Em 2023, são completados quatro anos desde o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, que deixou 270 pessoas mortas e despejou milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na bacia do Rio Paraopeba em Minas Gerais. Ainda, ninguém foi responsabilizado pela tragédia.
Além de justiça, familiares de três vítimas ainda aguardam a chance de se despedir. Os bombeiros mantêm buscas diárias pelos desaparecidos.
Na última terça-feira (24), a Justiça Federal aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra 16 pessoas e as empresas Vale e Tüv Süd pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão. Os envolvidos foram denunciados por homicídio qualificado, além de crimes contra a fauna, crimes contra a flora e crime de poluição.
As investigações concluíram que a realização de perfurações verticais foi o gatilho para a liquefação que provocou o rompimento da estrutura, que já estava frágil, no dia 25 de janeiro de 2019.
Apesar de ter conhecimento dos problemas da barragem, a consultora Tüv Süd emitiu Declarações de Condição de Estabilidade que permitiram que a estrutura continuasse funcionando mesmo com fator de segurança abaixo do recomendado por padrões internacionais. A mineradora sabia da situação e apresentou os documentos às autoridades.
MANIFESTAÇÕES
Centenas de pessoas participam nesta quarta-feira dos atos que marcam os quatro anos do rompimento da barragem em Brumadinho, ocorrido na mesma data em 2019. A catástrofe-crime foi um dos piores episódios da história do Brasil, que matou 272 pessoas
As atividades da IV Romaria Pela Ecologia Integral a Brumadinho tiveram início por volta das 7h30 com a acolhida dos participantes nas dependências da igreja matriz de São Sebastião e uma coletiva de imprensa com lideranças atingidas, organizadores, movimentos populares e assessorias técnicas independentes.
Uma missa presidida por Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, foi celebrada na Praça da Matriz. Os atingidos usaram faixas para reivindicar direitos e girassóis para homenagear as joias. Em seguida, os “romeiros” seguem em caminhada até o letreiro de Brumadinho, onde ocorreu um ato público organizado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo rompimento (Avabrum).
“Nós só vamos experimentar Cristo se a gente não abandonar nossos irmãos que foram triturados por um crime hediondo. Se eu não enxergar Deus em Brumadinho, não enxergaremos em nenhum outro lugar”, disse Dom Vicente Ferreira.
De acordo com a coordenação da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário, organizadora do evento, a Romaria é “um clamor profético de anúncio e denúncia amparado em eixos que tratam do cuidado com o planeta e duas criaturas”: memória pelas jóias, justiça contra a impunidade dos responsáveis e esperança de novas alternativas de cuidado com os mais pobres.
Caminhada e encontro no letreiro: Ato por Justiça em memória das vítimas fatais, as joias. Após a Missa, os Romeiros seguiram em caminhada para o encontro com o Ato em homenagem às joias, realizado pela Avabrum. O ato acontece por todo dia 25 de cada mês no letreiro de Brumadinho, como forma de marcar a luta e a esperança por justiça.
Além dos familiares das joias estiveram presentes autoridades públicas e representantes de organizações populares como: Ministro das Minas e Energia Alexandre Silveira, Deputado Federal Rogério Correia (PT), Deputado Federal Padre João (PT), Deputada Estadual Célia Xacriabá (PSOL), Deputada Estadual Beatriz Cerqueira, Procurador Geral de Justiça de MG Jarbas Soares Júnior. Bella Gonçalves (PSOL), Vereador de Brumadinho Guilherme Morais e um representante da prefeitura de Brumadinho, entre outros.
Às 12:28 minutos, familiares e romeiros se reuniram no abraço simbólico ao letreiro e lançaram aos céus, os balões que simbolizam cada vida ceifada.
“Hoje, estamos aqui em uma mistura de sentimentos. Estamos aqui pelas pessoas que foram moídas por aquela avalanche de minério, muitas delas, das vítimas, estavam com o prato na mão para o horário sagrado do almoço. A Vale sabia que isso ia acontecer. E hoje, ela segue matando, dia a dia. Por que uma justiça tão demorada?”, disse Maria Regina Silva da Avabrum.
