Ailton Barros foi preso pela PF na última quinta-feira (4). “Viúva”, Marinalva Leite da Silva Barros, recebe pensão em valores brutos de R$ 22 mil, sendo R$ 14 mil líquidos mensalmente, segundo o Portal da Transparência
No ex-governo de armações, fraudes, falcatruas e fake news surgiu mais um escândalo. Investigado como um dos articuladores do esquema de falsificação de cartões de vacinação do Ministério da Saúde, o major expulso do Exército Ailton Barros — preso pela PF (Polícia Federal), na última quinta-feira (4), durante a Operação Venire — é tido como morto pela força militar.
Com isso, a “viúva”, Marinalva Leite da Silva Barros, recebe pensão, em valores brutos de R$ 22 mil, sendo R$ 14 mil líquidos mensalmente, segundo o Portal da Transparência. A informação sobre o “irmão 02” do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi divulgada pela Globonews e confirmada pelo Correio Braziliense.
Barros, segundo fontes, foi expulso do Exército, onde era major. A remuneração para Marinalva é feita pelo menos desde setembro do ano passado. O Exército, por meio de nota, afirmou que ele foi julgado pelo STF (Superior Tribunal Militar) em 23 janeiro de 2014 – consideraram-no “incompatível com o oficialato, resultando na perda de seu posto e patente”.
Segundo o Exército, apesar da expulsão, Barros não perdeu os direitos que se estendiam aos dependentes. “Em consequência, após a exclusão das fileiras do Exército, o ex-militar foi incluído no sistema como ‘morto ficto’ (morto fictício) para que seus beneficiários legais (no caso a mulher) pudessem receber a pensão correspondente ao posto, cumprindo o previsto na legislação vigente.”
De acordo com o artigo 2º, da Lei 3.765/60, “os oficiais demitidos a pedido e as praças licenciadas ou excluídas poderão continuar como contribuintes da pensão militar, desde que o requeiram e se obriguem ao pagamento da respectiva contribuição, a partir da data em que forem demitidos, licenciados ou excluídos”.
MIROU NUM ALVO, ACERTOU OUTRO
O militar expulso do Exército afirmou, em mensagens interceptadas pelos investigadores, saber quem foi o mandante do assassinato de Marielle Franco (PSol), vereadora do Rio de Janeiro. Nas escutas, Barros conversa com o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro e também preso pela PF. “Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão. Sei quem mandou [matar]”, garantiu.
Em outra troca de mensagens com Cid, o “irmão 02” de Bolsonaro fala sobre organizar golpe de Estado, que teria como desdobramento a prisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
A estratégia envolvia pronunciamento do então comandante do Exército, Freire Gomes, ou do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro.
O objetivo era, segundo Barros, que, em 19 de dezembro, fossem lidas as portarias, decretos de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e “botar [sic] as Forças Armadas, cujo comandante supremo é o presidente da República, para agir”.
NOVOS REGISTROS
O Ministério da Saúde identificou que as filhas de Mauro Cid teriam sido vacinadas contra a Covid-19 antes mesmo da campanha para a imunização infantil começar no país. As meninas, de 5 e 14 anos de idade, teriam recebido os imunizantes da Janssen — autorizada apenas para maiores de 18 anos.
No entanto, em mensagem de áudio interceptada pela PF atribuída a Cid, revela que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro era contrário à vacina para a Covid-19, inclusive a aplicação em crianças. “Eu não vou tomar, nem as crianças. As vacinas ainda estão em fase de teste, tô fora”, disse em gravação por meio do WhatsApp.
Segundo dados do Ministério, as filhas de Cid teriam recebido as doses em 22 de junho de 2021, 8 de setembro de 2021 e 19 de novembro de 2021. As duas primeiras teriam sido da Pfizer e a última consta como da Janssen. Os imunizantes teriam sido aplicados no Centro Municipal de Saúde de Duque de Caxias (RJ).
