies nas redes sociais. O homem moderno ama, antes de tudo, a si mesmo. Apenas concordo com você em que os bolcheviques sugeriram um caminho diferente – e encontraram um sim de resposta entre o povo.
– E você não se perguntou por que eles foram vitoriosos? Porque eles pegaram, como escreveu Lenin, “o democratismo camponês sombrio, o mais grosseiro, mas também o mais profundo”. A base deste democratismo era a comuna da terra camponesa. Este é um caso raro na história da civilização humana, quando a comunidade camponesa não pereceu com o surgimento do Estado. Em todos os lugares o Estado a suprimiu. E aqui os bolcheviques não apenas captaram esse modelo, mas também o transformaram no Estado por meio da integração do poder soviético de alto a baixo – do conselho da aldeia ao Soviet Supremo da URSS.
– Compreendo a sua ideia, os Soviets, como forma de governo, logicamente saíram da nossa mentalidade russa. No entanto, a URSS também acabou por não ser eterna. Por que razões? Esta é uma outra grande conversa. Agora a questão é: qual é o papel do cinema no colapso da União Soviética? O papel dos cineastas não é exagerado?
– O fato é que o povo soviético tinha uma fé incrível na “palavra impressa” e em tudo o que vinha do Estado – sejam jornais, revistas, rádio, televisão, cinema. Não estou falando sobre o estrato de elite de figuras culturais, muitas vezes eles assumiram uma posição desafiadora, estou falando especificamente sobre o povo. Se está escrito no Pravda, então é a pura verdade. Se isso for mostrado na TV, significa que é assim. E quando foi incentivada a exibição do “avesso” da vida soviética durante a perestroika, uma torrente de vulgaridade literalmente jorrou! Devemos prestar homenagem a Stanislav Govorukhin, que mais tarde renegou seu filme “A Rússia Que Nós Perdemos” (1992). Talvez, ao criar este filme, ele tenha se enganado sinceramente por não saber o que realmente era a Rússia czarista. Mas na época esse filme trovejou por todo o país e muitos tomaram o que viram como verdadeiro: “Minha mãe! Durante setenta anos falaram mentiras para nós. Mas como nós vivíamos maravilhosamente sob o pai czar…”
– Você reconsiderou sua atitude em relação a diretores que, em algum tempo, eram seus favoritos?
– Nunca sofri de idolatria. Alguns eu gostei, outros não. Por exemplo, eu era muito simpático aos primeiros filmes de Eldar Ryazanov, mas seu “Garagem” (1979) categoricamente não achei legal. Eu não tive ídolos. Simplesmente gostei de muitos. Se falamos de atores, são Yuri Yakovlev, Mikhail Ulyanov, Nikolai Gritsenko, Mikhail Zharov. Então, eu não tive um “colapso de ideais”. Muitas pessoas continuaram a se comportar com dignidade, não traíram seu passado. Infelizmente, também houve aqueles que queimaram ao vivo seus carnês do partido. Eles consideraram isso uma façanha. Mas, em geral, no ambiente criativo as pessoas mais decentes foram maioria.
– No cinema soviético, os oponentes ideológicos eram mostrados com bastante respeito – eles explicavam seus motivos, as razões da derrota. Lembre-se, por exemplo, de “O Ajudante de Sua Excelência” (Evgueny Tashkov, 1969). Agora a situação é oposta. Se o personagem é vermelho, então é obrigatoriamente um marinheiro ignorante ou um comissário feroz. Qual é a razão para isso, a baixa cultura dos criadores? Parece que não.
– Em primeiro lugar, essa é a vontade da classe dominante. Quem paga é quem dá o tom. Em segundo lugar, é a conjuntura. E terceiro, este é um declínio acentuado no nível cultural geral. No filme que você mencionou de Evgeny Tashkov, todos estavam apaixonados por Kovalevsky interpretado por Vladislav Strzhelchik! Nada menos do que o capitão Koltsov, interpretado por Yuri Solomin. O coronel Schukin interpretado pelo ator Vladimir Kozel é um inimigo, mas que inimigo! Ideológico, forte! É agradável, como se costuma dizer, “lidar” com ele, derrotar tal inimigo é uma verdadeira façanha! Essa seleção de artistas, essa interpretação de imagens falavam do alto propósito da cultura soviética, do cinema soviético e das pessoas que criaram essas obras-primas. É claro que havia filmes em que os oponentes do regime soviético eram exibidos de forma satírica ou humorística. Infelizmente, agora tudo se tornou monstruosamente menor.
– O carimbo mais comum é o NKVD stalinista. Como podemos escapar dessa “unilateralidade”?
