(HP 29/10/2010)
Aqueles fariseus da UDN, que viviam combatendo a corrupção que inventavam nos outros para entregar o país aos americanos, na hora de escolher candidato a presidente, arrumavam o brigadeiro – ou o Juarez. O PSDB, versão avacalhada da UDN (Artur Virgílio no lugar de Afonso Arinos; Eduardo Jorge no lugar de Aliomar Baleeiro, etc.), tem o Serra. Como é que isso podia dar certo?
Serra tentou negar a intenção de privatizar o pré-sal – e seus próprios acólitos o afundaram no mar (ver página 8 desta edição). A “Folha de S. Paulo”, que não pode ser acusada de anti-serrista (embora ele a tenha acusado exatamente disso), revelou uma fraude indecente nas licitações organizadas – ou armadas – por seu governo em São Paulo (ver matéria na página 4), logo no momento em que ele prometia 400 km de metrô, de São Paulo até o íntimo da caatinga… Serra, pelo visto, não gosta de Metrô – a “maior expansão” que ele realizou foi uma cratera verdadeiramente lunática – mas gosta muito de licitação.
Os lulistas e dilmistas ainda terão que disputar os votos até o final. Mas, depois da bolinha de papel de Campo Grande – e da grosseira tentativa da Globo de remendar o irremediável – até na Zona Sul do Rio, Serra teve que importar os apoiadores. Em Pernambuco, faltou ao comício, depois de uma caminhada em que não apareceram caminhantes.
Há 22 anos, no horário eleitoral da TV, o então procurador e ex-deputado Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, hoje ministro aposentado do Superior Tribunal Militar, alertou o eleitorado sobre um então candidato a prefeito de São Paulo:
“José Serra engana muita gente. Entrou pobre na Secretaria de Planejamento do governo Montoro, saiu rico. Fez uma campanha para deputado federal miliardária. Prejudicou a muitos dos seus companheiros. Uma ambição sem limites. Uma sede de poder sem nenhum freio. E pelo poder é capaz de tudo. Usa o poder de forma cruel, corrupta e prepotente”.
Bierrenbach conhecia Serra muito bem. Quando este o processou, conseguiu na Justiça o direito de provar que havia dito a verdade, e Serra fez todas as manobras jurídicas para encerrar a ação que havia iniciado, o que conseguiu nove anos depois – o juiz do caso, Walter Maierovitch, publicou uma descrição do processo há apenas um ano (v. “Justiça cega e efeito Serra”, Carta Capital, 16/08/2009).
Serra até poderia escapar por mais um tempo (mais ou menos) da execração pública, se não acusasse os outros daquilo que faz. Mas ele é sociopata demais para se conter.
Alguém que teve Ricardo Sérgio – e o indicou para uma diretoria do Banco do Brasil – como seu arrecadador, devia ser mais discreto. Segundo relatou o falecido senador Antonio Carlos Magalhães, quando disse a Fernando Henrique que correra R$ 90 milhões em propinas na privatização das telecomunicações, a resposta foi: “isso é coisa do Ricardo Sérgio”. Portanto, segundo Fernando Henrique, não era o seu esquema que estava cobrando essa propina.
CAMINHÃO DE IRREGULARIDADES
Em 2002, o repórter Amaury Ribeiro Júnior, que hoje adquiriu notoriedade em função de acusações de Serra sobre uma suposta quebra de sigilo fiscal, escreveu: “Principal articulador da formação dos consórcios que disputaram o leilão das empresas de telecomunicações, companheiro de Serra desde a época do regime militar, Ricardo Sérgio acaba de ser responsabilizado pelo Banco Central por um caminhão de irregularidades que favoreceram a entrada do Banco Opportunity [de Daniel Dantas] em um consórcio para disputar o leilão da Telebrás. Amigo de Serra, o superintendente da PF no Rio, delegado Marcelo Itagiba, usou um dispositivo para afastar o delegado que investigava o caso. Deuler da Rocha Gonçalves comandava os dois inquéritos (civil e criminal). Depois de ler o relatório do BC, Deuler havia antecipado que já possuía provas suficientes para indiciar Ricardo Sérgio e outros políticos ligados ao PSDB por falsidade ideológica, estelionato e corrupção. O relatório do BC confirma [que] a carta de fiança do BB, no valor de R$ 874 milhões, que permitiu à Solpart Participações Ltda, empresa do Banco Opportunity, participar do leilão, está repleta de irregularidades. A Solpart, que não efetuou nenhum depósito e nem sequer ofereceu garantias para conseguir o empréstimo, foi fundada um mês antes do leilão, com o capital social irrisório de R$ 1 mil” (IstoÉ, 24/3/2002).
