Em um encontro inédito, oito ex-ministros do Meio Ambiente reuniram-se nesta quarta-feira (8) na Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, para avaliar os retrocessos perpetrados pelo governo Bolsonaro na política ambiental brasileira. Os ministros das gestões Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer divulgaram um comunicado em que alertam para o desmonte da gestão ambiental no Brasil está sendo desmontada, uma “afronta à Constituição”.
“É grave a perspectiva de afrouxamento do licenciamento ambiental, travestido de ‘eficiência de gestão’, num país que acaba de passar pelo trauma de Brumadinho. Os setores empresarial e financeiro exigem regras claras, que confiram segurança às suas atividades”, ressaltam os ex-ministros.
“Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente: entre elas, a perda da Agência Nacional de Águas, a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura, a extinção da secretaria de mudanças climáticas e, agora, a ameaça de descriação de áreas protegidas, apequenamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente e de extinção do Instituto Chico Mendes”, aponta o documento.
Participaram do encontro: Rubens Ricupero, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc, Izabella Teixeira, José Sarney Filho, Gustavo Krause e Edson Duarte. Eles ocuparam o cargo de ministros do Meio Ambiente entre os anos de 1993 e 2018.
Os ministros ressaltam que o país está diante de um risco real de aumento descontrolado do desmatamento na Amazônia. “Os frequentes sinais contraditórios no combate ao crime ambiental podem transmitir a ideia de que o desmatamento é essencial para o sucesso da agropecuária no Brasil. A ciência e a própria história política recente do país demonstram cabalmente que isso é uma falácia e um erro que custará muito caro a todos nós”.
Os ambientalistas apontam que é “urgente a continuidade do combate ao crime organizado e à corrupção presentes nas ações do desmatamento ilegal e da ocupação de áreas protegidas e dos mananciais, especialmente nos grandes centros urbanos” e salientam que discurso contra os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMBio, e o questionamento aos dados de monitoramento do INPE, cujo sucesso é “auto-evidente”, soma-se a uma “crítica situação orçamentária e de pessoal dos órgãos”, o que “reforça na ponta a sensação de impunidade, que é a senha para mais desmatamento e mais violência”.
De acordo com o documento, “há que se fortalecer as regras que compõem o ordenamento jurídico ambiental brasileiro, estruturadas em perspectiva sistêmica, a partir da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente de 1981. O Sistema Nacional de Meio Ambiente precisa ser fortalecido especialmente pelo financiamento dos órgãos que o integram”.
Salles quer desmontar o sistema
Marina Silva disse que a preocupação é em relação à manutenção da estrutura de apoio ao meio ambiente. “Estamos aqui porque, pela primeira vez, temos um ministro que quer desmontar o sistema”, afirmou a ex-ministra (2003 a 2008) e ex-candidata à Presidência.
Segundo ela, os setores do agronegócio, indústria e mineração podem ser afetados pelas medidas tomadas pelo ministro Ricardo Salles.
“O que está sendo dito em relação às nossas commodities é que elas serão produzidas em prejuízo da defesa do meio ambiente, da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica, e dos índios. Essa mensagem não pode ser passada em hipótese alguma. Isso gera mais desemprego, mais dificuldades e menos investimentos para o Brasil, e cria insegurança jurídica”, pontuou Marina.
Ministro do Meio Ambiente no governo Fernando Henrique Cardoso, José Carlos Carvalho (2002) criticou o tratamento dado ao governo aos fiscais do Ibama “como se fossem provocadores dos problemas que queremos combater”. Para Carvalho, a atual gestão tenta convencer a sociedade de que o Brasil tem uma indústria de multas. “Mas para haver multas, é preciso uma indústria de infrações”, afirma.
“O que está sendo feito parte da premissa intelectualmente pobre que é colocar o meio ambiente como uma questão fútil”, afirmou Carvalho ao lembrar que as primeiras ações de preservação ambiental no Brasil foram criadas ainda no governo militar. “Me explica qual o marxismo cultural do governo Medici e Figueiredo? Agora, em pleno regime democrático, queremos retornar a uma situação anterior à ditadura”.
“O ministério do Meio Ambiente me parece mais uma sucursal do ministério da Agricultura”, disse o ex-ministro Sarney Filho, que comandou o Meio Ambiente nos governos Dilma e, depois, na gestão Temer.
Temos de resistir. O manifesto chama a atenção para o governo rever seus erros. Não queremos peitar, mas corrigir José Sarney Filho,
“Se eu tivesse uma palavra para analisar essa curta gestão, eu diria que é insustentável”, diz Carlos Minc, em relação ao governo atual. Ele foi ministro no governo Lula. entre maio de 2008 a março de 2010.
Izabella Teixeira criticou a falta de diálogo na sociedade. “Não é diálogo virtual, é físico. A palavra tem que ser cumprida”. Ela relembrou que o primeiro ministério do Meio Ambiente foi criado em 1985, criado como consequência da nova democracia do país. “Há uma construção de políticas públicas ao longo de 35 anos. Mesmo com dificuldades, nunca antes nós tivemos postura de desconstrução, sempre tivemos construção a partir de novos conceitos”. Isabella foi ministra no governo Lula e, depois, no governo Dilma, entre abril de 2010 e maio de 2016.