Pretexto de que a causa da alta da moeda americana seria uma suposta “crise fiscal” é falácia que visa cortar mais recursos da sociedade
Os operadores do mercado financeiro querem extrair mais recursos da sociedade e, para isso, chantageiam o governo para que este faça mais cortes nas despesas com o povo e com os investimentos públicos. Para atingir seus objetivos eles fabricam uma crise fiscal inexistente e culpam-na por tudo o que ocorre no país. Dizem que os juros vão subir se não cortar gastos, que o dólar vai disparar e que o mundo vai desabar se o Planalto não obedecer as suas ordens.
CAMPANHA ENCARDIDA
A campanha é encardida. A ponto dos setores mais atrasados do governo se pelarem de medo e se submeterem à chantagem. Mal sabem eles, que quanto mais eles cedem, mais o “mercado” vai querer embolsar. Cortaram no abono salarial, no BPC, no Fundeb, e no sistema de valorização do salário mínimo e o resultado foi mais pressão, mais ataque contra a moeda nacional. Eles querem cortar mais fundo. Seus alvos são os fundos constitucionais da Saúde e Educação e a vinculação dos benefícios da Previdência ao salário mínimo.
Os arautos da crise se aproveitaram do aumento da saída de dólares do país para alardear que os “investidores” – leia-se especuladores – estão fugindo do país e indo para os EUA porque o governo brasileiro “não cuida do fiscal” e está gastando muito com o povo. Não é verdade. Artigo do jornalista José Paulo Kupfer, publicado no finalzinho do ano passado no “Poder 360”, mostra que há outras razões para a saída do dólar.
Até porque, não há nenhuma lógica para uma “fuga” de capitais de um país que tem uma relação dívida/PIB estável e em torno de 80% para um país em que esta relação já galga os 125%. Muitos setores internos, ligados à exportação, também se aproveitam do ataque especulativo e deixam seus dólares fora do país apostando em ganhos extras contra a moeda nacional.
CHANTAGEM CONTRA O PAÍS
Como aceitar o pretexto de que os aplicadores de recursos no mercado financeiro brasileiro teriam dúvida sobre a capacidade do Tesouro Nacional de honrar a dívida pública? O país tem sua dívida em moeda nacional e uma relação dívida/PIB sob controle. O tesouro paga seus títulos em moeda própria e, mesmo se não fosse, o país possui mais de US$ 350 bilhões em reservas internacionais. Não é crível esse argumento. É pura pressão, feita para se obter mais superlucros.
Por que os “investidores” – se fossem realmente investidores – teriam mais “confiança” num país em que a relação dívida/PIB está em mais de 120% e tem sua economia mantida através de uma bolha especulativa – do mercado de ações – prestes a explodir a qualquer momento? Certamente uma das hipóteses é de que essa ida para o mercado americano pode estar associada à expectativa alimentada pelas promessas de Donald Trump de reduzir impostos dos bilionários.
E também não podemos esquecer que ainda há a expectativa de alta na inflação norte-americana com manutenção ou redução menor e mais lenta dos juros de referência definidos pelo Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA).
O fato é que as desvalorizações de moedas estão ocorrendo no mundo todo. Mesmo com desvalorizações menores de suas moedas, também outras economias têm assistido a fugas de dólares. Na Índia, o RBI (Reserve Bank of India, banco central indiano), por exemplo, tem defendido a rúpia com intervenções recordes, a partir de outubro. No Brasil, Campos Neto não moveu uma palha em defesa do real.
Em função de seu mercado cambial escancarado e sem nenhum mecanismo de defesa, o Brasil se transformou num verdadeiro paraíso da especulação financeira e cambial. Sai e entra dólar no país sem nenhum controle. Esta situação é o que torna o país completamente vulnerável aos movimentos e ataques especulativos assacados contra o Real, como este que estamos assistindo. Só para se ter uma ideia do tamanho da encrenca, o mercado de câmbio futuro, na Bolsa brasileira, está entre os 3 maiores do planeta.
REMESSA DE LUCROS EM ALTA
Realmente, as remessas de dólares do Brasil para o exterior estão batendo volumes recordes na reta final de 2024. No final do ano, é quando as empresas estrangeiras geralmente aceleram as remessas de lucros. A saída via financeira foi negativa em US$ 84,396 bilhões, resultado de US$ 589,989 bilhões em compras e US$ 674,385 bilhões em vendas. Por esse canal são realizadas as remessas de lucros, pagamento de juros, investimentos estrangeiros diretos e em carteira, entre outras operações. Trata-se do maior saldo negativo da série histórica.
O resultado das contas externas só não foi pior porque o saldo do comércio exterior foi positivo em US$ 68,478 bilhões em 2024, com exportações de US$ 298,456 bilhões e importações de US$ 229,978 bilhões. Por isso, computadas as entradas e saídas de moeda estrangeira pela via financeira e descontadas as entradas da balança comercial, o saldo do ano deve ficar negativo em mais de US$ 15 bilhões, a terceira maior saída líquida anual de dólares do país na série histórica do Banco Central, iniciada em 2008.
O ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, um defensor ferrenho dos interesses dos especuladores estrangeiros, logicamente fingiu desconhecer os fatores externos – que fizeram outras moedas se desvalorizarem frente ao dólar – e o ataque especulativo da Faria Lima contra o Real para aumentar os cortes sobre a população. Ele creditou a saída de dólares apenas às tais “desconfianças com o fiscal”.
ANÁLISE INTERESSADA
Foi baseado neste tipo de análise “interessada” que o BC subiu um ponto percentual a taxa Selic na última reunião do Copom (Conselho de Política Monetária) e já promete subir mais nas duas próximas reuniões. De Campos Neto era natural que se esperasse isso. A mesma expectativa não se tinha em relação aos diretores do BC indicados pelo presidente Lula. Mas, eles parecem decididos a manter os juros altos defendidos por Campos Neto.
Kupfer destacou em seu artigo que “taxas de juros tão altas, que chegam a potentes 10% em termos reais, sinalizam desconfiança em relação à manutenção da inflação dentro do limite de tolerância do sistema de metas, ou seja, abaixo de 4,5%, a cada mês, no acumulado em 12 meses”. “Uma taxa de inflação anual abaixo de 5% pode não estar próxima de 3%, o centro da meta, mas não merece ser classificada como descontrole”, apontou o jornalista.
A taxa de inflação deverá ficar abaixo de 5% em 2024, mas o mercado financeiro e seus porta-vozes necessitam manter uma “ameaça” permanente de um inexistente “descontrole” da inflação para poder culpar os “gastos excessivos” do governo com a sociedade e exigir o arrocho fiscal pretendido. Esta é a armadilha da qual o país tem que se desvencilhar o mais rápido possível. Enquanto ainda há tempo.
S.C.