“O homem pode encontrar significado na vida, curta e perigosa como ela é, somente através de sua dedicação à sociedade”. Com esta citação de Albert Einstein, o ex-ministro do Planejamento e Finanças durante o governo Hugo Chávez, Jorge Giordani, abre o seu artigo intitulado “A medíocre e asfixiante escuridão”, escrito no segundo dia de apagão que assola a Venezuela e no qual clama pela união em tono de uma corrente popular que resgate “a sensível e sentida experiência liderada pelo Comandante Hugo Chávez” e livre o povo tanto do “desgoverno da escuridão” de Nicolás Maduro, quanto do “títere da Casa Branca”, o autoproclamado Juan Guaidó.
Giordani está entre os que rejeitam as diversas e desencontradas versões de Maduro e integrantes de seu governo de que o maior apagão da história de 130 anos de fornecimento elétrico na Venezuela teria sido causado, entre outras ações inimigas, por “um ataque cibernético” de uma “alta tecnologia” a qual “só os Estados Unidos dispõem”. Como esta versão não dá conta da continuidade e falta de solução do problema, surgiu um complemento: o de que os fomentadores da escuridão nos Estados Unidos teriam sido ajudados por “sabotadores e golpistas” no interior da empresa de eletricidade, a Corpoelec, que serão “localizados e punidos”. Tudo isso, proclamado com forçada eloquência pelo próprio Maduro no que denominou “Marcha Antiimperialista” do dia 9 de março.
Incapacidade e corrupção
O ex-ministro venezuelano é apoiado em sua avaliação – de que, com o apagão, o desgoverno Maduro “rompe com qualquer limite do intolerável” – entre muitos engenheiros e especialistas, pelo ex-presidente da empresa petroleira da Venezuela, a PDVSA, Rafael Ramirez que, em meio ao desastre escreveu:
“O país está sofrendo neste momento um apagão generalizado, completo. É muito grave, nada funciona, nem comunicação, transporte, serviços básicos, produção, nada. O governo diz que se trata de outra sabotagem. Ou estamos diante de um golpe em marcha, ou o governo chegou ao extremo do colapso.
“Como resultado da interrupção da eletricidade, não havia combustível, nem gás, nem diesel, para operar as termelétricas (que serviriam de respaldo à queda da usina de Guri). E mais, isto já vinha sendo advertido por alguns trabalhadores que estão atualmente presos.
“A hidrelétrica de Guri entrou colapso por falta de manutenção, da mesma forma que as termelétricas e a linhas de transmissão e distribuição. A incapacidade e indolência do governo nos levou a este colapso total. Da mesma forma, foi na PDVSA. Valeram mais os interesses de grupo do que o país. Incapazes!
“O governo não dá explicações claras sobre este apagão. Somente as mentiras habituais repetidas pelo ministro das manipulações (referindo-se ao ministro das Comunicações, Jorge Rodriguez) e as absurdas acusações de sabotagem do ministro do apagão (referindo-se ao ministro da Energia Elétrica, Luiz Motta Dominguez). Nada acontece, ninguém responde pelo desastre, nem resolve. O povo sofre. Fracasso total!”.
Guaidó volta a falar em intervenção militar estrangeira
Para completar a gravidade do quadro, no comício em que realizou, no mesmo dia 9, o autoproclamado e com validade vencida, Juán Guaidó (que, ainda que fosse válida sua autoproclamação como “presidente interino” teria 30 dias para convocar eleições, coisa que não fez), voltou a se rebaixar ao ameaçar a soberania nacional, a dizer, agora, aos venezuelanos que “virão dias duros” e que, “chegado o momento”, apelaria para o artigo 187 da Constituição, parágrafo 11, que diz competir à Assembleia Nacional: “Autorizar o emprego de missões militares venezuelanas no exterior ou estrangeiras no país”.
N.B.
Vamos, então, aos principais trechos do libelo de Giordani, ex-ministro de Planejamento e Finanças da Venezuela:
Dois elementos de caráter geral impregnam a delicada situação, por um lado, o chamado colapso rentista e, por outro, a ingovernabilidade existente, esta segunda tem relação com a presença por demais notória, de um desgoverno impostor, que dilapidou, em menos de cinco anos, uma sensível e sentida experiência liderada, até sua morte, pelo Comandante Hugo Chávez, desde seu triunfo eleitoral em dezembro de 1998 até o ano de 2012 que contou, entre outras coisas, com uma ampla distribuição da renda e da riqueza provenientes dos hidrocarbonetos ao tratar de cancelar uma dívida social que vinha, talvez, desde 1830.
Sentimento convertido em exigência social quando se destruiu um capital político em mãos de uma camarilha que pretende se eternizar no poder, custe o que custar ao povo em sua cotidiana sobrevivência.
Dita camarilha, sustentada por uma casta pretoriana, atua com um cinismo que rompe qualquer limite do intolerável, como acaba de suceder com o colapso por mais de 24 horas do sistema eléctrico nacional, que já vinha dando mostras de suas dificuldades estruturais há bastante tempo.
O desgoverno atua pela ilusão, como se o povo estivesse condenado a esta classe de fenômenos, à ausência de um serviço elétrico nacional por um dia completo (já ultrapassam dois dias), com falhas que agora já não deixam incólume a zona central do país, quando previamente, no interior, em muitas zonas, as pessoas já vinham padecendo do problema onde a frequência dos apagões e sua duração havia se tornado simplesmente inaceitável.
A isto acompanha a situação da principal fonte de receitas do país, em termos de suas divisas, a PDVSA, que claramente colapsou com um nível de produção perto ou abaixo do milhão de barris diários, deixando as reservas internacionais sem a possibilidade de se fazer frente aos compromissos mais necessários e urgentes de saúde e alimentação, chegando até ao extremo de que, quem quer que contraia uma enfermidade pode estar próximo de seu fim, para não mencionar a escassez e a especulação com os alimentos, deixando a grande maioria dos que dependem de uma renda salarial em condições precárias.
Medíocre, asfixiante escuridão na forma de se comportar do desgoverno ante as calamidades do povo venezuelano e que, tivesse o menor laivo de dignidade, já há tempo havia apresentado sua renúncia coletiva, indo tocar sua música em outra parte, a desfrutar seguramente dos benefícios que acumularam, ao menos a camarilha no poder, e se mandar a qualquer dos paraísos fiscais que pululam na atual sociedade capitalista.
Mas não. Em sua obstinada atuação é como se buscassem chegar aos limites de uma guerra civil, de una explosão social descontrolada, ou a vinda de uma espécie de Pinochet à venezuelana, para culminar a comédia que vivemos, em uma incalculável tragédia.
Isto é, similar ao que procura de maneira paciente e calculada, o títere da Casa Blanca e o governo norte-americano com seus acólitos no resto do mundo, ameaçando de maneira contínua na busca de voltar a constituir a Venezuela em seu anelado ¨quintal dos fundos¨.
Não bastou o subfaturado leilão dos recursos naturais na faixa petrolífera do Orinoco, nem o Arco Minero ao lado do majestoso rio, para que este desgoverno servisse de entreguista às empresas transnacionais deste lado do oceano ou às que estão mais distantes. Não. Sua submissão para os próximos anos não foi suficiente para aplacar os interesses de gregos e troianos, para que, no desgoverno, continuassem usufruindo da depauperada renda, que lhes servirá, ao que parece, até “raspar o fundo do tacho”, ao qual logo seguirá o salve-se quem puder, em um tipo de “aprés moi le deluge¨… (‘depois de mim o dilúvio’, referência ao dito pelo rei Luís XV, cujo filho seria deposto pela Revolução Francesa).
A pergunta que comove a alma e sentimento do trabalhador venezuelano é: Até quando tanta impunidade?!
O que conduz à necessidade de uma proposta que surja da base do povo venezuelano, que busque superar o labirinto em que nos encontramos, que não se constrói com a intervenção de estranhos mas sim fazendo uso do patrimônio histórico do país, de suas Forças Armadas, do surgimento de uma liderança política capaz, por um lado de livrar-se da comédia de um desgoverno e, por outro, que feche as portas a um títere do novo inquilino da Casa Branca, como forma de superação desta espécie maldita e medíocre de asfixiante escuridão…