Entre os alvos das buscas está o procurador Eduardo Gussem, que era responsável pelas investigações do esquema de rachadinha envolvendo Flávio Bolsonaro (PL-RJ)
O chefe da inteligência da Receita Federal durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), Ricardo Pereira Feitosa, acessou e copiou dados fiscais sigilosos de opositores do ex-presidente. E, certamente, ele o fez por ordem de alguém que pretendia usar esses dados, se fosse o caso, para fins ilícitos.
Tem por trás disso uma cadeia de comando, até a execução.
Segundo documentos obtidos pelo jornal Folha de S.Paulo, um dos alvos do levantamento foi Eduardo Gussem, então procurador-geral de Justiça do Rio e responsável pelas investigações do esquema de rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro (2003-2019).
A denúncia foi posteriormente arquivada.
“Rachadinha” é peculato, que é um tipo de crime contra a Administração Pública, identificado no artigo 312 do CPP (Código de Processo Penal (Lei 2.848/40). Esse crime ocorre quando alto funcionário público se apropria ou desvia, em favor próprio, dinheiro, valor, ou qualquer outro bem móvel que se encontra em posse do funcionário em razão do cargo que ocupa.
DE ALIADOS A DESAFETOS
De acordo com os registros e depoimentos de pessoas ligadas ao caso, os acessos ocorreram nos dias 10, 16 e 18 de julho de 2019, ainda no início do governo de Bolsonaro.
Também foram alvos das devassas dois aliados políticos que haviam acabado de romper com o então chefe do Executivo, o empresário Paulo Marinho, que é suplente do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), e o ex-ministro Gustavo Bebianno, que morreu em março de 2020.
À época das pesquisas, não havia nenhuma investigação fiscal envolvendo os alvos que justificasse o acesso aos dados, que são sigilosos. Por conta da movimentação, foi aberta investigação interna da Receita Federal para apurar a motivação.
NOTA DA DEFESA
Em nota, Ricardo Pereira Feitosa negou ter cometido qualquer violação, e escreveu ainda que “não vazou dados sigilosos e que sempre atuou no estrito cumprimento do dever legal”.
A defesa do servidor pontuou, também, que “sua vida funcional sempre foi reconhecida pela seriedade, zelo, atenção ao interesse público e cumprimento estrito dos deveres legais, trabalhando no combate à prática de ilícitos tributários e exercendo seu poder-dever de atuar na inteligência fiscal”.
DADOS ACESSADOS
Entre os dados acessados e copiados por Feitosa estão as declarações completas de Imposto de Renda do procurador Eduardo Gussem. Ele fez cópia das informações declaradas pelo magistrado durante o período de 2013 a 2019.
Do ex-aliado de Bolsonaro Gustavo Bebiano, os dados coletados foram os mesmos: declarações de Imposto de Renda de sete anos. Bebiano era líder do PSL, então partido de Bolsonaro, e ocupou a Secretaria-Geral da Presidência por pouco mais de um mês.
Ele foi o pivô da primeira crise política do governo do ex-presidente, gerada pela suspeita de que o PSL fez uso de candidatura “laranja” nas eleições de 2018 para desviar verbas públicas, e acabou sendo demitido do cargo.
À época, Bebiano atribuiu a saída do governo ao filho do então presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), com quem tinha desavenças públicas. O ex-ministro morreu vítima de infarto, em 2020.
OUTRAS INFORMAÇÕES
Sobre Paulo Marinho, além dos dados do IR do empresário, Ricardo Pereira Feitosa também buscou informações sobre a mulher do empresário.
O chefe da inteligência da RF ainda acessou dados dos três opositores de Bolsonaro em outros sistemas utilizados pela Receita, como o banco de dados que reúne ativos e operações financeiras de especial interesse do Fisco e a plataforma voltada para operações de comércio exterior.
INVESTIGAÇÃO
Após a identificação das pesquisas, foi instaurada sindicância investigativa em março do 2020, que recomendou a abertura de PAD (Processo Administrativo Disciplinar). O processo pode culminar, inclusive, com a demissão do servidor público.
O PAD segue em tramitação e, segundo o jornal Folha de S.Paulo, com a recomendação de exoneração de Feitosa.
O processo ainda vai ser analisado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Atualmente Ricardo Feitosa atua como auditor-fiscal da Administração Aduaneira da Receita em Cuiabá (MT).
M. V.