OPERAÇÃO VENIRE
A Operação Venire, da PF, que teve início na última quarta-feira (3), investiga fraude em documentos de vacinação. O do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é um deles.
Quando deflagrada, a operação ganhou enorme espaço na imprensa. Entre os itens questionados, estava o significado de venire. Consultados, os dicionários Aurélio e Houaiss não falam no assunto. A razão: a palavra é latina. Quer dizer vir.
PRINCÍPIO
A Polícia Federal se inspirou no princípio do direito Venire Contra Factum Proprium. Este proíbe o comportamento contraditório, inesperado, que causa surpresa na outra parte (não apenas nessa). Em outras palavras: veda ao autor o direito de voltar-se contra os próprios atos porque ninguém pode ser vítima de si mesmo.
POR QUE AILTON BARROS FOI EXPULSO DO EXÉRCITO
Ailton Gonçalves Moraes Barros foi expulso do Exército após o STM entender pela “imperiosa impossibilidade” da permanência dele na caserna, que é a vida submetida às obrigações imperativas das atividades militares.
A decisão de expulsão foi proferida em julgamento realizado pelo STM, em 2006. Por maioria de votos, foi entendido, que havia “robusto” conjunto de provas que indicaram que o comportamento e as atitudes do então capitão não eram “condizentes” com situação dele de oficial. À época, Ailton era capitão e, ao ser reformado, mudou a patente para major, seguindo as normas militares.
O militar do Exército foi acusado de série de “graves irregularidades”, sendo que parte dessas o STM nem chegou analisar, em razão da prescrição dos episódios – esses eram anteriores a 1999. A expulsão levou em consideração casos em que o então capitão desacatou outros oficiais e fez críticas ao Exército em entrevistas.
TENTATIVA E ESTUPRO
Entre as “irregularidades” prescritas está o caso em que o militar, em 1997, teria tentado abusar sexualmente de “senhorita” em acampamento do Exército em Natal. Ao STM, o então capitão negou as acusações. Na esfera disciplinar, ele recebeu punição de oito dias de prisão.
Outro episódio que prescreveu antes de Ailton ser julgado pelo STM ocorreu no Rio, quando o então militar “empurrou com seu automóvel” soldado e atropelou oficial, causando-lhe “graves lesões no joelho esquerdo”.
CASOS QUE LEVARAM EXPULSÃO DE AILTON
Entre os casos que foram considerados pelos ministros da Corte militar para expulsar Ailton do Exército está o episódio em que, em 2002, o então capitão se envolveu em ocorrência de trânsito na Vila Militar no Rio e desacatou um soldado da PE (Polícia do Exército), na tentativa de intimidá-lo.
O STM também analisou a situação em que Ailton concorreu ao Legislativo estadual (Alerj), em 2012, como militar da ativa, e distribuiu panfletos em que aparecia com uniforme do Exército e criticava a instituição e seus superiores.
Na avaliação da Corte militar, o então capitão, “por diversas vezes procurou diminuir a autoridade de soldados que, cumprindo serviço de escala, zelavam pela segurança em áreas militares”.
“Assim aconteceu na Praia Vermelha, disso resultando um Inquérito Policial Militar e uma ação penal; assim aconteceu na área residencial da Vila Militar, quando, distribuindo panfleto, negou-se a identificar-se; assim aconteceu novamente na Vila Militar, quando trafegando em velocidade acima da permitida, não se identificou adequadamente, jogou seu automóvel contra um militar do Exército, disso resultando IPM e ação penal na qual veio a ser condenado”, registra o acórdão de condenação de Ailton no STM.
“Por diversas vezes faltou com a verdade, procurando atribuir a prática de racismo àqueles que apenas cumpriam com seus deveres como militares”, seguiu o documento do STM.
Todos os registros do major expulso do Exército são muito parecidos com o do capitão que, por muito pouco, foi defenestrado da corporação.
M. V.