Ex-ministro de Bolsonaro dirige empresas ligadas ao fraudulento Banco Master

Ronaldo Vieira Bento, ex-ministro da Cidadania de Bolsonaro (Foto: Valter Campanato - Agência Brasil)

Ex-ministro que atuou no consignado do Auxílio Brasil assume cargos em empresas ligadas ao colapsado Banco Master, hoje alvo de investigação por fraudes bilionárias

Documentos obtidos mostram que Ronaldo Vieira Bento, ex-ministro da Cidadania de Jair Bolsonaro (PL), deixou uma das pastas mais sensíveis do governo — responsável pelo Auxílio Brasil — para assumir posições estratégicas em empresas que orbitam o problemático grupo Master, de Daniel Vorcaro.

Os documentos foram divulgados pelo portal Fórum.

O conglomerado, hoje em liquidação extrajudicial, é investigado na Operação Compliance Zero, da PF (Polícia Federal), por suspeita de fraudes bilionárias.

Após deixar o governo em 2022, Bento tornou-se administrador da Mettacard Administradora de Cartões e diretor do Banco Pleno S.A., instituição criada a partir da cisão do antigo Banco Voiter. A operação separou ativos “saudáveis” do Master, sob intervenção do BC (Banco Central).

O cruzamento de registros societários, decisões da CGU (Controladoria-Geral da União), e documentos de tribunais de contas revela padrão: o ex-ministro que atuou para abrir espaço ao consignado sobre benefícios sociais hoje dirige empresas que lucram exatamente com esse modelo de endividamento.

AUXÍLIO BRASIL, ROMBO FISCAL E A ENGENHARIA QUE ABRIU O MERCADO

Bento foi um dos articuladores do Auxílio Brasil, programa turbinado às vésperas da eleição de 2022. A medida gerou impacto de R$ 175 bilhões — parte dos R$ 198 bilhões estourados por Bolsonaro fora do teto de gastos — e obrigou Lula a negociar a chamada “PEC da Transição” ainda antes de assumir o mandato presidencial.

Paralelamente, o então deputado João Roma (PL-BA), então ministro licenciado da pasta Cidadania, atuou como relator das MP (medidas provisórias) que alteraram o programa.

Foi ele quem incluiu no parecer trecho decisivo: a permissão para que o benefício complementar integrasse o conjunto de rendas aptas a garantir empréstimos consignados. A MP 1.106/22 abriu formalmente o caminho para operações sobre o Auxílio Brasil.

O deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), hoje presidente da Câmara, ampliou ainda mais esse espaço ao tornar permanente o adicional extraordinário do benefício, elevando o valor-base para cálculo dos empréstimos. Com esse arcabouço regulatório aprovado, Bento assumiu o ministério.

Segundo a CGU, 93% dos contratos de consignado do Auxílio Brasil foram assinados entre o primeiro e o segundo turno de 2022. Mais de 56 mil famílias sofreram descontos irregulares.

DO GABINETE PARA “ECOSSISTEMA MASTER”

Policial federal, mestre em Direito e 1º tenente da reserva, Bento era visto no governo Bolsonaro como quadro técnico alinhado politicamente. Em 2022, assumiu o Ministério da Cidadania por indicação de João Roma e com o aval público de Bolsonaro.

Em 2023, filiou-se ao Republicanos e abriu consultoria privada. No ano seguinte, já era administrador da Mettacard, que atua com cartão de benefício consignado.

Em 2025, foi nomeado diretor do Banco Pleno e da holding NK 031. Ambas estruturadas após a cisão do Master aprovada pelo BC.

METTACARD: FACHADA INDEPENDENTE, ENGRENAGEM MASTER

A Mettacard se apresenta como empresa autônoma, mas os documentos contradizem essa imagem. A política de privacidade registra que a marca é licenciada pelo Banco Master, responsável pelo tratamento de dados.

No Google Play, o aplicativo METTAcard aparece como desenvolvido pelo Banco Master, com o mesmo endereço e e-mail corporativo. O suporte técnico é prestado por domínio do antigo Banco Máxima/Master. E o desenvolvedor oferece outros aplicativos do grupo, todos ligados ao consignado.

Na prática, embora a Mettacard tenha CNPJ independente, infraestrutura tecnológica, sistemas, equipe e licenciamento permanecem sob o guarda-chuva do grupo Master.

PROPOSTA EM SP EXPÕE VÍNCULO OPERACIONAL

Em março de 2025, a Mettacard enviou à Prefeitura de São Paulo proposta para oferecer cartões consignados a servidores municipais. O documento determina que todos os valores descontados em folha fossem depositados diretamente em conta do Banco Master.

A operação é dividida: a Mettacard gerencia cartões e plataforma; o Master detém a carteira de crédito e a receita de juros.


A funcionária indicada para contato representou o antigo Máxima/Master em convênios com prefeituras, o que reforçou o compartilhamento de estruturas.

MASTER, PF E BLINDAGENS

Reportagem de Natália Portinari (UOL) revelou que o Master e Daniel Vorcaro estavam na mira da PF desde 2020 por desvio de R$ 500 milhões de fundos de pensão.

Embora o banqueiro tenha sido mencionado em relatório policial, decisão da desembargadora Maria do Carmo Cardoso, do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), impediu que fosse denunciado.

A magistrada, segundo a CNN, é próxima da família Bolsonaro — especialmente de Flávio — e teria sido uma das articuladoras da indicação de Kássio Nunes Marques ao STF (Supremo Tribunal Federal).

PORTA GIRATÓRIA QUE FECHA NO CONSIGNADO

Menos de 2 anos após ajudar a desenhar o marco regulatório que impulsionou o consignado sobre benefícios sociais — e que produziu endividamento em massa de famílias de trabalhadores — Bento migra para o núcleo empresarial que explora esse nicho.

Especialistas ouvidos pela Fórum classificam o movimento como exemplo clássico de porta giratória: o agente público que molda regras passa, em curto prazo, a ocupar cargos lucrativos em empresas beneficiadas por essas.

A reportagem do portal enviou questionamentos a Ronaldo Bento, à Mettacard e ao Banco Master sobre as relações societárias e operacionais, além do papel do ex-ministro na reestruturação do conglomerado. Não houve resposta até o fechamento do texto.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *