Em sua sentença que condenou Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e ex-presidente da Petrobrás, a 11 anos de cadeia, o juiz Sérgio Moro faz uma consideração irretocável:
“O condenado assumiu o cargo de Presidente da Petrobrás em meio a um escândalo de corrupção e com a expectativa de que solucionasse os problemas existentes. O último comportamento que dele se esperava era corromper-se, colocando em risco mais uma vez a reputação da empresa. Entendo que a prática do crime no contexto em que se insere foi muito grave e denota elevada culpabilidade ou personalidade desviada” (cf. AP 5035263-15.2017.4.04.7000/PR, Sentença, p. 106).
Realmente, Bendine foi nomeado por Dilma no dia 9 de fevereiro de 2015.
Naquele momento, as prisões no âmbito da Operação Lava Jato já chegavam a 59; o ex-gerente de Serviços, Pedro Barusco, já confessara seus crimes – e prometera devolver US$ 100 milhões (cem milhões de dólares); já havia um bloqueio judicial de R$ 720 milhões em bens de 36 investigados; os lobistas da Toyo Setal (Augusto Ribeiro de Mendonça Neto e Júlio Gerin de Almeida Carvalho) também já haviam confessado seus delitos; e, claro, o ex-diretor Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef já tinham revelado o esquema de propinas, em depoimentos cujos vídeos eram públicos.
Apesar disso, Bendine, ao assumir a presidência da Petrobrás, tomou duas providências: a de vender bens da Petrobrás e a de pedir propina em troca de favorecer a Odebrecht, que naquele momento estava proibida, por “bloqueio cautelar”, de fazer qualquer negócio com a estatal (“As referidas empresas serão temporariamente impedidas de serem contratadas e de participarem de licitações da Petrobras”, disse o comunicado de 29/12/2014).
Bendine – executivo de mais prestígio no PT, a ponto de ocupar a presidência das duas maiores e mais importantes estatais do país – já era um ladrão quando estava na presidência do Banco do Brasil (BB). Sua ida para a presidência da Petrobrás somente faz com que fique mais claro o que houve em fevereiro de 2015. Em síntese, Dilma nomeou um ladrão para resolver os problemas causados pelos ladrões que pilharam a Petrobrás.
Logo, a primeira medida de Bendine foi pedir propina exatamente a esses ladrões.
Foi isso o que o processo na 13ª Vara Federal de Curitiba demonstrou.
A ELEGÂNCIA
Em 2014, a Odebrecht Agroindustrial estava renegociando uma dívida com o Banco do Brasil. Foi então que Bendine, presidente do BB, pediu R$ 17 milhões de propina, através de André Gustavo Vieira da Silva, seu operador e amigo, que abordou o presidente da Odebrecht Ambiental, Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis.
Depois de preso, em seu depoimento ao juiz Sérgio Moro, Bendine disse que mal conhecia André Gustavo Vieira da Silva, que este era apenas uma “relação de mercado”.
No entanto, também afirmou que compareceu a uma das reuniões que manteve com a Odebrecht, na casa de André Gustavo Vieira da Silva, por acaso. Segundo falou, ia a uma “happy hour” na casa de André Gustavo e, lá, encontrou com Marcelo Odebrecht, presidente do Grupo Odebrecht, e com Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis, presidente da Odebrecht Ambiental.
Disse ele:
ALDEMIR BENDINE: Eu me dirigi à residência dele [André Gustavo], eu já tinha ido lá umas duas ou três vezes antes para esse tipo de encontro, happy hour, essas coisas todas. E quando eu cheguei lá, que eu adentrei à casa, ele estava me aguardando ali na entrada da casa, ele falou ‘Olhe…’, ele se dirigiu lá, ‘Deixa eu falar uma situação, eu tinha marcado uma reunião que não estava aqui muito clara, e está aí o senhor Marcelo Odebrecht e o senhor Fernando Reis.‘
Segundo, ainda, o depoimento de Bendine, ele ficou na reunião porque “ficaria deselegante eu voltar para trás e ir embora”.
Como se sabe, Bendine é um sujeito muito elegante…
O juiz Sérgio Moro faz algumas considerações sobre a conduta de Bendine após assumir a presidência da Petrobrás:
“Não foi identificado ou arrolado durante a instrução como testemunha qualquer executivo da Petrobrás ou membro do Conselho de Administração que tenha confirmado que Aldemir Bendine lhe tenha relatado acerca de seus encontros reservados com executivos da Odebrecht.
