Fala de Moraes sinaliza voto pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, avaliam especialistas. Posição final da Corte ainda não é previsível. Quinta-feira foi o segundo dia de discussão sobre o tema
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou que a invasão dos Três Poderes, em Brasília, dia 8 de janeiro de 2023, demonstrou a “total falência” do sistema de autorregulação de todas as big techs.
“É faticamente impossível defender, após o 8 de janeiro, que o sistema de autorregulação funciona. Falência total e absoluta, instrumentalização e, lamentavelmente, parte de conivência [das redes]”, declarou, nesta quinta-feira (28), durante julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet pela Suprema Corte.
Ele deu como exemplo a “Festa da Selma”, código usado nas redes sociais, principalmente, em grupos de Whatsapp, por extremistas como chamado para os atos de 2023. A constatação é que os responsáveis pelas plataformas não estão preocupados com a democracia e o Estado de Direito. Deram de ombros para isso.
Moraes disse que, com a declaração, não estava “adiantando seu voto”. O ministro, no entanto, reforçou a opinião de que a autorregulamentação “não funcionou” e teria “se escondido atrás” do artigo 19.
A norma, discutida no plenário da Corte desde a última quarta-feira (27), exime as plataformas provedoras de internet da responsabilidade por conteúdos postados por terceiros, ou seja, os usuários. Para Moraes, este é “o julgamento mais importante do ano”.
INCONSTITUCIONALIDADE
Embora tenha negado a antecipação do posicionamento que deve adotar, o ministro deu sinais de decisão propensa à inconstitucionalidade da norma.
“O contexto não mudou praticamente nada em relação ao que já vínhamos percebendo dos autos e das manifestações públicas de ministros. Eles parecem bastante inclinados a declarar a inconstitucionalidade ou, pelo menos, considerar alguma questão que esbarra na constitucionalidade do artigo”, disse o advogado especialista em direito digital Marcelo Crespo, coordenador do curso de direito da ESPM.
Na quinta-feira (28), o ministro Dias Toffoli iniciou a leitura do voto dele, mas não o concluiu. Ele é o relator do RE (Recurso Extraordinário) 1037396, que trata do caso de dona de casa que acionou a Justiça contra o Facebook por perfil falso.
Para ele, a previsão de que as redes só tenham responsabilidade civil sobre as publicações após ordem judicial torna o dispositivo “burocrático”. O ministro disse que há obsolescência da normativa, pois há casos em que a burocracia se mantém mesmo depois de algum tipo de determinação da Justiça.
OBSOLESCÊNCIA DA NORMATIVA
“Toffoli foi bem crítico ao regime de responsabilidade civil do Marco Civil da Internet. Tratou o artigo 19 como uma espécie de relíquia legal. Quando disse que 10 anos de internet são como 1 século, disse que o artigo 10 já estaria obsoleto”, analisa o mestre em Direito por Harvard e pesquisador no ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), João Vitor Archegas.
Para o especialista, o tom crítico de Toffoli deve indicar opção pela inconstitucionalidade da norma ou pelo caminho da interpretação conforme estratégia jurídica que busca adaptar o texto de lei para que esteja em harmonia com a Constituição.
Também está na pauta o RE 1057258, que trata de professora que pediu à extinta rede Orkut que derrubasse comunidade ofensiva e tem Luiz Fux como relator. O advogado Felipe Leoni Carteiro, sócio de direito digital do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados, considera que parecer do ministro será voto-chave para o caso.
INCÓGNITA NO VOTO DE FUX
Diferentemente de Toffoli, que indagou mais frequentemente alguns advogados, Fux permaneceu em silêncio durante grande parte das sessões. Segundo o advogado, ao contrário de ministros que, em comentários, já demonstraram inclinações para sobre o tema, como Moraes, Luis Roberto Barroso e Cármen Lúcia, Fux nunca manteve posição clara e pode ter mudado de entendimento depois das sustentações. Além disso, no parecer adotou abordagem mais técnica sobre o tema.
Para a advogada Luiza Foffano, especialista da área Cível do escritório Finocchio & Ustra, embora haja tendência da Corte para a inconstitucionalidade do artigo, ainda é cedo para prever resultado. “Esse julgamento vai ser um divisor de águas, as discussões têm sido bem amplas pela complexidade do assunto, mas estamos ainda no começo”, diss.