Ao ser anexada pela OTAN, a Finlândia se tornou um “membro menor” do bloco militar, “desistiu de sua identidade única” e perdeu “o status especial em assuntos internacionais” decorrente do não-alinhamento de décadas, advertiu Moscou.
A OTAN – aliança bélica formada na Guerra Fria “para manter os americanos dentro [da Europa]; os russos, de fora; e os alemães por baixo” – expandiu-se na terça-feira (4) para 31 membros, ao ser oficializada a anexação da Finlândia ao bloco.
A expansão faz parte do processo desencadeado sob o pretexto da propalada “ameaça russa”, por sua operação especial contra a limpeza étnica no Donbass, uma agressão em curso desde o golpe em Kiev em 2014. A operação especial russa foi deliberada depois de por oito anos com a Ucrânia sabotando a pacificação possibilitada pelos Acordos de Minsk.
A Suécia, que em maio apresentou o pedido junto com a Finlândia, continua na fila de espera, por falta de aval da Turquia e Hungria. Visto por outro ângulo, é outra aposta na escalada da guerra por procuração movida pelos EUA/OTAN à Rússia na Ucrânia.
Antes de se lançar a operação especial de “desnazificação e desmilitarização” do regime de Kiev, a Rússia havia apresentado, aos EUA e à OTAN, em dezembro de 2021, proposta para restauração do princípio da segurança coletiva indivisível na Europa, cujo primeiro item era a preservação da neutralidade e do status não nuclear da Ucrânia, e o segundo, o retorno da OTAN às fronteiras de 1997, quando foi assinado o Ato de Fundação Rússia-OTAN.
Naquele ano, eram 16 os Estados-membros da OTAN, a metade dos de hoje. Nas conversações para a reunificação, Washington se comprometeu com o então presidente soviético Mikhail Gorbachev, de que a OTAN “não se moveria um centímetro” para leste.
O Ministério das Relações Exteriores da Rússia advertiu que essa nova expansão da OTAN agravou a situação de segurança no norte da Europa, que durante décadas “costumava ser uma das regiões mais estáveis do mundo”.
ELEVANDO A TENSÃO NA FRONTEIRA RUSSA
O comunicado acrescentou que a Rússia terá de “responder com medidas militares e técnicas a fim de enfrentar as ameaças à segurança nacional decorrentes” dessa adesão ao bloco militar. “A linha de contato entre a OTAN e a fronteira da Federação Russa mais que dobrou”, destacou.
A resposta dependerá “dos termos específicos em que a Finlândia aderir à OTAN, incluindo a implantação da infraestrutura militar da OTAN e armas ofensivas em seu território”, explicou o ministério.
Na cerimônia de beija-mão com o secretario de Estado Antony Blinken e com o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, estavam presentes o presidente finlandês, Sauli Niinisto, seu ministro das Relações Exteriores, Pekka Haavisto, e o ministro da Defesa, Antti Kaikkonen. “A era do não-alinhamento militar em nossa história chegou ao fim. Uma nova era começa”, pavoneou-se Niinisto.
SEM VOZ
Os diplomatas russos afirmaram que a decisão de Helsinque prejudicou a postura internacional da própria Finlândia. Ao ingressar na OTAN, a Finlândia “desistiu de sua identidade única e perdeu sua independência”, perdendo o “status especial em assuntos internacionais” decorrente de sua política de não-alinhamento de décadas.
“A Finlândia tornou-se um membro menor da OTAN sem a possibilidade de influenciar quaisquer decisões”, concluiu o ministério. “Não se engane, a adesão da Finlândia à OTAN terá um efeito negativo nas relações bilaterais entre a Rússia e a Finlândia.”
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, alertou na terça-feira que a adesão da Finlândia à OTAN forçará a Rússia “a tomar contramedidas para garantir nossa própria segurança tática e estratégica”, já que o alinhamento militar de Helsinque é uma “escalada da situação” e uma “invasão na segurança da Rússia”.
Mas ele também reconheceu que a situação da Ucrânia, que o Ocidente há muito tenta transformar em um baluarte anti-Rússia, é fundamentalmente diferente da Finlândia. “Em primeiro lugar, a Finlândia nunca teve retórica anti-russa e não tivemos disputas com a Finlândia. Com a Ucrânia, a situação é oposta e potencialmente muito mais perigosa”, disse Peskov.
MAIS INSEGURANÇA
“A segurança aumentará para a Finlândia? Absolutamente não. Mesmo lá, eles entendem que a Rússia terá que tomar medidas de retaliação e aumentar sua presença militar. ‘Teremos que’ significa que ‘não foi planejado e não houve ameaça’”, escreveu o vice-presidente do Conselho da Federação russa, Konstantin Kosachev, em seu canal no Telegram na terça-feira.
Para ele, a Europa também não ficará mais segura. “Dado que uma das principais causas do conflito na Ucrânia está ligada precisamente à OTAN, definitivamente não. A fronteira entre a Rússia e a OTAN vai dobrar, o que certamente levará a um aumento no risco de incidentes perigosos. E não serão mais incidentes russo-finlandeses, mas motivos de escalada entre atores nucleares”, sublinhou.
Quanto a esse quadro, há cerca de um ano, Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia e ex-presidente russo, fez um alerta claro de que o status não-nuclear do Báltico estava sob ameaça dessa expansão da OTAN.
Também o porta-voz oficioso de Pequim, o jornal Global Times, assinalou, sobre a nova expansão da OTAN, que o “cenário de segurança geral da Europa se torna mais precário”. “A Finlândia perdeu a função de ser uma ponte entre a Rússia e a Europa e tomou partido completamente”, afirmou Li Haidong, professor da Universidade de Relações Exteriores da China.
Após o colapso da União Soviética e em paralelo com o processo de ingresso na União Europeia a Finlândia vinha paulatinamente estreitando laços com a OTAN, tendo se juntado ao programa mal denominado de Parceria da Paz da ‘aliança’ e inclusive enviado tropas para o Afeganistão e Kosovo. Em setembro de 2014, a Finlândia e a Suécia assinaram um acordo de assistência militar com a OTAN. A partir de 2021, a Finlândia passou a gastar mais de 2% do PIB em gastos com defesa, embora essa meta não fosse cumprida pela maioria dos membros. No início de 2022, a Finlândia assinou um acordo com Washington para comprar 64 caças F-35.
A primeira-ministra social democrata, Sanna Marin, que jogara tudo na aprovação da entrada na OTAN, não pode comemorar tanto a efeméride – no pleito do domingo passado, perdeu as eleições e o cargo.