“O Grupo Odebrecht havia sofrido um bloqueio cautelar pela Petrobrás em novas contratações e as contratações antigas estavam sob revisão.
“Isso não foi gratuito, mas decorrente de suspeitas fundadas de que o Grupo Odebrecht estava envolvido no pagamento de subornos a executivos da Petrobrás, conforme revelado nas investigações da Operação Lavajato.
“Mesmo nesse cenário, Aldemir Bendine não teria vislumbrado qualquer óbice em encontrar-se, cerca de quatro vezes, com executivos da Odebrecht, isso sozinho e ainda fora do ambiente de trabalho, ou seja, fora da agenda oficial e fora da sede da Petrobrás. Encontros às escondidas e que não foram por ele, Aldemir Bendine, informados a ninguém da Petrobrás.
“Desde que assumiu a Presidência da Petrobrás, mesmo desconsiderando o encontro no Hotel Windsor, teria havido dois encontros no escritório Mattos Filho, dele com Marcelo Bahia Odebrecht e Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis e mais ninguém, e ainda um terceiro encontro no mesmo local com Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis, Emílio Alves Odebrecht e Newton Sergio de Souza [executivo-chefe da Odebrecht], e mais ninguém. Isso sem falar no encontro com Marcelo Bahia Odebrecht e Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis na residência de André Gustavo Vieira da Silva (…).
“Em nenhum desses encontros, Aldemir Bendine se fez acompanhar de outro executivo ou empregado da Petrobrás, nem consta prova de que ele os relatou posteriormente ao órgãos ou a outros executivos da Petrobrás.
“Se, em um contexto normal isso já seria um comportamento suspeito, há de se agregar que os encontros em questão ocorreram com executivos de empresa fornecedora da Petrobrás que era suspeita de ter pago suborno a diversos outros agentes públicos, inclusive a executivos da empresa presidida por Aldemir Bendine” (cf. AP cit., Sentença, pp. 93-94).
Pior ainda quando “todos os demais participantes dos fatos, das reuniões e do acerto de corrupção confessaram o crime em depoimentos convergentes” e esses depoimentos “têm apoio em diversos elementos probatórios circunstanciais, como anotações, agendamento dos encontros, contatos telefônicos ou por mensagens, e elementos probatórios mais diretos como os documentos relativos às requisições de pagamento de vantagem indevida do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, tendo estes aliás sido apreendidos pela Polícia Federal e não simplesmente entregues pelos colaboradores”.
E, mais:
“Também merece destaque a emissão de notas fiscais fraudulentas e depois canceladas de empresa de André Gustavo Vieira da Silva contra a Odebrecht Agroindustrial, bem como a retificação fraudulenta do imposto de renda de André Gustavo Vieira da Silva e o recolhimento tardio e fraudulento de tributos sobre os repasses, confirmando, sem qualquer margem de dúvida, a realização de pagamentos de três milhões de reais” (idem, pp. 93 a 95).
RENEGOCIAÇÃO
Porém, voltemos ao início dessa história suja, quando Marcelo Odebrecht revelou que Bendine, ainda presidente do Banco do Brasil, pedira propina:
JUIZ MORO: O senhor pode me relatar como surgiu, como o senhor ficou sabendo dessa solicitação pela primeira vez, como é que foi isso?
MARCELO ODEBRECHT: Na época, o Bendine era presidente do Banco do Brasil. E no início de 2014, no primeiro semestre, a nossa empresa Odebrecht Agroindustrial estava renegociando a reestruturação de uma dívida. Não sei exatamente o valor que fechou, mas, na época, era 1,7 bilhões de reais a reestruturação da dívida. E aí, veio este pedido através de André para o Fernando, eu não conhecia André. Fernando chegou pra mim e falou: ‘Olha, Marcelo, o André, uma pessoa que eu conheço, disse que está trazendo aqui um pedido do Bendine de 1% sobre essa questão da reestruturação’.
JUIZ MORO: E por que o Fernando, já que ele era da Odebrecht Ambiental?
MARCELO ODEBRECHT: O Fernando não tinha nada a ver com esse assunto da Odebrecht Agroindustrial. O que ele conhecia era o André. E o André, talvez por o Fernando ser a única pessoa que ele conhecesse na Odebrecht, o André procurou o Fernando e disse: ‘Fernando, olha, tem um assunto da agroindustrial, de uma empresa de vocês, que está andando no Banco do Brasil. Entende? E o presidente do Banco do Brasil, que eu conheço, está pedindo 1% desse refinanciamento, dessa reestruturação, que dava 17 milhões de reais’. Isso foi o que o Fernando me trouxe.
