
O que Israel está fazendo em Gaza “é uma guerra de devastação: matança indiscriminada, ilimitada, cruel e criminosa de civis”, afirmou o ex-primeiro-ministro Ehud Olmert, que governou entre 2006 e 2009, em artigo de opinião no jornal israelense Haaretz.
A declaração foi publicadoa no mesmo dia em que o Ministério da Saúde de Gaza anunciou que o número de mortos por ataques israelenses no enclave passou de 54 mil e quando, diante do mundo, a fome se generaliza no enclave e ameaça 14 mil bebês, depois de 11 meses de bloqueio total.
Vinda do último dirigente israelense que se envolveu em negociações de paz, a constatação de Olmert foi dramaticamente realçada pelo massacre, sob bombas israelenses, de nove de dez filhos de uma pediatra palestina e pela cena terrível de uma menina palestina de cinco anos, que vaga em meio às chamas que carbonizaram sua mãe e irmãs, numa escola da ONU bombardeada por Israel.
“Não estamos fazendo isso por perda de controle em algum setor específico, nem por algum ímpeto desproporcional de alguns soldados em alguma unidade. Em vez disso, é o resultado de uma política governamental — ditada de forma consciente, perversa, maliciosa e irresponsável. Sim, Israel está cometendo crimes de guerra”, enfatizou Olmer.
O ex-primeiro-ministro, que até recentemente rejeitava as acusações contra Israel de genocídio e crimes de guerra, sentiu-se na obrigação de explicar porque mudou de ideia.
“A posição de figuras importantes do governo é pública e clara. Sim, temos negado aos habitantes de Gaza alimentos, remédios e necessidades básicas de vida como parte de uma política explícita. Netanyahu, tipicamente, tenta obscurecer o tipo de ordens que vem dando, a fim de se esquivar da responsabilidade legal e criminal no devido tempo”, escreveu.
“Mas alguns de seus lacaios estão dizendo isso abertamente, em público, até com orgulho: Sim, vamos matar Gaza de fome. Como todos os habitantes de Gaza são do Hamas, não há limitação moral ou operacional em exterminá-los a todos, mais de dois milhões de pessoas.”
Nas últimas 24 horas, houve 79 mortes, incluindo as 33 no bombardeio contra a escola Fami al-Jerjawi, na Cidade de Gaza, que servia de abrigo para a pequena Ward, sua mãe e irmãs e outras pessoas deslocadas à força.
ESTADO PÁRIA COMO A ÁFRICA DO SUL DO APARTHEID
Com Israel à beira do precipício, como advertiu um ex-vice-chefe do Estado Maior israelense, Yair Golan, prestes “a se tornar um Estado pária como a África do Sul”, declarações como a dele e a de Olmert significam que a banalização do genocídio em Israel começa a ruir, na medida em que não há como esconder que “o rei está nu”.
“Israel está em caminho de se tornar um Estado pária, como foi a África do Sul, se não voltarmos a agir como um país são”, afirmou Golan. “Um país são não luta contra civis, não mata bebês como passatempo e não tem como objetivo expulsar populações”. As declarações foram feitas na última segunda-feira (19) à emissora de rádio pública israelense Reshet Bet (Rede B).
Ainda segundo o ex-chefe militar e atual dirigente oposicionista, “não pode ser que nós, o povo judeu, que fomos alvo de perseguições, massacres e atos de extermínio ao longo de toda a nossa história e que servimos historicamente como símbolo da moral humana e judaica, sejamos agora os que estão tomando medidas simplesmente inaceitáveis”.
A questão enunciada por Golan, a de que um país criado após o genocídio perpetrado pelos nazistas contra os judeus, não pode impunemente desencadear o genocídio dos palestinos e ainda esperar contar com a empatia do mundo inteiro por repetir os nazistas, mesmo que se proclame a “vítima”.
Ou, o que é equivalente, a perpetração de um genocídio contra os palestinos por parte do regime segregacionista israelense é, em si, a negação da exigência de “nunca mais”, que a humanidade abraçou em 1945, ao tomar conhecimento do genocídio de judeus pelos nazistas.
