
“A maioria dos meus familiares é republicana, não conheço nenhum que seja democrata”, afirmou ao jornal britânico Daily Mail Debbie Robinson, a avó de Tyler Robinson, 22 anos, que está preso em Utah, acusado de ter matado o ‘influenciador’ trumpista Charlie Kirk, com um tiro de fuzil, quando este realizava uma apresentação em uma universidade local na última quarta-feira (10).
Robinson se entregou voluntariamente após convencido pela família e por um pastor, não teve direito a fiança e suas motivações são ignoradas.
Kirk, 31 anos, cuja carreira começara aos 18 anos nas fileiras do Tea Party e que, generosamente financiado por oligarcas bilionários, transformara seu site ‘Turning Point USA’ em um megafone para Trump junto aos jovens, foi descrito pelo premiado jornalista norte-americano Chris Hedges como o “exemplo perfeito do fascismo cristão”.
“UM PATRIOTA”, SEGUNDO TRUMP
Mesmo antes que o suspeito fosse preso, Trump já se lançara a culpar a resistência democrática a sua tirania dentro dos EUA, prometendo ser implacável com a “esquerda radical” e com a “violência”, e reinventou Kirk como um “patriota” e exemplo de tolerância.
Em 2020, Kirk lançou o best-seller The MAGA Doctrine (A Doutrina MAGA, em tradução livre), repleto de pregação abertamente racista, xenofóbica e misógina, exaltação à posse de armas e demais delírios trumpistas. Segundo a BBC, a “missão” da rede Turning Point USA de Kirk era “organizar estudantes para promover os princípios de responsabilidade fiscal, livre mercado e governo limitado”.
Kirk era tão apreciado em Mar-a-Lago pelo seu papel em aproximar jovens desavisados do bestialógico trumpista que, quando Donald Trump Jr. foi à Groenlândia, pouco antes da volta do pai à Casa Branca, o levou a tiracolo para a provocação pela anexação da ilha ártica, como Trump segue ameaçando.
Trump condecorou postumamente o fascista com a a Medalha Presidencial da Liberdade e decretou bandeira a meio mastro até domingo à noite.
Em paralelo, Trump anunciou que irá estender sua caçada aos imigrantes às principais cidades de grande população negra e, depois de Washington, irá enviar a Guarda Nacional e as SS que atendem pela sigla ICE para Chicago, a terceira maior cidade dos EUA, e para Memphis, no Tennessee.
RETRATO FALADO
Quanto ao fascismo de Kirk, nada como suas próprias palavras, registradas em incontáveis horas de doutrinação pelas redes sociais, muitas vezes em companhia de notórios fascistas e racistas.
Kirk “propagava a Teoria da Grande Substituição, que afirma que liberais ou “globalistas” permitem a entrada de imigrantes não brancos no país para substituir os brancos, como registrou Hedges. “Ele era islamofóbico, tuitando: ‘O islamismo é a espada que a esquerda está usando para cortar a garganta da América’ e que ‘não é compatível com a civilização ocidental’”.
Era, ainda, um racista inveterado. “Exigiu a revogação da Lei dos Direitos Civis de 1964 e menosprezou líderes dos direitos civis, como Martin Luther King”, registra Hedges. “Se estou lidando com uma mulher negra imbecil no atendimento ao cliente… ela está lá por causa de ações afirmativas?”, dissera certa vez Kirk, segundo o qual o movimento Black Lives Matter busca “destruir a estrutura da nossa sociedade”.
Do mesmo teor: “Mulheres negras não têm o poder de processamento cerebral necessário para serem levadas a sério. Você tem que roubar a vaga de uma pessoa branca”. “Se você é uma lésbica negra fumante de maconha da WNBA, você é tratada melhor do que um fuzileiro naval dos EUA?” “Se eu vir um piloto negro, vou pensar, cara, espero que ele seja qualificado”. “O Partido Democrata Americano odeia este país. Eles querem vê-lo entrar em colapso. Eles adoram quando a América se torna menos branca.”
NEGACIONISTA INVETERADO
Era também negacionista da pandemia da Covid-19, tendo chegado a especular, em julho de 2021, que “1,2 milhão de pessoas” morreram após receber a vacina. E um insistente apologista da mentira de que “a eleição de 2020 foi roubada de Trump”.
Chamou a expurgar professores e docentes por supostamente terem “uma agenda da esquerda radical”. “Ele defendeu execuções públicas televisionadas, que, segundo ele, deveriam ser obrigatórias para crianças”, cita Hedges.
