Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revela falta de vacinas nos municípios brasileiros. Dos 2.895 municípios que participaram do levantamento, 65,8% relataram falta de pelo menos um imunizante.
Os dados confirmam o cenário de desabastecimento já relatado pelos estados este ano. Desde o mês passado faltam imunizantes em 11 estados e no Distrito Federal. Eram eles: Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. O desabastecimento atinge vacinas contra Covid-19, meningite, pneumonia, HPV, varicela, sarampo, caxumba e rubéola, entre outros, de acordo com as secretarias de saúde.
O estudo divulgado nesta sexta-feira (27) pela CNM aponta que 1.516 municípios (52,4%) estao sem a vacina contra varicela. Já a da Covid-19 para adultos faltava em 736 deles (25,4%). Cabe ao Ministério da Saúde comprar e distribuir imunizantes aos estados e ao DF pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O imunizante DTP, que protege contra difteria, tétano e coqueluche, vem em terceiro lugar: estava fora dos estoques em 520 cidades (18%), em média, há 60 dias. Santa Catarina, Ceará, Espírito Santo e Minas Gerais foram os estados mais afetados, mostra a pesquisa.
Esse desabastecimento ocorre durante o maior surto de coqueluche desde 2014, com aumento de quase 2.000% nos casos em 2024 em comparação a 2023. Até 27 de novembro, foram registrados 4.395 casos da doença, com 17 mortes, sendo 16 em crianças menores de 1 ano.
Segundo o levantamento do CNM, há falta de outras vacinas: a meningocócica C, contra meningite, está ausente em 12,9% dos municípios (375); a tetraviral, que protege contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela, em 11,6% (337); e a vacina contra febre amarela, em 9,7% (280).
Santa Catarina lidera a falta de vacinas, com 87% dos municípios afetados, seguido por Ceará (86%), Espírito Santo (84%) e Minas Gerais (83%).
O recorte por região apontou que o percentual de municípios com falta de vacinas alcançou 72% no sudeste (791), 67% no centro-oeste (142), 64% no nordeste (360), 63% no sul (547) e 42% no norte (64).
Em nota publicada no site, o ministério negou. “Os estoques de vacinas no país estão abastecidos. O Ministério da Saúde atendeu a todas as solicitações dos estados nos últimos meses do ano, garantindo a oferta de imunizantes e a proteção da população em todo o país”, diz o texto.
O diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, Eder Gatti, negou à Folha de S.Paulo que haja um problema generalizado de abastecimento de vacinas. “O Ministério cumpre o seu papel na aquisição das vacinas e, em dezembro, tivemos o atendimento de 100% do que foi solicitado pelos estados”, diz ele.
No entanto, segundo Gatti, a exceção é para a vacina de varicela, que, embora haja orçamento, contrato e cronograma previsto, houve um problema de produção por parte do fornecedor, o que ocasionou um atraso no envio das vacinas para estados e municípios. “O Ministério buscou outros fornecedores, temos outros dois, totalizando três, com a expectativa de regularização no início de 2025.”
Vale destacar que o Ministério da Saúde incinerou 10,9 milhões de vacinas em 2024, após deixar vencer o prazo de validade. A maior perda se refere a imunizantes da Covid-19, mas há também doses para febre amarela, tétano, gripe e outras doenças. A quantidade de imunizantes desperdiçados deve ser maior ainda, uma vez que o estoque do Ministério da Saúde armazena outras 12 milhões de doses que já venceram, mas ainda não foram incineradas.
Na ocasião, o Ministério da Saúde assegurou, em nota, que “não há falta de vacinas no país”. No entanto, o levantamento feito pela coluna revela o contrário. Procurada para comentar os dados de desabastecimento, a pasta assegurou o compromisso em garantir a distribuição de vacinas para a proteção e assistência adequada à população brasileira.
Para especialistas, nem só de desinformação, de baixa percepção de risco de doenças, de medo de efeitos colaterais e de dificuldade de acesso a postos de saúde sobrevive a crise da vacinação no Brasil. A falta de oferta de imunizantes também figura entre os fatores para as taxas de cobertura estipuladas pelo ministério não alcançarem a meta, que varia de 90% a 95%.
“Se a gente abaixa a cobertura, há todo o impacto na volta de doenças”, declarou o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Renato Kfouri.
Para o pediatra infectologista, trata-se de um “problema importante das coberturas vacinais”. O desafio tende a aumentar não só no Brasil, mas também no mundo.
“A produção de vacinas não vem acompanhando o aumento no consumo no planeta. Hoje, a demanda é muito grande, e a oferta, nem tanto, a ponto de, numa epidemia de febre amarela, precisar fracionar doses”, completou.
Desde 2016, o Brasil notifica redução nas taxas de vacinação contra meningite e HPV, por exemplo. Os valores, porém, foram parcialmente revertidos e aumentaram em 2023.