Falece o cineasta Bakri que, no filme “Jenin, Jenin”, expôs a atrocidade da ocupação israelense

Em cena do filme de Bakri, palestina caminha por destroços de casa destruída pela ocupação (Divulgação)

O filme teve sua exibição proibida em Israel pelo Tribunal de Lod

O ator e cineasta Muhamed Bakri, diretor do filme mais perseguido em Israel, “Jenin Jenin” , faleceu cercado da admiração de árabes e judeus que lutam por um país onde possam viver em igualdade, sem ocupação e sem apartheid.

É o que traduz no obituário “Bakri, Bakri”, escrito no dia de seu falecimento, nesta quarta-feira (25), o advogado judeu israelense, Michael SfardPor, para quem o ator e cineasta acreditava com “uma fé plena e firme no espírito humano”, levando-o a “dedicar uma parte significativa de sua vida pública e artística à luta pela igualdade e respeito para todos”.

Veja o filme censurado, legendado em espanhol:

No entanto, como afirma o advogado que defendeu contra a censura do seu filme “Jenin, Jenin”, “enquanto ele não renunciasse à sua identidade nacional, enquanto se opusesse ao apagamento do passado e do presente de seu povo, enquanto insistisse em criticar o sionismo desumanizador, ele não teria chance”.

De ator aclamado quando, entre outros trabalhos, escreveu e atuou, com seus filhos em um encantador filme lírico sobre um sobrevivente do Holocausto, que vive sozinho em Tel Aviv, passou a sofrer perseguições e ameaças “quando ele insistiu em dar voz aos seus irmãos e irmãs nos territórios ocupados, quando insistiu em falar sobre os crimes de guerra cometidos por soldados das Forças de Defesa de Israel, os centros mais importantes do poder israelense – o governo, o exército e o judiciário – se mobilizaram para esmagá-lo. Do árabe de olhos azuis que estrelou o primeiro filme israelense indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro (“Atrás das Grades”) e que Israel tanto amava, ele se tornou um traidor e um cúmplice de terroristas”, denuncia o advogado que o defendeu nn tribunal israelense.

De ator condecorado, passou a uma condição difícil, quase sem trabalho nos palcos israelenses. Quando teve um processo movido por, supostamente manchar a reputação de soldados que agrediram os palestinos em Jenin, processo, que deveria ter sido arquivado logo após ser instaurado devido à prescrição, generais, membros do Knesset e ministros compareceram em peso ao tribunal para apoiar o soldado autor da ação.

O filme foi proibido de ser exibido, suas cópias físicas foram condenadas à destruição e Bakri foi obrigado a pagar centenas de milhares de shekels a um homem a quem ele jamais atribuiu qualquer culpa pois, no filme, ele não se refere a nenhum soldado pessoalmente.

O ator e cineasta Muhamed Bakri, diretor de “Jenin,Jenin”, ao lado de seu advogado Michael Sfard (Margem Esquerda)

Ao final da sua matéria, publicada na revista israelense “Conversa Local”, Michael Sfard destaca que Bakri não se deixou abater: “E, no entanto, ele não se deixou esmagar. Até o último dia de sua vida, Bakri continuou acreditando nos valores humanos em que acreditou durante toda a sua existência. Ele não permitiu que seus perseguidores o dobrassem, o quebrassem ou esmagassem seu espírito. A longa luta contra a incitação ao ódio e as acusações legais contra ele não diminuíram em nada sua estatura, nem sua lealdade aos seus valores e identidade. Ele continuou sendo a pessoa impressionante, talentosa, humanista e, acima de tudo, admirável que sempre foi”.

SOB AMEAÇAS, ISRAELENSES EXIBEM O FILME DE BAKRI

“Os cães vadios lá fora me acusam de mentir, e aqui estão vocês, provando que nada foi em vão e que, de fato, há espaço para a esperança”, declarou Muhammed Bakri diante das centenas de israelenses que se reuniram para assistir o filme “Jenin, Jenin”, assim que, a Corte de Tel Aviv rejeitou a censura do documentário, em 2008. Ele seria censurado em 2021, após um segundo processo.

Mas já naquela exibição, magotes da direita esbravejavam à entrada da sede do Partido Comunista de Israel, onde ela se realizaria. Houve confrontos entre os realizadores do evento e os arruaceiros para permitir a entrada de Muhamed Bakri no salão.

O evento teve o apoio da revista “Margem Esquerda” e, além da exibição, houve pronunciamentos, música e leitura de poemas.

Entre os presentes estavam o Dr. Dov Khenin, membro do Knesset pela Frente Democrática para a Paz e a Igualdade, e os cineastas Juliano Mer-Khamis, Avi Mughrabi e Asnat Trabelsi, além dos poetas Shmrit Or e Agi Mishal, que fizeram leituras de poesia, enquanto Natan Slor, Sheri Minar e Harold Rubin se revezaram na apresentação dos segmentos musicais e de canto. Os oradores colocaram a ênfase na luta contra o fascismo israelense e na defesa da liberdade de expressão.

Isso se expressou na fala do ex-deputado Dov Khenin que afirmou: O Dr. Khenin acrescentou: “As tentativas de interromper este evento e a incitação contra seus organizadores ressaltam sua importância, não apenas para expressarmos nossa solidariedade a Mohammad Bakri, mas também para defendermos a nós mesmos, nosso direito de lutar por uma sociedade saudável, uma sociedade que respeite o pluralismo e tenha espaço para a democracia e a liberdade de expressão”.

Quanto ao programa artístico, além dos interlúdios musicais e poéticos já mencionados, Amjad Shbeita e Yoav Goldrin apresentaram uma leitura em árabe e hebraico de um trecho do poema “Ela é a Terra”, de Mahmoud Darwish, que inclui os versos: “E o cantor cantava/ e lhe perguntaram:/ Por que você está cantando?/Ele respondeu: /Porque estou cantando/Revistaram seu peito/e não encontraram nada além de seu coração;/ revistaram seu coração/e não encontraram nada além de seu povo/ revistaram sua voz/e não encontraram nada além de sua tristeza/ revistaram sua tristeza/e não encontraram nada além de sua prisão/revistaram sua prisão/ e não encontraram nada além dos acorrentados”.

HP DEFENDEU FILME DE BAKRI CONTRA A CENSURA

“Nenhum dos soldados que participaram da razia em Jenin enfrentou um tribunal por seus crimes. Foi apenas a pessoa que os documentou – que deu à dor e ao sofrimento uma câmera e um microfone – que foi levado ao pelourinho. Israel também nunca pagou compensação a qualquer dos residentes do campo cujas vidas e casas destruiu”, diz, indignado, o jornalista Gideon Levi, citado na matéria sobre o filme e a censura isralense publicada no jornal Hora do Povo em fevereiro de 2021, que aqui reproduzimos:

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *