André Mendonça permitiu a Osmar Crivelatti não comparecer à audiência. Depoimento do ex-coordenador da Ajudância de Ordens da Presidência estava marcado para esta terça-feira (19). Ele é auxiliar-chave, que esteve envolvido nas tramas de golpe e no caso das joias
O ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou, na segunda-feira (18), que Osmar Crivelatti, ex-coordenador administrativo da Ajudância de Ordens da Presidência da República na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), não comparecer ao depoimento marcado na CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do Golpe, em funcionamento no Congresso Nacional.
Com essa decisão, o ministro indicado pelo ex-chefe do Executivo sabota as investigações e o inquérito realizado pela comissão que apura os atos antidemocráticos praticados pelos apoiadores de Bolsonaro.
A oitiva estava marcada para esta terça-feira (19), às 9h. Caso comparecesse, o militar poderia optar por nada falar, pois o ministro também lhe assegurou o direito ao silêncio em questões que pudessem incriminá-lo.
Crivelatti trabalhou como ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele era subordinado ao tenente-coronel Mauro Cid, que era o coordenador da Ajudância de Ordens.
ALVO DE BUSCA E APREENSÃO
Na decisão, o ministro “terrivelmente evangélico” escreveu que embora Crivelatti tenha sido convocado como testemunha, ele é investigado na própria CPMI, comprovado pelas quebras de sigilos telemático, bancário, telefônico e fiscal aprovadas.
O militar também foi alvo de busca e apreensão autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes.
DECISÃO DE MENDONÇA
“Com efeito, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que, se o paciente ostenta a condição de investigado, o direito à não autoincriminação abrange a faculdade de comparecer ao ato”, escreveu ainda Mendonça na decisão.
“Em situações similares já foram proferidas decisões por ministros desta Corte, reconhecendo àqueles intimados na condição de testemunha as mesmas garantias inerentes àqueles que ostentam verdadeira qualidade de investigado por fatos apurados na CPI ou CPMI”, apontou.
Osmar Crivelatti é suspeito de envolvimento no caso de retirada, negociação e venda de joias da Presidência da República durante o mandato de Jair Bolsonaro.
Investigações apontam que ele teria assinado a retirada do relógio Rolex do acervo.
QUEM É OSMAR CRIVELATTI
Trata-se de ex-assessor do Palácio do Planalto no governo Bolsonaro. A pedido da relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o depoimento de Crivelatti ocorreria no lugar do ex-chefe da Casa Civil general Braga Netto, cuja oitiva foi adiada para 5 de outubro.
Segundo-tenente do Exército, entre outras atribuições, ele cuidava das joias sauditas presenteadas Bolsonaro. Ele era o “braço direito” de Mauro Cid.
Osmar Crivelatti foi nomeado, em 26 de dezembro do ano passado, no DOU (Diário Oficial da União), assistente do ex-presidente Jair Bolsonaro. Desde lá, o militar trabalha ao lado dele, mesmo após Bolsonaro ter perdido as eleições presidenciais.
Em depoimento à PF, o coronel da reserva do Exército Marcelo da Costa Câmara, assessor de confiança do ex-presidente, disse que escalou Crivelatti para auxiliá-lo na tarefa de cuidar do acervo, após o término do mandato de Bolsonaro, na fazenda do ex-piloto de Fórmula 1, Nelson Piquet, apoiador do ex-presidente.
CASO DO ROLEX
Segundo informações de O Globo, em 6 de junho de 2022, Crivelatti assinou a retirada de um Rolex ganho por Bolsonaro. O relógio, avaliado em R$ 300 mil, havia sido doado pelo rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdul-aziz, em viagem oficial, e foi negociado pelo tenente-coronel Mauro Cid.
Os dois militares também foram responsáveis por recomprar os dois kits de joias sauditas devolvidos ao TCU (Tribunal de Contas da União). No entanto, as ações ocorreram em momentos diferentes.
O segundo-tenente recebeu, até julho, e-mails do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), com informações sensíveis sobre as viagens nacionais e internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ele permaneceu na lista de transmissão, usada pelo GSI para informar detalhes sobre os eventos oficiais de Lula. Graças aos e-mails na lixeira de Crivelatti, a PF e a CPMI conseguiram acessar o material sigiloso.
MOVIMENTAÇÃO SUSPEITA
Ex-ajudante de ordens e ex-assessor de Bolsonaro Osmar Crivelatti movimentou quase R$ 2,7 milhões em suas contas correntes entre 2021 e junho de 2023.
O valor está no relatório da e-Financeira da Receita Federal, recebido pela CPI do Golpe, e divulgado pelo portal g1 na coluna de Camila Bomfim.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) já havia apontado, no relatório de inteligência financeira (RIF), que “não foram encontradas justificativas para a movimentação financeira” e que havia “indícios do crime de lavagem de dinheiro”.
Segundo a coluna do g1, de acordo com o Portal da Transparência, o militar, que ainda trabalha como servidor de apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, recebe em média, R$ 12.826,58 líquidos no serviço militar e mais R$ 2.246,00 pela função de apoio.
Somente entre janeiro e junho de 2023, Crivelatti movimentou R$ 894.861,12 entre débitos e créditos em suas contas correntes.
O valor corresponde a 59 meses de rendimentos mensais do militar. É como se, em seis meses, ele tivesse recebido o salário correspondente a cinco anos de trabalho.
Ele é um dos ex-ajudantes de ordem que tinham em seus e-mails comprovantes de depósitos em dinheiro feitos à ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Ao todo, foram identificados R$ 60 mil em 45 comprovantes.
MENDONÇA COPIA KASSIO NUNES
A decisão de Mendonça é cópia de Kassio Nunes, que autorizou, na semana passada (12), a ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, Marília Alencar, a não comparecer à CPMI.
Ela fora convocada para explicar relatório detalhando das cidades onde o então candidato Lula venceu no primeiro turno das eleições. O documento subsidiou as blitzes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em cidades do Nordeste no segundo turno para impedir eleitores do petista de votar.
Em casos semelhantes, os demais ministros concedem habeas corpus aos depoentes autorizando-os a permanecerem calados durante a fase de perguntas dos congressistas, todavia não concederam o privilégio de não comparecerem.
M. V.