Não é possível duvidar da afirmação de Marcelo Odebrecht de que “a gente nunca tinha visto isso no Banco Brasil”. Mas é possível duvidar de sua afirmação de que foi por isso que não concordou com o pagamento. Odebrecht não tinha nada contra passar propinas. Mas não gastava dinheiro à toa. Na avaliação de Marcelo Odebrecht, Bendine não iria conseguir prejudicar a sua empresa, mesmo na posição de presidente do BB (“achei que o achaque não ia ser efetivo”).
No dia 16 de dezembro de 2014, Fernando Reis comunicou a André Gustavo que a Odebrecht não pagaria a propina a Bendine. Realmente, apesar disso, a renegociação com o BB acabou saindo (“talvez pudesse ser agilizado um, dois, três meses se tivesse a boa vontade dele. Demorou mais do que talvez demorasse, mas saiu”, disse Marcelo Odebrecht em seu depoimento).
MERCADANTE
Porém, a situação mudou quando a Odebrecht começou a enfrentar problemas de crédito, com a exposição do esquema descoberto pela Operação Lava Jato. Em janeiro de 2015 – quando Bendine ainda estava no Banco do Brasil – houve uma reunião com Marcelo Odebrecht:
MARCELO ODEBRECHT: A razão dessa reunião foi conversar sobre os problemas derivados da Lava Jato. Ele [Bendine] ainda estava como presidente do Banco do Brasil. Nesse momento, o que me impactou também foi o seguinte, ele não mencionou que o Mercadante [na época, ministro da Casa Civil de Dilma] pediu para tratar com ele. Só que, quando eu cheguei lá, ele tinha colocado as mesmas notas que eu mandei para o Mercadante – estava lá numa pasta com um brasão, estava a pasta lá com as notas. Aí eu disse: ‘Olha…’, ele se colocou como indicado pela presidência [da República] para resolver os problemas derivados da Lava Jato, questão financeira, ainda não tinha vindo com o assunto diretamente Petrobrás.
Porém, alguns dias depois, a nove de fevereiro, Bendine foi nomeado presidente da Petrobrás.
Houve, então, três reuniões, uma delas na casa do operador André Gustavo Vieira da Silva, entre Bendine e Odebrecht. Na época, Marcelo Odebrecht queria eludir a interdição (“bloqueio cautelar”) em relação à Petrobrás:
MARCELO ODEBRECHT: Esse era o tema no fundo que eu e o Fernando conversávamos. Então, eu precisava ter certeza de que havia esse pedido de vantagem indevida e que ele [Bendine] tinha condições de atrapalhar. Bom, a certeza disto, teve alguns fatos, quer dizer, eu tive várias evidências que eu posso mencionar…
JUIZ MORO: Sim, eu gostaria que o senhor mencionasse.
MARCELO ODEBRECHT: … pra mim uma evidência forte eram os locais e a forma como os encontros iam sendo organizados. Eles tinham que evidenciar que por trás havia uma ilicitude, um pedido ilícito, alguma coisa. Por exemplo, não fazia nenhum sentido Fernando Reis via André Gustavo marcar minhas reuniões com o Bendine. Não fazia nenhum sentido. Eu conhecia ele, eu era presidente da Odebrecht, ele era presidente da Petrobrás, não fazia nenhum sentido, [mas] claramente o Bendine não estava me atendendo como presidente da Petrobrás, não queria ter reuniões oficiais comigo.
… não tinha também sentido o Fernando estar numa reunião comigo. Se eu tivesse que levar alguém para uma reunião com o presidente da Petrobrás eu levaria o Márcio ou o Fadigas, que eram os dois líderes empresariais que tinham mais relações. (…)
… antes dessa reunião [na casa] de André eu tive pelo menos dois encontros que foram realizados no mesmo lugar atípico (…), não é um lugar neutro, no fundo era um encontro escondido…
JUIZ MORO: O senhor menciona o escritório de advocacia?
MARCELO ODEBRECHT: É, era um encontro escondido, que se combinava de um entrar por um lado, o outro entrar pelo outro, quer dizer, o escritório de advocacia não sabia, só cedeu a sala. Mas o que eu digo é o seguinte, era um encontro atípico, (…) caracterizava que havia por trás um pedido indevido, e no caso da reunião de setembro havia já até um pagamento, os pagamentos indevidos.
(…)
JUIZ MORO: … e depois teve essa reunião em maio?
MARCELO ODEBRECHT: E aí teve essa reunião em maio.
JUIZ MORO: Essa reunião em maio foi aonde?
