João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, foi indultado de uma das penas a que foi condenado, devido ao Decreto n° 9.246/2017, de Michel Temer, que concedeu indulto também aos que “cometeram crimes contra a administração pública e foram condenados por corrupção, ativa e passiva, e por formação de quadrilha” (v. HP 27/12/2017, Temer cria facilidade a indulto para corrupto).
Vaccari foi condenado a 24 anos de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), no processo das propinas do estaleiro Kepper Fels, com sede em Singapura. As propinas eram referentes aos contratos entre o estaleiro e a Sete Brasil, com o objetivo de fabricar sondas para a Petrobrás.
Foi dessa condenação a 24 anos que ele foi, agora, indultado.
Em primeira instância, na 13ª Vara Federal de Curitiba, ele fora condenado pelo então juiz Sérgio Moro, no mesmo processo, a 10 anos de cadeia (v. HP 09/11/2017, TRF-4 vê fartura de provas e eleva pena de Vaccari de 10 para 24 anos).
Trata-se de um dos processos mais bem documentados da Operação Lava Jato – inclusive com devolução ou apreensão de dinheiro de alguns dos réus:
1) no caso de Zwi Skornicki, o intermediário da Keppel Fels, US$ 23 milhões e 800 mil em contas no exterior mais as obras de arte que mantinha em um depósito ;
2) no caso do ex-presidente da Sete Brasil, João Carlos Medeiros Ferraz, US$ 1 milhão e 900 mil mais R$ 3 milhões;
3) no caso de Edson Musa, diretor da Sete Brasil, US$ 3 milhões e 200 mil mais R$ 4 milhões e 500 mil.
4) no caso de João Santana e Mônica Moura, marketeiros de Lula e Dilma, foram encontrados depósitos, no valor total de US$ 4 milhões e 500 mil, na conta de uma empresa de fachada, a Shellbill, registrada no Panamá. O dinheiro tinha origem em outra conta de uma empresa de fachada, a Deep Sea Oil Corporation, constituída nas Ilhas Virgens Britânicas pelo operador do Keppel Fels, Zwi Skornicki.
O valor total comprovado da propina paga pelo Kepper Fels foi 30 milhões, 418 mil, 622 dólares e 23 cents, embora o acerto chegasse a 185 milhões, 851 mil, 595 dólares e 34 cents, ou 0,9% do valor dos contratos firmados pelo estaleiro com a Sete Brasil (cf. Denúncia e Sentença).
Não houve dúvida em relação ao papel de Vaccari nas propinas sobre os contratos da Keppel Fels com a Sete Brasil (sobre esse tema, v. nosso livro Os Crimes do Cartel do Bilhão contra o Brasil: o esquema que assaltou a Petrobras, Fundação Instituto Cláudio Campos, 2016).
DECISÕES
O Ministério Público argumentou, contra a concessão do indulto a Vaccari, que a ação não havia “transitado em julgado” (esgotado todos os recursos) na época em que Temer assinou o Decreto n° 9.246/2017.
Entretanto, é forçoso reconhecer que o juiz Ronaldo Sansone Guerra, da 1ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, tem razão ao contestar o argumento com o texto do Decreto:
“Art. 11. O indulto natalino e a comutação de pena de que trata este Decreto são cabíveis, ainda que:
I – a sentença tenha transitado em julgado para a acusação, sem prejuízo do julgamento de recurso da defesa em instância superior;
II – haja recurso da acusação de qualquer natureza após a apreciação em segunda instância;” (o grifo é do juiz).
O problema, portanto, não está, como alguns disseram, na decisão do juiz – mas no decreto de Temer.
Esse decreto fora suspenso por uma decisão da então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, a pedido da procuradora geral da República, Raquel Dodge.
Em seu pedido, a procuradora apontou que Temer “extrapolou os limites da política criminal a que se destina [o indulto] para favorecer, claramente, a impunidade, dispensando do cumprimento da sentença judicial justamente os condenados por crimes que apresentam um alto grau de dano social, com consequências morais e sociais inestimáveis, como é o caso dos crimes de corrupção, de lavagem de dinheiro e outros correlatos” (v. HP 02/01/2018, Decreto de Temer para fazer crime compensar é barrado pelo STF).
A ministra Cármen Lúcia, ao suspender o decreto, frisou que havia “desvio de finalidade” – em suma, não é para soltar corruptos que o indulto natalino existe – e que Temer tornara-o uma “benemerência sem causa”.
Posteriormente, em outra decisão, o ministro Luís Roberto Barroso, em março de 2018, manteve a suspensão do decreto.
Nessa decisão, Barroso notou que o texto fora alterado no Palácio do Planalto contra decisão do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que, pela lei, é quem faz a proposta de indulto ao Presidente da República:
“… a minuta original proposta pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) vedava expressamente a concessão de indulto (i) a condenados por crimes de corrupção e correlatos e (ii) da pena de multa. Tais vedações, contudo, foram excluídas do decreto, em contrariedade à recomendação expressa dos órgãos técnicos e jurídicos que participaram do procedimento de elaboração do decreto e à revelia do sentimento social.”
Entretanto, em novembro de 2018, o STF, por maioria, declarou que o decreto era constitucional, em um julgamento que terminou em maio deste ano (v. HP 30/11/2018, O STF e o indulto natalino de Temer e HP 10/05/2019, Dodge: indulto de Temer, validado no STF, “cria um cenário de impunidade no país”).
Votaram contra o indulto de Temer os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luiz Fux.
O voto vencedor, a favor do indulto de Temer, foi do ministro Alexandre de Moraes, acompanhado por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Celso de Mello.
Em junho, com base no indulto de Temer, foi solto o ex-senador Gim Argello, condenado pelo TRF-4 a 11 anos e 8 meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro – e à devolução de R$ 7 milhões e 350 mil (v. HP 17/06/2019, Preso por corrupção, Gim Argello é solto pelo indulto de Temer).
Agora, Vaccari foi indultado de uma condenação a 24 anos de cadeia.
O ex-tesoureiro do PT não será solto, porém, já que tem mais duas condenações em primeira e segunda instâncias, que estão fora das condições do indulto – ao todo, mesmo com a subtração de 24 anos, está condenado a mais 13 anos e 4 meses de cadeia.
Além disso, Vaccari será ainda julgado em quatro processos, por corrupção, na 13ª Vara Federal de Curitiba.
C.L.
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