– Sim, a impressão é que o país não lutou, não se recuperou, e ao redor só operavam bandidos de uniforme. E tudo com sotaque de Odessa – em Odessa, em Moscou, em Leningrado! Para ser honesto, não vejo nenhuma melhora. Sei que Karen Shakhnazarov está muito preocupado com esta situação. Não é por acaso que ele criou cursos de formação de editores de cinema no Mosfilm. Queira Deus que sua iniciativa funcione! Mas parece-me que será extremamente difícil para Karen Georguievich corrigir sozinho esta situação. Isso ainda é uma questão da esfera estatal. É problema do Ministério da Cultura. Na minha opinião, o Ministério deve ser dirigido por uma autoridade indiscutível para todos, que acima de tudo terá a tarefa de reavivar o que havia de melhor na cultura soviética e russa. Inclusive no cinema. E terá que defender sua posição como um leão!
AS IMAGENS DE STALIN
– Você escreveu um livro sobre Joseph Stalin, “Outono do Patriarca: O Estado Soviético entre 1945-1953”, que reforça essa ideia. Não no sentido de que você esteja cantando uma ode ao líder, mas no fato de que avalia a eficácia de suas políticas com fatos e números, digamos. Os fatos são conhecidos por serem teimosos. Foi criada uma imagem objetiva de Stalin no cinema? É possível criá-la?
– O fato é que a imagem de Stalin há muito tempo é objeto de especulação. Agora a situação política mudou, se há apenas 20 anos Stalin era considerado um tirano e um assassino, agora ele é um “estadista”, “imperador vermelho” e assim por diante. Nem uma nem outra imagem de Stalin tem a ver com o verdadeiro Stalin. Ele era uma pessoa viva, com suas paixões e erros. Não se pode dizer que no cinema soviético a imagem de Stalin fosse confiável – e nem tanto ele foi mostrado no cinema! Houve um largo período em que era simplesmente impossível sequer mencionar o nome de Stalin.
– Qual imagem cinematográfica de Stalin é mais próxima de você pessoalmente?
Na minha opinião, a imagem de referência de Stalin foi criada nos cinco episódios do épico, de Yuri Ozerov, “Libertação” (1969-1972). Esta imagem está mais perto de mim. No que diz respeito à era stalinista em si, gosto da interpretação de Aleksei Diky – “A Batalha de Stalingrado” (Vladimir Petrov, 1942), “O Soldado Matrasov” (Leonid Lukov, 1946) e outros. Há uma história famosa sobre como ocorreu a conversa entre Diky e Stalin. O líder convidou o artista para sua residência. Quando Diky chegou, Stalin prestou atenção para o fato de que ele estava um pouco embriagado. O líder pediu dois copos de conhaque – um grande para ele e um pequeno para seu convidado. Taças tilintadas, eles beberam. Stalin diz: “Agora vamos conversar em termos iguais!” E ele perguntou a Diky: “Por que você, quando me interpreta, fala russo puro sem sotaque?” Ao que Diky respondeu: “Camarada Stalin, eu não interpreto você! Eu interpreto a imagem de Stalin, que se desenvolveu entre nosso povo!” O líder gostou muito dessa resposta. E Diky sem dúvida estava certo.
– E qual é a pior imagem de Stalin?
– A de filmes relacionados à sua vida pessoal. São contos e fofocas passadas como fatos históricos.
– Você se lembra do filme “Círculo do Poder” de Andrei Konchalovsky? O que você acha do filme?
– Escuta, com todo o respeito a Andrei Sergeevich, este filme foi rodado de uma forma um tanto oportunista. Ano de 1992, produção norte-americana. No entanto, olha quem o diretor escolheu para o papel de Stalin? Alexander Zbruev! Com olhos orientais astutos. Konchalovsky é um artista muito talentoso, ele sabe o que quer alcançar com seus filmes.
PARA ONDE DEVEMOS NAVEGAR
– Já estamos acostumados com a apresentação da era soviética como uma escuridão contínua, onde tudo o que foi bom aconteceu apesar disso. E a Vitória, e Gagarin, e o projeto espacial “Buran-Energia”… Para onde iremos com essa abordagem?
– Estamos caminhando para a degradação aos trancos e barrancos. O que Lenin disse sobre a Rússia czarista: “Há uma parede – mas está podre. Cutuque-a e se desmorona!”. A base é a economia – digam o que digam, mas durante todos os 30 anos, começando com Gaidar e Chubais, nossa economia foi dirigida por liberais ocidentais, ferozes anti-soviéticos. Sua retórica muda dependendo do ambiente político, mas, em essência, o governo permanece liberal. Portanto, estamos marcando passo.
– Evgeny Yuryevich, mas mesmo na lógica liberal, para o país é simplesmente não lucrativo “marcar passo no mesmo lugar”.
– E eles não entendem isso! Aparentemente, há defensores convictos de nocautear o “espírito soviético” de nossos filhos de forma estúpida e frontal. Deve-se notar que eles alcançaram algum sucesso – podemos ver isso na geração mais jovem. Há uma “idiotização” dos jovens, e isso é perigoso. Não é a destruição da indústria, mas a “terra arrasada” no cérebro. A Ucrânia, neste sentido, é o exemplo mais claro! Para se degradar tanto em 30 anos foi necessário muito esforço! Em 1991, era a quinta economia da Europa – um potencial industrial gigantesco, uma agricultura altamente desenvolvida, energia nuclear, um poderoso complexo de defesa, universidades e escolas científicas brilhantes! E onde está tudo isso?
