É compreensível que uma decisão como a do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (08/03) à tarde, cause uma certa comoção.
Fachin remeteu os processos de Lula para novo julgamento, agora tendo como primeira instância a Justiça Federal do Distrito Federal – e não mais a 13ª Vara Federal de Curitiba, onde o ex-presidente fora condenado em dois processos (propinas do triplex de Guarujá e do sítio de Atibaia) e onde corriam dois outros (propinas da sede do Instituto Lula e das doações ao Instituto Lula).
Com isso, as condenações de Lula ficam revogadas até os novos julgamentos – se o STF confirmar a sentença de Fachin – e ele torna-se apto a concorrer às eleições, pois a condenação à inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa era uma consequência das condenações por corrupção e lavagem.
Esta foi, resumidamente, a decisão de Fachin, que o leitor poderá ler, aqui, na íntegra.
Entretanto, o mais significativo – e aparentemente, mas só aparentemente, esdrúxulo – é a raiva dos que encararam a decisão de Fachin como um modo de evitar que Sérgio Moro, o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, fosse julgado “suspeito”, no julgamento que se armava (o termo não é despropositado) para as próximas semanas.
A expressão mais clara, mais nítida, das intenções – e da frustração – dessa camada política, foi a declaração do presidente da Câmara dos Deputados, aliado de Bolsonaro, o deputado Arthur Lira (PP-AL):
“Minha maior dúvida é se a decisão monocrática [de Fachin] foi para absolver Lula ou Moro. Lula pode até merecer. Moro, jamais!”
Lira estava tão furibundo com a sentença de Fachin, que nem esperou ser perguntado sobre o assunto: desabafou direto no Twitter.
Com isso, colocou para fora o que várias personalidades – inclusive o próprio ministro Fachin e o também ministro do STF Luís Roberto Barroso – declararam nas últimas semanas: formou-se, no Brasil, uma aliança para asfixiar o combate à corrupção.
Essa aliança tinha um objetivo imediato: declarar a “suspeição” de Moro, no processo do triplex do Guarujá, em que Lula foi condenado. Essa “suspeição” fora pedida pela defesa de Lula e estava nas mãos de Gilmar Mendes – que pedira vistas dos autos, e, com isso, praticamente sequestrara o poder de pautar o julgamento.
Havia pouca dúvida sobre o resultado – o próprio Gilmar Mendes não fez segredo do que estava fazendo, inclusive utilizando recursos ilícitos, como as conversas hackeadas de membros da força-tarefa da Lava Jato, cedidas por uma decisão de outro membro anti-Lava Jato da Segunda Turma do STF, Ricardo Lewandowski, que julgaria a “suspeição” de Moro.
Para completar, o bolsonarista Kassio Nunes Marques, também da Segunda Turma, indicou que votaria pela “suspeição” de Moro, o que formaria maioria de 3 a 2, contra os votos de Fachin e da ministra Cármen Lúcia.
Se havia motivo ou não para essa “suspeição” – e ninguém apontou nada, exceto conversas algo inadequadas que não alteravam as provas – era de pouca importância para esses cavalheiros.
Mas, se Moro fosse declarado “suspeito” no caso do triplex de Guarujá, o que impediria que a maioria dos processos da Lava Jato, julgados por ele, também fossem anulados?
Era isso o que se preparava.
Daí a raiva de Lira. A decisão de Fachin, de remeter os processos de Lula para uma nova Vara, impede o julgamento da “suspeição” de Moro, pois é a própria sentença deste último, no caso do triplex, que deixa de existir. Com isso, a decisão de Fachin trava, também, a destruição geral do que a Lava Jato fez no combate à corrupção. A questão fica, assim, adstrita apenas a Lula.
Daí, também, a palavra de ordem de Lira: “Lula pode até merecer. Moro, jamais!”.
O problema, portanto, é que ele e seus amigos não conseguiram a mesma coisa que Lula, com a decisão de Fachin. Para isso, era preciso destruir o que a Lava Jato fez, pela “suspeição” de Moro.
Então, o inimigo desse bolsonarista de ocasião – e, aliás, também da família Bolsonaro – é menos Lula do que Moro. Aliás, segundo Lira, Lula é aliado (“pode até merecer”), como, aliás, foi durante o seu governo. Arthur Lira também foi um lulista de ocasião, como hoje é um bolsonarista de ocasião.
Moro é que não merece contemplação. Não o Moro atual, mas o Moro que Lira e assemelhados têm na cabeça, aquele que colocava os corruptos na cadeia.
Como dissemos, a decisão de Fachin, ao enviar também o processo do sítio de Atibaia para outro julgamento, tem o subproduto de tornar Lula elegível para ser um possível adversário de Bolsonaro em 2022.
Sobre isso, a palhaçada de Bolsonaro seguiu a regra de sempre, ao acusar Fachin de parcialidade em relação a Lula – mais uma farsa: ninguém mais que Bolsonaro deseja ter Lula como adversário (v. HP 15/02/2021, Duas ou três coisas sobre a Lava Jato, Lula e o infame Bolsonaro).
Além disso, mesmo que estivesse dizendo a verdade – e não está – é coisa de troglodita achar que a única forma de vencer um adversário político é eliminá-lo por via jurídica. É evidente que não seria justa qualquer condenação de Lula, se esse fosse o motivo. Não é por acaso que esse sempre foi o argumento dos adeptos mais sectários do ex-presidente.
Portanto, o problema não é que Lula se tornou elegível. Se ele está ou for elegível, que concorra, se quiser, às eleições.
A questão mais importante é que a tentativa de destruir o trabalho realizado pela Operação Lava Jato, através da “suspeição” de Moro, significaria não apenas remeter o processo do triplex do Guarujá para a estaca zero, mas, no limite, todos os processos, incluídos todos os de Eduardo Cunha – do qual Arthur Lira foi apoiador até o último instante -, Geddel, Cabral e outras centenas de ladrões da propriedade do povo.
A decisão de Fachin, ao considerar que os processos de Lula precisavam ser refeitos, evitou que essa reação em cadeia fosse deflagrada.
Portanto, preservou o acúmulo conseguido pela Operação Lava Jato.
Aliás, em relação ao próprio Lula, a decisão de Fachin considerou que as provas, colhidas pela investigação da força-tarefa de Curitiba, serão remetidas à Vara do Distrito Federal que examinará outra vez os processos.
Como, aliás, reconheceram os advogados do próprio Lula, a decisão de Fachin não o inocentou.
O ministro Fachin baseou sua decisão em sentenças do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), particularmente de sua Segunda Turma, que deslocaram processos que estavam em Curitiba para o Distrito Federal.
Como diz, nessas sentenças, ele, Fachin, foi voto vencido.
No entanto, argumenta o ministro, elas são a opinião do colegiado.
Portanto, ele não pode ignorar essa opinião (“Aplico aqui o entendimento majoritário que veio se formando e agora já se consolidou no colegiado. E o faço por respeito à maioria, sem embargo de que restei vencido em numerosos julgamentos“, escreveu o ministro).
Ou seja, a decisão de remeter os processos de Lula para a primeira instância federal em Brasília, tirando-os de Curitiba, está baseada na jurisprudência dos adversários jurídicos de Fachin na Segunda Turma do STF, que hoje são Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques e Ricardo Lewandowski.
Por coincidência (hum…), os representantes, nesse colegiado, da aliança contra a Lava Jato, inclusive com um indicado por Bolsonaro.
Portanto, não podem se queixar.
CARLOS LOPES