BUSCAS CONTINUAM
À frente dos trabalhos de busca, os bombeiros trabalham ininterruptamente por mais de 1.400 dias para recuperar os corpos das centenas de vítimas que se perderam em meio à lama da barragem rompida. Segundo o tenente-coronel Ivan Neto, do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, “desde o começo da operação o Corpo de Bombeiros se faz presente sem ter parado um único dia. A gente teve duas interrupções de busca durante a pandemia e o período de chuvas, mas nunca da operação. Durante esse tempo, as estratégias de busca foram evoluindo. À medida que a eficiência de uma estratégia ia diminuindo, a gente ia se reinventando”, explica.
Desde agosto de 2022, os bombeiros aplicam a oitava estratégia nas buscas por corpos. Ela foi desenvolvida por militares da corporação em conjunto com profissionais da mineradora e empresas contratadas. O tenente-coronel explica alguns dos métodos empregados e aponta que as medidas aumentam a eficiência dos trabalhos.
“As buscas são feitas através de estações de busca, hoje são quatro estações operando. Nessas estações é utilizado um equipamento vibratório onde todo o rejeito é depositado, esse equipamento vibra, separa o material descartável, que representa 90% do rejeito. Apenas 10% do material é levado para nossa análise, a gente ganha em eficiência, tempo e segurança. A máquina elimina riscos de falhas que poderiam acontecer com análise a olho nu e os bombeiros não trabalham mais próximos a maquinários pesados. Além disso, a previsão de conclusão da busca era de três anos a partir de janeiro deste ano e agora esperamos conseguir vistoriar todo o material em um ano e meio”, conta.
Segundo os bombeiros, aproximadamente 60% do rejeito vazado da barragem já foram vistoriados. Resta, portanto, 40% do material para ser analisado. Ivan Neto comenta que a grande quantidade de trabalho a ser feito pode ser tratada como uma esperança para os familiares que ainda esperam pela identificação de segmentos corpóreos.
“Isso é o que nos motiva diariamente, a esperança de que vamos conseguir provocar esse momento de alento e conforto para as famílias. Propiciar o início de um novo ciclo para essas pessoas”, afirma o tenente-coronel, que salienta que não há previsão para encerramento dos trabalhos.
Após o rompimento, a recomendação de não utilização da água bruta do Rio Paraopeba para qualquer fim, entre Brumadinho e Pompéu, permanece. A pesca de espécies nativas também segue proibida em toda a bacia, causando enorme prejuízo à população ribeirinha.
SIGILO
Passados mais de um ano da conclusão do inquérito da Polícia Federal (PF) que apurou responsabilidades pela tragédia em Brumadinho, o relatório final permanece em sigilo. As investigações foram encerradas em novembro de 2021 quando se anunciou o indiciamento de 19 pessoas. Os nomes são mantidos até hoje em segredo.
Segundo informou a PF na época, o relatório final foi encaminhado ao MPF, que tem atribuição para analisar o seu conteúdo e para decidir se leva à Justiça uma denúncia contra os 19 indiciados.
O MPF, no entanto, evita comentar os resultados desse inquérito alegando o sigilo. Ao mesmo tempo, não explica porque a investigação da PF, concluída há mais de um ano, não teve desdobramentos em nenhum processo criminal.
Até o ano passado, eram réus na Justiça mineira 16 pessoas, sendo 11 ligadas à mineradora Vale e cinco à empresa alemã Tüv Süd, que assinou o laudo de estabilidade da barragem que se rompeu. O processo havia sido movido pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em fevereiro de 2020 com base em investigações da Polícia Civil.
Sua tramitação, no entanto, foi afetada por uma discussão sobre a competência, motivada por um habeas corpus apresentado pela defesa de um dos réus, o ex-presidente da mineradora Fábio Schvartsman.
O centro da questão girava em torno da suspeita de ocorrência de crimes federais como o descumprimento da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB) e possíveis danos a sítios arqueológicos, que são patrimônios da União.
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o caso fosse remetido à Justiça Federal. Como cabe ao MPF atuar na esfera federal, a decisão afastou automaticamente o MPMG do processo.
Na última semana, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, determinou a continuidade do processo na esfera federal, diante do risco de prescrição dos crimes ambientais envolvidos.
Diante da determinação do STF, a Justiça Federal de Minas Gerais aceitou a denúncia do MPF, realizada com base na investigação do MPMG e tornou réus do processo, a Vale, a Tüv Sud, além de 16 executivos das empresas, dentre eles o próprio Schvartsman. Eles responderão pelo homicídio das 270 vítimas de Brumadinho, além dos crimes ambientais pela destruição do Rio Paraopeba.