
Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP) e Câmara Nacional de Comércio, Produção, Turismo e Serviços lideraram manifesto condenando o crime em Pataz. Entidades repudiam o “alarmante grau de violência e impunidade” vinculado à mineração ilegal e exigem do governo uma “política de Estado abrangente, firme e eficaz”
Após vários dias de expectativa, foi confirmado no último domingo (4) o assassinato de 13 trabalhadores da mineradora de ouro Poderosa, em Pataz, na província de La Libertad, no norte do Peru. A notícia voltou a abalar o país e colocar em xeque o mais do que débil governo de Dina Boluarte, que foi obrigado a suspender por 30 dias a exploração de minérios na região.
A execução de 13 mineiros encontrados sem roupa, amarrados e com tiros de bala na cabeça ocorreu pelo fato de que não se quis sequer negociar com o chefe dos sequestradores, o “Cuchillo” (Faca), apelido de Miguel Antonio Rodríguez Días. O desprezo pela vida humana só fez crescer a indignação e o tom da crítica.
GOVERNO DUVIDOU DA VERACIDADE DO SEQUESTRO
Após o sequestro dos trabalhadores em Pataz ser relatado, o primeiro-ministro Gustavo Adrianzén minimizou os relatos iniciais, alegando não haver informações oficiais sobre o assunto. A irresponsável inoperância do governo Dina Boluarte foi agravada pelo fato do massacre ter ocorrido no contexto do estado de emergência, decretado pelo Poder Executivo e apoiado pelo governador regional, César Acuña.
Os resultados da autópsia indicam que o assassinato ocorreu aproximadamente oito dias antes deles serem descobertos por seus colegas de trabalho e pela Polícia Nacional, o que situaria o sequestro e a execução por volta de 26 de abril. A data coincide com os relatos de parentes, que afirmam ter perdido contato com as vítimas desde 25 de abril.
Em comunicado conjunto, entidades empresariais e de trabalhadores atribuíram o crime à “ausência de uma política de Estado abrangente, firme e eficaz” e à manutenção do Registro Integral de Formalização da Mineração (Reinfo), descrito como mecanismo de proteção às atividades ilícitas. “É indispensável construir uma política pública coerente, que promova uma formalização genuína, transparente e sustentável do setor mineiro, em benefício de todos os peruanos”, enfatizaram.
Conforme a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP) e a Câmara Nacional de Comércio, Produção, Turismo e Serviços, “é alarmante o grau de violência e impunidade vinculado à mineração ilegal”. Diante da crise, as entidades exigiram que o governo adote uma política pública coerente que combine a supressão do crime organizado com a formalização da mineração “genuína, transparente e sustentável”.
“Essas mortes, como outros crimes cometidos contra a cidadania, não devem ficar impunes. O povo peruano merece um Estado que proteja os direitos humanos e ofereça um ambiente seguro para impulsionar nosso desenvolvimento”, defendeu o Instituto de Engenheiros de Minas do Peru.
A indignação popular recordou que esse último massacre em Pataz não é um incidente isolado, já que no sábado (3), na mesma província, uma emboscada contra trabalhadores do acampamento de mineração de Aracoto deixou oito feridos, incluindo dois policiais, que precisaram ser retirados de helicóptero.
Por trás de tudo, revela reportagem do El Comercio, encontra-se a “Grande Aliança”, uma rede criminosa que acumulou quase 80 milhões de soles (aproximadamente US$ 21,3 milhões) em ativos ilícitos, operando por meio da ocupação violenta de poços de minas, extorsão de empreendedores de mineração e assassinatos seletivos no Norte do Peru.
Em nota, a Poderosa declarou sua “solidariedade às famílias das vítimas” e denunciou que, no total, 39 mineiros e trabalhadores perderam a vida na região nas mãos de gangues criminosas. De acordo com a empresa, Pataz se tornou um “território sem lei onde a violência é desenfreada”, se comprometendo a indenizar os familiares.
“PERU É UMA TERRA SEM LEI E SEM AUTORIDADE”, AFIRMA ESPECIALISTA
De acordo com Javier Aliaga, especialista em Relações Comunitárias e Resolução de Conflitos, este não é um fato isolado, mas sim a confirmação de que “o Peru é uma terra sem lei, sem autoridade e sem capacidade de salvaguardar o direito mais básico: o direito à vida”. Aliaga alertou que gangues criminosas, “protegidas pela fragilidade institucional, agora ditam as regras”, deixando comunidades inteiras reféns do medo e da violência.
O analista também apontou inúmeros erros do processo de formalização da mineração no país e também condenou o Reinfo, criado para regular a mineração artesanal e informal, mas que se tranformou em “um limbo jurídico que protege apenas operadores informais e a máfia sob o pretexto de uma formalização sem fim”. Desta forma, explicou Aliaga, mais de meio milhão de peruanos que dependem da mineração ilegal permanecem completamente excluídos, sem nenhum direito, o que facilita a proliferação de usinas sem minas próprias, a corrupção indiscriminada e a crescente insegurança.
Fica claro que dentro de tais regras e com esse governo a fiscalização estatal se torna praticamente impossível. Como a ausência do Estado não sanciona nem impede, estão na ordem do dia novas tragédias, tornando necessária uma mudança radical de estratégia. “A gravidade do momento exige uma liderança concreta e um foco renovado. Discursos vazios e emergências burocráticas não servem para nada”, protestou Aliaga.
Diante da gravidade dessa situação, o Congresso foi convocado a assumir a responsabilidade endurecer as leis. “Estados de emergência e retórica vazia não são suficientes enquanto a ineficácia dos governos regionais e nacionais tem sido uma constante. Pataz não é apenas palco de uma tragédia recente; é um claro aviso do que pode acontecer novamente em qualquer lugar do Peru se a paralisia e a má governança continuarem. O fato é que o tempo se esgotou”, frisou.
O prefeito de Pataz, Aldo Carlos, informou que se reunirá em breve com a presidente na tentativa de buscar soluções para a brutal insegurança. “O que está acontecendo na minha cidade me dói. Se me capturarem ou me matarem, o único responsável será o governo central”, concluiu.