Se o leitor notou alguma semelhança, ainda que em outra dimensão, com as operações do sr. Paulo Souza, ou Paulo Preto – aquele que Serra não conhecia num dia e passou a conhecer no outro dia, depois que o elemento o ameaçou pelas páginas da “Folha de S. Paulo” – é porque são mesmo semelhantes. No dia 24 de maio de 2007, Serra substituiu o diretor de engenharia da Dersa por Paulo Souza. No dia seguinte, antes de ter tempo de tomar pé no novo cargo, Paulo Souza assinou um aditivo com as empreiteiras que construíam o Rodoanel, autorizando-as – por um “preço fechado”, isto é, sem fiscalização do que fizessem – a desrespeitar o projeto e usar materiais mais baratos. Em 2009, apesar do “preço fechado” de R$ 2,5 bilhões para este trecho, Paulo Souza concedeu a elas mais R$ 264 milhões. Como a obra é paga em parte com dinheiro federal, os técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) registraram as irregularidades em relatório.
Assim, Paulo Souza, ao exigir que Serra o defendesse da cúpula do PSDB, que o acusava de sumir com R$ 4 milhões, declarou que “eu só fiz o bem para esse pessoal. Ninguém nesse governo deu condições das empresas apoiarem com mais recursos politicamente do que eu”.
A questão é: para quem ele arrecadava? Se fosse só para si mesmo, já estaria há muito da rua da amargura. Em suma, que poder ele tinha para arrecadar? – e ser defendido por Serra, depois de colocar no jornal: “Não se larga um líder ferido na estrada a troco de nada. Não cometam esse erro”.
Mais parecido ainda com Ricardo Sérgio é o sr. Gregório Marin Preciado, marido de uma prima de Serra – e seu sócio de 1981 a 1995. Preciado, na privatização das empresas de eletricidade da Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte, tornou-se representante da Iberdrola, multinacional espanhola que levou a COELBA, CELPE e COSERN, enquanto Ricardo Sérgio forçava o fundo de pensões do BB, a Previ, a entrar no consórcio para sustentar os picaretas de quem Preciado era lobista.
Onde foi que a Iberdrola ouviu falar de Preciado? Seu nome apareceu publicamente, pela primeira vez, em 1983, quando o então secretário de Planejamento de São Paulo, José Serra, o indicou para o conselho do Banespa. A empresa que Serra e sua filha fundaram, a ACP, funcionava no prédio da Gremafer, pertencente a Preciado. Depois de calotear o Banco do Brasil, Preciado foi perdoado duas vezes – uma em 1995 e outra em 1998 (ao todo, ele deixou de pagar R$ 73 milhões ao BB). Por coincidência, um dos diretores do BB era indicado por Serra: Ricardo Sérgio de Oliveira.
Especulador imobiliário em
Trancoso, na Bahia, em 2002 o jornal “O Estado de Minas” entrevistou um dos
funcionários de Preciado: “A dona Mônica, mulher do Serra, vem sempre aqui”,
disse ele, sobre a hollywoodiana casa do chefe. Depois disso, a filha de Serra
adquiriu – do sr. Preciado, é claro – um Taj Mahal praieiro em Trancoso.
E paramos aqui porque nos falta espaço. Para completar, só escrevendo uma
enciclopédia sobre o assunto. Mas não vai ser necessário.
CARLOS LOPES