– Você acha que em algum momento o cinema soviético poderá ser totalmente banido? Não é preciso proibir. Basta comprar os direitos do catálogo de filmes e retirá-los do acesso gratuito na web. Lembra da situação com o legado soviético da Soyuzmultfilm?
– Quem fez isso precisa lembrar que, antes de mais nada, eles próprios não são eternos. E em segundo lugar, não se esqueça de que a informação pode estar contida em outras mídias, não apenas na web. Quanto à proibição, dificilmente acontecerá. E a arte erudita – seja ela literatura, cinema, pintura – sempre mexerá com as mentes das pessoas! As pessoas sempre são atraídas pelo mais elevado.
– Uma nova geração de criadores aparecerá como resultado das transformações socioeconômicas?
– Acho que sim. Aliás, acredito que essas pessoas se tornarão os precursores das mudanças no país. Vamos nos lembrar da “Idade da Prata”. Por que ela apareceu? A sociedade naquela época estava em um estado anterior à tempestade – profundas mudanças tectônicas já haviam começado a surgir. Mudanças em escala global. Representantes da cultura – poetas, escritores e artistas – tornaram-se os expoentes desses imperativos. Em uma palavra, a intelligentsia. No século 19, essa geração ainda não existia, mas no início do século 20 ela apareceu imediatamente: Gumilyov, Blok, Gippius, Merezhkovsky, Veresaev, Balmont e muitos outros. Acho que uma nova geração de criadores logo se dará a conhecer.
KINO-BLITZ DE EVGENY SPITSYN
– Você vai a uma estreia no cinema ou espera o filme sair na web?
– Não vou ao cinema, só vejo em casa.
– “Mestre e Margarita”: qual adaptação é melhor? Yuri Kara (1954) ou Vladimir Bortko (1946) ?
– Infelizmente, não assisti ao filme de Yuri Kara. Mas, a julgar pelos fragmentos, Nikolai Burlyaev como Yeshua e Mikhail Ulyanov como Pilatos parecem mais convincentes do que Sergei Bezrukov e Kirill Lavrov (a quem tenho grande respeito), que desempenharam os mesmos papéis na série de Vladimir Bortko.
– Seu herói de cinema favorito quando criança?
– Malchish-Kibalchish – do conto de Evgeny Sherstobitov, 1964.
– O filme que se tornou uma revelação para você na sua maturidade?
– Existem muitos desses filmes. O fato é que o que você não pegou aos 20 anos começa a entender aos 30. O que você não pegou aos 30, começa a entender aos 40. O que chamar de “anos maduros”? Falarei dos filmes “Olá e Adeus” (1978) de Vitaly Melnikov e “Da Vida dos Turistas” (1980) de Nikolai Gubenko. Eu os descobri já na idade madura. Mesmo agora, a cada visualização, você descobre novas facetas. Em geral, para mim no cinema, não é a filosofia do filme em si, a mensagem do diretor, mas a atuação. Amo assistir a transformação do ator na tela.
– O diretor mais superestimado da história do cinema?
– Pelo espectador ou pelo poder?
– Por você pessoalmente.
– Eldar Ryazanov.
– O melhor intérprete do papel de Lenin?
– Kirill Lavrov.
– A vulgaridade no cinema é…
– A palavra “vulgaridade” no século 19 tinha uma conotação completamente diferente – é assim que caracterizavam a vida cotidiana. Uma pessoa vulgar é uma pessoa comum. O que você quer dizer com a palavra “vulgar” hoje? Obsceno?
– Bem, o que “choca” você no cinema?
– Palavrões, xingamentos, embora eu mesmo seja um pecador, às vezes eu xingo quando acontecem ou vejo injustiças, mas não em público, mas em particular. E eu realmente não gosto de cenas de amor vulgares – especialmente se elas não afetam de forma alguma a trama e o drama do filme. Existem gêneros separados para isso – erotismo, pornografia. Quem curtir liga e assiste! Para filmar uma cena erótica real em um filme, você precisa de um talento especial. O que vejo hoje – simplesmente não acredito. Interpretar amor, paixão não é fácil. Muitas vezes fica vulgar.
– Qual filme, na sua opinião, será capaz de conciliar os “vermelhos” e os “brancos”? Ou é, em princípio, impossível e a reconciliação é apenas uma vitória disfarçada de uma das partes?
– Não pode haver nenhuma “reconciliação”, são plataformas ideológicas opostas. Aqui não há “meio-termo”, como disse um dos heróis do “Don Silencioso”, de Sholokhov. A Rússia se reconciliou durante os anos da Grande Guerra Patriótica, quando todos nós vencemos, e Krasnov e Shkuro foram enforcados. Mas, desde 1991, têm tentado transformá-los em “heróis”, assim como na Ucrânia com os partidários de Stepan Bandera… Espero que isso não funcione para nós. Se as pessoas não forem completamente cegas. Eu faço de tudo para que o povo não fique cego.