AS FOTOS DE CRIANÇAS EM PELE E OSSOS
O que talvez explique comunicado de um conselho britânico de deputados judeus, sobre a quebra do cessar-fogo e massacre de 15 paramédicos por tropas israelenses, seguido de ocultamento em vala comum, em que dizem que “a alma de Israel está sendo arrancada”.
Como registrou o Middle East Eye, “as fotos de crianças em pele e ossos emergindo de Gaza lembram desconfortavelmente as imagens de 80 anos de crianças judias esqueléticas presas em campos nazistas”. É, acrescentou, “um lembrete de que Gaza foi transformada nos últimos 19 meses de um campo de concentração em um campo de extermínio”.
Os 77 anos da Nakba não passaram em branco. Em Londres, 600 mil exigiram o cessar-fogo, a entrada de comida e a retirada total das tropas sionistas. 100 mil em Haia e milhares em outros atos nas capitais europeias, na Ásia e na África. Em Cannes, 400 artistas se manifestaram contra o genocídio. Também 300 escritores franceses.
FRIEDMAN VÊ “VIETNÃ MEDITERRÂNEO”
Em outras esferas, surgem vozes até de onde não se espera, como a do editorialista do The New York Times, Thomas Friedman, ele próprio um judeu, e de íntimos vínculos com o establishment imperial, dirigindo-se publicamente em carta a Trump, conclamando-o a não embarcar na canoa furada de Netanyahu e da Riviera sobre cadáveres em Gaza e a manter Washington afastado de Bezalel Smotrich e Itamar Ben Gvir, cuja prioridade “é a anexação da Cisjordânia, a expulsão dos palestinos de Gaza e o restabelecimento de assentamentos israelenses ali”.
Para Friedman, “a noção de que Israel tem um governo que não se comporta mais como um aliado americano, e não deve ser considerado como tal, é uma pílula chocante e amarga para os amigos de Israel em Washington engolirem — mas eles precisam engolir.”
Ele reiterou ser vital aos Estados Unidos restabelecer “a aliança EUA-Árabe-Israel da diplomacia Nixon e Kissinger”, que “tem servido aos nossos interesses geopolíticos e econômicos desde então”, acrescentando ser fundamental retomar os contatos com a Autoridade Palestina para a solução dos Dois Estados.
Sobre o plano de Netanyahu/Smotrich/Gvir de amontoar os palestinos de Gaza em “um canto minúsculo, com o Mar Mediterrâneo de um lado e a fronteira egípcia do outro, enquanto avança na anexação na Cisjordânia”, Friedman considerou-o “uma ‘receita para uma insurgência permanente — o Vietnã no Mediterrâneo”.
De certa forma, Gaza se tornou o Vietnã de Biden, que inclusive perdeu a eleição. Nos campi universitários nos EUA, como há 50 anos, os estudantes voltam a se levantar contra a carnificina. Estudantes que Trump insiste em caçar e deportar, no afã de intimidar as universidades, enquanto chama de “combate ao antissemitismo” o que não passa de macartismo contra quem repudia o genocídio e a limpeza étnica de Israel em Gaza.
Para concluir, Friedman apelou “aos bons instintos de independência “de Trump no Oriente Médio, convocando-o a “segui-los”. Caso contrário, “seus netos judeus [a filha Ivanka é casada com um judeu, Jared Kushner] serão a primeira geração de crianças judias a crescer em um mundo onde o Estado judeu é um Estado pária”.
DE QUE MAIS “EVIDÊNCIAS” VOCÊ PRECISA?
Significativamente, a BBC, que nos últimos 19 meses, assim como o governo britânico, deram guarida aos crimes do regime Netanyahu, na semana passada apresentou, por 12 minutos, o pronunciamento do chefe de assuntos humanitários da ONU, Tom Fletcher, ao Conselho de Segurança. “Para os mortos e aqueles cujas vozes são silenciadas: de que mais evidências você precisa agora? Você agirá – decisivamente – para prevenir o genocídio e garantir o respeito ao Direito Internacional Humanitário?”, ele cobrou.