

Homenagem dos colegas da Universidade Americana em Manágua (UAM) a Raynéia.
Trajando camisetas brancas com a foto da jovem, amigos e familiares da pernambucana Rayneia Gabrielle Lima, de 30 anos, assassinada na Nicarágua, se despediram dela no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, na região metropolitana do Recife, na sexta-feira (3). “Eu quero justiça”, afirmou a mãe da jovem, a aposentada Maria José da Costa. “Minha filha não vai morrer e ficar esquecida não”.
Presente ao velório, o secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco, Pedro Eurico, afirmou que “não podemos deixar esse crime impune” e anunciou que o governo do Estado entrou com uma representação na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) através do Itamaraty. Na brutal repressão do governo Ortega com paramilitares mascarados às manifestações contra o neoliberalismo e pela antecipação das eleições, já morreram 450 pessoas, 600 estão desaparecidas e há quase 3 mil feridos, conforme entidades populares.
Ray – como era tratada carinhosamente pelos amigos – foi sepultada vestida com o jaleco do Hospital da Polícia Nacional de Manágua, local onde trabalhava, e com o diploma da Universidade Americana em Manágua (UAM), concedido postumamente. “Rayneia sofreu muito para conquistar este documento”, afirmou emocionada a mãe. Para o secretário de Justiça de Pernambuco, percebe-se claramente “que isso foi um atentado político, um ato de terrorismo”. A jovem era de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata.
O governo Ortega imputou o crime a um “segurança privado”, Pierson Gutiérrez Solís, que já foi preso e confessou, mas no dia seguinte ao assassinato o reitor da universidade que Rayneia cursava, Ernesto Medina, havia responsabilizado pelo assassinato paramilitares que dariam proteção ao poderoso tesoureiro do partido de Ortega, cuja casa é nas imediações do local do crime. “As forças paramilitares sentem que têm carta branca, ninguém vai dizer nada a eles, ninguém vai fazer nada, eles andam sequestrando e fazendo batidas”, denunciou.
Ao ser atingida, Rayneia estava sozinha em seu carro, com o namorado vindo em outro carro atrás. Com Solís foi encontrado um fuzil automático Colt M4. Insatisfeito pelo desenrolar das supostas investigações, o governo brasileiro chamou de volta o embaixador em Manágua. Conforme a prima Aline Costa, tudo o que a família sabe é que “o carro foi metralhado e que ela foi atingida no diafragma. Sabemos que tentaram a reanimação por 25 minutos, mas não conseguiram”. Rayneia chegou a ser levada ao Hospital-Escola Militar, mas não resistiu. A bala teria perfurado o diafragma, o pâncreas e o fígado. Conforme relatos, o carro teria várias perfurações de bala.
Ela estava na Nicarágua desde 2013 e planejava voltar, formada, ao Brasil no início de 2019. “Ela foi para realizar o grande sonho da vida dela. Foram seis anos de sacrifício e eu, daqui, empurrava ela com a minha perseverança”, recordou Dona Maria.
Nestes dois meses de protestos, o que não falta são mortes violentas. O Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) responsabilizou o governo da Nicarágua por “assassinatos, execuções extrajudiciais, maus tratos, possíveis atos de tortura e prisões arbitrárias” – condenação idêntica à feita pela CIDH.
Por sua vez, o próprio irmão do presidente nicaraguense, e ex-comandante do exército sandinista, Humberto Ortega, afirmou na semana passada que a responsabilidade pela violência é do governo, e pediu o fim dos paramilitares e a imediata restauração da lei e diálogo. Também o Itamaraty, na nota em que cobrou esclarecimentos sobre o assassinato da brasileira, voltou a rechaçar “o aprofundamento da repressão, o uso desproporcional e letal da força e o emprego de grupos paramilitares em operações coordenadas pelas equipes de segurança”.
Dona Maria não via Rayneia desde 2014, por causa do preço da passagem. “Mainha, eu te amo”, foram às últimas palavras da filha para ela, no dia em que seria morta. Ao receber a notícia do assassinato da filha, a mãe havia dito querer “que quem matou a minha filha seja punido. Seja o presidente, seja quem for”.
Rayneia – acrescentou Dona Maria agora – “teve que perder a vida para essa crise na Nicarágua ficar conhecida. Espero que a morte dela venha para resolver esse conflito de lá”. E concluiu exigindo, mais uma vez, “a verdade” e que os culpados paguem por seu crime. O jagunço não vai responder por assassinato e sim por homicídio, de acordo com a lei nicaragüense, quando não há a intenção de matar, com pena menor. Conforme o jornal de oposição La Prensa, isso equivale a culpar a brasileira de “haver provocado a própria morte ao dirigir de forma descontrolada e com atitude suspeita”.