MARCELO ODEBRECHT: Essa reunião em maio foi na casa de André.
JUIZ MORO: Essa reunião foi na casa de André em Brasília?
MARCELO ODEBRECHT: É.
JUIZ MORO: E quem estava presente nessa reunião?
MARCELO ODEBRECHT: Aí estava eu, Fernando, André e o Bendine. Nessa reunião, o Fernando chegou antes para conversar, eu não conhecia o André até então, aliás o único encontro que eu tive com o André foi nessa reunião. Eu cheguei depois, quando eu cheguei fui apresentado. E aí, o André e o Fernando me disseram o seguinte: ‘Olha, combinamos aqui, ele vai, no contexto da reunião vai falar…’, eu não lembro exatamente as palavras, ‘Mas vai falar isso como se fosse uma senha desta forma e que vai ficar então evidenciado o pedido que André está fazendo’. E assim foi feito, a reunião normalmente. (…) O que foi de diferente nessa reunião foi que no meio dessa discussão sobre Lava Jato e temas da Petrobrás, aí sim, ele trouxe claramente aquelas palavras da forma que o André havia me dito, como sinal de que o pedido de André existia.
JUIZ MORO: E quais eram mais ou menos essas… Não precisa ser as palavras exatas, mas o que ele falou?
MARCELO ODEBRECHT: … foi mencionado o financiamento, ‘Olha, o financiamento, entendo que deu certo, foi tudo bem’, coisas assim.
JUIZ MORO: O financiamento do Banco do Brasil?
MARCELO ODEBRECHT: Do Banco do Brasil, fora do contexto do assunto totalmente, e, nesse sentido, exatamente as palavras que André tinha dito. Eu saí dessa reunião com o Fernando, em maio, 18 de maio, aí falei: ‘Olha, Fernando, eu acho que agora não tenho a menor dúvida de que existe o pedido. Pelas conversas que a gente tem com ele, ele pode, se não nos ajudar, pelo menos pode nos atrapalhar. Eu acho que a gente devia começar. Eu não acho que a gente vai precisar dar os 17, mas vamos começar a pagar alguma coisa, administrando’. E aí eu disse: ‘Fernando, vai acertando com o André alguma coisa, vá pagando, e nós vamos avaliando a capacidade dele de atingir a gente’. E aí isso aconteceu, se pagou 3 pagamentos de 1 milhão cada, na época… Eu fui preso logo depois do primeiro pagamento, dois pagamentos foram realizados depois.
OS GATOS
A versão inicial de Bendine foi que André Gustavo Vieira da Silva era consultor da Odebrecht. Logo, os três milhões que recebeu não eram para ele, Bendine, mas um pagamento da consultoria de André Gustavo.
Marcelo Odebrecht demoliu essa versão com um argumento decisivo:
MARCELO ODEBRECHT: … se fosse uma consultoria técnica, uma consultoria legítima, ela não seria paga via equipe de operações estruturadas. Ainda mais em um momento de tanto risco e exposição, eu já preso… Nenhum pagamento legítimo lícito você pagaria via operações estruturadas.
O Setor de Operações Estruturadas era o departamento de propina da Odebrecht, chefiado por Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, que depôs no processo, confirmando as declarações de Marcelo Odebrecht.
Como sempre acontece nesses casos, o gato sempre deixa o rabo – às vezes até um triplex ou um sítio – de fora.
No caso de Bendine foi uma viagem a Nova Iorque, com toda a sua família, de 22/12/2015 a 04/01/2016. A agência de viagens que organizou a ida de Bendine aos “States”, intimada a prestar esclarecimentos, revelou que alugara dois apartamentos no Hotel Lotte New York Palace (apartamento superior king), por US$ 9.854,00:
“O pagamento foi pago a vista, em espécie, pelo Dr. André Gustavo” – e a agência anexou documentação.
Não nos estenderemos mais: ficara comprovado que André Gustavo Vieira da Silva pagava as despesas de Bendine, que não reembolsava. A confissão de André Gustavo desmontou a versão de Bendine. Depois de se referir ao esquema de propinas com Bendine, disse ele:
ANDRÉ GUSTAVO: … na minha cabeça era como se a gente tivesse uma conta corrente. Ele depois me pediu, ele viajou para Nova Iorque com a família para passar um réveillon, e me pediu para resolver o pagamento de um hotel em Nova Iorque. E eu paguei pela Circus Turismo, como já está aí na documentação, de fato o pagamento foi feito por mim. Não houve reembolso, de fato foi um pagamento que eu fiz…
C.L.