Extremado defensor do porte de armas de grande calibre, Kirk disse, há meses, que “vale a pena ter o custo de, infelizmente, algumas mortes por arma de fogo a cada ano para que possamos ter a Segunda Emenda” da Constituição, que protege o direito dos americanos de manter e portar armas.
Em outra ocasião, justificando o genocídio perpetrado por Israel em Gaza, Kirk disse que “crianças são bucha de canhão para objetivos radicais islâmicos” e “a Palestina não existe”, acrescentando ainda que “os palestinos trouxeram seu sofrimento para si mesmos”.
UM ÁS DA INTOLERÂNCIA
“Charlie”, como o tratava Trump, vivia recheando suas apresentações com agressores fascistas, como o Kyle Rittenhouse, que matou a tiros duas pessoas e deixou outra paralítica, durante um episódio das manifestações contra o assassinato de George Floyd, e foi absolvido.
Em 2022, quando David DePape, invadiu a casa da então presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e atacou seu idoso marido com um martelo, Kirk convocou, no seu podcast, os “patriotas” a bancarem a fiança do agressor.
Na parte que nos toca desse latifúndio, em março Kirk havia instado, em seu programa “The Charlie Kirk Show”, o presidente Trump a impor “tarifas e se necessário sanções ao Brasil” em resposta ao “comportamento imprudente e imoral” do STF (sic) contra a tentativa de golpe perpetrada por Jair Bolsonaro. Seu assassinato mereceu de Dudu Bananinha algumas lágrimas sentidas.
CAÇA ÀS BRUXAS
Meios trumpistas passaram a ameaçar com “guerra” aos que resistem à fascistização dos EUA. “Precisamos ter uma determinação férrea”, disse o guru fascista Steve Bannon em seu programa “War Room”, acrescentando: “Charlie Kirk é uma vítima da guerra. Estamos em guerra neste país”.
“Se eles não nos deixarem em paz, então nossa escolha é lutar ou morrer”, escreveu o fascista dos bolsos mais fundos do mundo, Elon Musk no X.
O cofundador da Palantir, Joe Lonsdale, aproveitou a morte de Kirk para defender a derrubada da “aliança vermelho-verde” de “comunistas e islâmicos”, que, segundo ele, se uniram para destruir a civilização ocidental. Ele propõe um aplicativo onde os cidadãos podem postar fotos de crimes e moradores de rua em troca de “reembolsos no imposto predial”.
O próprio Trump asseverou que seu governo “irá encontrar cada um e todos aqueles que contribuíram para esta atrocidade, e para outras violências políticas, inclusive as organizações que as financiam e apoiam”.
A VIOLÊNCIA TRUMPISTA
Sobre o seletivo combate antiviolência de Trump, o editor do Counterpunch, Jeffrey St. Clair, lembrou que há algumas semanas, quando um apoiador de Trump matou dois parlamentares democratas e suas esposas, o presidente não disse nada. Nem quando um fanático antivacina disparou 173 tiros contra a sede do CDC, órgão responsável nos EUA pela autorização das vacinas.
St Clair listou alguns dos recentes atos de violência política cometidos por apoiadores do MAGA/Trump – além da invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2020, para fraudar a eleição, e ameaçando linchar o vice, Mike Pence.
Entre os quais, por ordem cronológica inversa: assassinato da deputada estadual democrata Melissa Hortman e seu marido Mark em sua casa em Minnesota, e ataque a tiros causando ferimentos graves no senador estadual democrata John Hoffman e sua esposa, Yvette, em sua casa em Minnesota; tentativa de assassinato do governador democrata da Pensilvânia, Josh Shapiro (2025).
Uma série de tiroteios nas casas de quatro autoridades democratas eleitas no Novo México; tentativa de sequestro de Nancy Pelosi e agressão ao marido dela, Paul (2022). Tentativa de sequestro da governadora democrata de Michigan, Gretchen Whitmer (2020).
Tiroteio em massa em um Walmart em El Paso que matou 23 pessoas e feriu 22; tiroteio na Sinagoga Tree of Life em Pittsburgh que matou 11 pessoas e feriu seis (2018). E o assassinato de Heather Heyer em Charlottesville durante o contraprotesto ao comício Unite the Right (2017).
Isso no varejo. No atacado, Trump mudu o nome de fantasia de Departamento de Defesa para Departamento de Guerra, segue sustentando o genocídio que Israel perpetra em Gaza com bombas, mísseis, dinheiro e vetos no Conselho de Segurança da ONU e realizou uma execução extrajudicial de 11 pessoas no Caribe em provocação contra a Venezuela, que não tem laboratórios de fabricação de drogas nem cultivos de coca, mas tem a maior reserva comprovada de petróleo do planeta, bem na outra margem do Golfo da “América”.