Os EUA mentiram para Gorbachev sobre não expandirem um centímetro para leste e, quanto aos acordos de Minsk, a mentira foi para ganhar tempo para armar Kiev. Não há – acrescentou Sachs – estabilidade internacional que possa se sustentar em cima de mentiras. Foi essa catastrófica presunção das potências ocidentais que provocou o conflito e dificulta uma solução pacífica para a crise
A decisão do Ocidente de “expandir a Otan para o leste” no contexto do pós-Guerra Fria é o fator causador da crise militar e humanitária hoje em curso na Ucrânia, afirmou o economista norte-americano Jeffrey Sachs, escolhido duas vezes pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo e conselheiro sênior da ONU, em recente entrevista ao Instituto de Pesquisa Sobre Política Externa Canadense.
O que vemos hoje – sublinhou Sachs – é o resultado da presunção do Ocidente (liderado por Washington) em achar que suas políticas de provocação à Rússia ficariam sem resposta.
Segundo ele, o Ocidente mentiu ao então presidente da URSS, Mikhail Gorbachev, no começo dos anos 1990, sobre a não expansão da OTAN. Em 2015, o Ocidente mentiu a Rússia sobre as reais intenções por trás dos Acordos de Minsk. Não há – acrescentou – estabilidade internacional que possa se sustentar em cima de mentiras.
Infelizmente – enfatizou -, foi essa catastrófica presunção das potências ocidentais que provocou o conflito na Ucrânia e que tem contribuído para dificultar uma resolução pacífica para a crise.
Sachs não é um neófito nessas questões do leste europeu e Rússia, por já ter sido conselheiro econômico de Gorbachev e também de Boris Yeltsin nos anos 1990. Depois, deu consultoria à Ucrânia, sob o primeiro presidente, Leonid Kuchma, e depois, ao chefe da ‘revolução laranja’, Viktor Yuschenko (2005 a 2010).
Sachs esmiúça o projeto expansionista da OTAN durante todos esses anos e cita um artigo do ex-conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Zbigniew Brzezinski, para a revista Foreign Affairs (de 1997) intitulado “Uma Geoestratégia para a Eurásia”, em que já chamava a “preparar” a Ucrânia, uma vez identificada com a Europa, para a adesão à OTAN.
Ora, no mesmo ano em que Brzezinski revelou o plano norte-americano para a Eurásia, os Estados Unidos já declaravam abertamente em documentos de Estado que a OTAN pretendia incorporar os países do Leste Europeu, vizinhos da Rússia [e que haviam integrado o extinto Pacto de Varsóvia].
Desde meados dos anos 2000 a Rússia já expressava abertamente seu descontentamento com relação aos planos da OTAN para a Ucrânia e a Geórgia. Moscou – observou o economista – sabia que, se esses países fossem aceitos como membros da Aliança, mísseis balísticos, infraestrutura militar e tropas da OTAN poderiam ser instalados em seus territórios por decisão dos americanos.
Não à toa, a Rússia logo entendeu o que estava por trás das tentativas de atrair a Geórgia e a Ucrânia para o quadro de membros da Aliança Atlântica. Tratava-se de uma forma de usar aqueles países, com o consentimento das elites locais, como “plataformas” no intuito de minar a segurança da Rússia e sua posição no espaço pós-soviético.
Sachs também chamou atenção para o apoio do Ocidente à derrubada do presidente Victor Yanukovich em 2014, que acabou lançando a Ucrânia numa intensa crise político-financeira durante os anos seguintes.
Na época do Euromaidan, a Rússia enxergou a mudança forçada de governo em Kiev como um claro “golpe de Estado” patrocinado pelas potências ocidentais, que tinham por intuito derrubar um líder democraticamente eleito.
A chamada “revolução pró-Ocidente” ocorrida na Ucrânia em 2014 logo empurrou o país para aderir à Otan, algo que a Rússia já havia deixado bem claro ser “inadmissível” em razão de seus requisitos de segurança.
Sachs também fez menção à infame entrevista da ex-premiê alemã Angela Merkel ao jornal Die Zeit em dezembro de 2022, na qual ela confessa que a real intenção do Ocidente por trás dos Acordos de Minsk – negociados em 2014 e 2015 – era fazer com que a Ucrânia “ganhasse tempo” para se fortalecer militarmente.
Os Acordos de Minsk previam um processo de “federalização” estatal na Ucrânia, concedendo maior autonomia às regiões do Donbass e mantendo assim a integridade territorial do país. Contudo, mesmo tendo assinado o acordo, os líderes do regime de Kiev, segundo Sachs, “não se esforçaram em cumprir” suas cláusulas, o que levou a sucessivas violações de cessar-fogo entre as forças militares ucranianas e as forças organizadas das repúblicas de Donetsk e de Lugansk.
Em resumo, o Ocidente nunca considerou genuinamente a Rússia como um parceiro de diálogo cujos interesses nacionais e de segurança devessem ser levados em conta e o principal objetivo da Otan sempre foi o de “estrangular” a Rússia, gerar instabilidade política na Europa e ocupar vácuos de poder no continente que pudessem alterar a balança de forças a seu favor.