Stanislaw Ponte Preta mais atual que nunca
Em 1966 foi lançado o primeiro volume do Febeapá, crônicas de Sérgio Porto no jornal Última Hora, assinadas com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta. Os dois volumes seguintes surgiram respectivamente em 1967 e 1968. Em 2015 os três volumes foram reunidos em um só pela Companhia das Letras. Com sua “burrice extravasante”, o governo Bolsonaro ressuscitou o espírito daqueles anos de chumbo. É ler para crer:
Quando a Censura Federal proibiu em Brasília a encenação da peça “Um Bonde Chamado Desejo”, a atriz Maria Fernanda foi procurar o Deputado Ernani Sátiro para que o mesmo agisse em defesa da classe teatral. Lá pelas tantas, a atriz deu um grito de “viva a Democracia”. O senhor Ernani Sátiro na mesma hora retrucou: “Insulto eu não tolero”.
A peça “Liberdade, Liberdade” estreou em Belo Horizonte e a Censura cortou apenas a palavra prostituta, substituindo-a pela expressão: “Mulher de vida fácil”, o que, na atual conjuntura, nos parece um tanto difícil. Ninguém mais está levando vida fácil.
Foi então que estreou no Teatro Municipal de São Paulo a peça clássica “Electra”, tendo comparecido ao local alguns agentes do DOPS para prender Sófocles, autor da peça e acusado de subversão, mas já falecido em 406 A.C..
Repetia-se em Porto Alegre episódio semelhante ao ocorrido com Sófocles, em São Paulo. O Coronel Bermudes, secretário da insegurança pública, acusava todo o elenco do Teatro Leopoldina de debochado e exigia a presença dos atores e do autor da peça em seu gabinete. Depois ficou muito decepcionado, porque Georgers Feydeau – o autor – desobedeceu sua ordem por motivo de força maior, isto é, faleceu em Paris, em 1921.
A minissaia era lançada no Rio e execrada em Belo Horizonte, onde o Delegado de Costumes (inclusive costumes femininos), declarava aos jornais que prenderia o costureiro francês Pierre Cardin caso aparecesse na capital mineira “para dar espetáculos obscenos, com seus vestidos decotados e saias curtas”. E acrescentava furioso: “A tradição de moral e pudor dos mineiros será preservada sempre”. Toda essa cocorocada iria influenciar um deputado estadual de lá — Lourival Pereira da Silva — que fez um discurso na Câmara sobre o tema “Ninguém levantará saia da Mulher Mineira”.
Em Mariana (MG), um delegado de polícia proibiu casais de sentarem juntos na única praça namorável da cidade e baixou portaria dizendo que moça só poderia ir ao cinema com atestado dos pais. No mesmo estado, mas em Belo Horizonte, um outro delegado distribuía espiões pelas arquibancadas dos estádios porque “daqui para frente, quem disser mais de três palavrões, torcendo pelo seu clube, vai preso”.
“Os jornalistas deveriam apanhar da polícia não só durante a passeata, mas antes também. Eles são incapazes de reconhecer o valor da polícia. Os fotógrafos, por exemplo, nunca fotografam os estudantes batendo no policial”. Essa declaração foi feita pelo Secretário de Segurança de Minas Gerais, coronel Joaquim Gonçalves.
Notícia publicada pelo jornal O Povo, de Fortaleza (CE): “O Dr. Josias Correia Barbosa, advogado e professor, esteve à beira de um IPM (Inquérito Policial Militar) por haver passado um telegrama para sua sobrinha Loberi, em Salvador, comunicando-lhe que a bicicleta e as pitombas tinham seguido. Houve diligências pelas vizinhanças, parentes foram procurados e outras providências tomadas. Passados dois dias, soube o Dr. Josias que o despacho telegráfico não fora transmitido porque um James Bond do DCT (Departamento de Correios e Telégrafos) estranhara os termos “bicicleta”, “pitombas” e “Loberi”, que “deviam ser de um código secreto”.
O contingente da DOPS que atua no Aeroporto do Galeão – não é pra me gambá (*) – é dos que mais têm contribuído para o Festival de Besteira que Assola o País. Já recentemente tentou prender um diplomata russo que estava no Brasil há dois anos, baseando-se numa informação de Ibraim Sued de que o cara tinha sido expulso dos Estados Unidos há seis meses, como espião soviético. O elemento da DOPS que comandou a operação foi Murilo Néri, coleguinha de Ibraim na TV Rio e que, animado pelo fogo patriótico, esqueceu um detalhe importante: um cara que está no Brasil há dois anos não pode ser expulso dos Estados Unidos há seis meses. Essa mancada, aliás, foi merecedora de cobertura completa da Pretapress.
Em Brasília, depois de um dos maiores movimentos do Festival de Besteira, que bagunçou a Universidade local, o Reitor Laerte Ramos — figurinha que ama tanto uma marafa que cachaça no Distrito Federal passou a se chamar “Reitor” — nomeava um professor para a cadeira de Direito Penal. O ilustre lente nomeado começou com estas palavras a sua primeira aula: “A ciência do Direito é aquela que estuda o Direito”.
Em Campos (RJ) ocorria um fato espantoso: a Associação Comercial da cidade organizou um júri simbólico de Adolph Hitler, sob o patrocínio do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito. Ao final do julgamento Hitler foi absolvido.
Em Belém do Pará um vereador era o precursor dessa bobagem de proibir mulher em anúncio publicitário. É verdade que o Prefeito Faria Lima, de São Paulo, foi mais bacaninha ainda, porque iria – mais tarde – proibir mulher e propor que “figuras da nossa História ilustrem os anúncios”, isto é Rui Barbosa vendendo sabão em pó, Tiradentes fazendo anúncio de lâmina de barbear, etc… Um outro vereador de Belém protestou: “O mal não reside nas figuras femininas, mas no coração de quem vê nelas o lado imoral. Eu, por exemplo, seria capaz de olhar a foto de minha mãe nua e não sentir a menor reação”. O nome desse vereador que respeita o chamado amor filial: Álvaro de Freitas, ao qual aproveitamos o ensejo para enviar nossos parabéns.
(*) Trocadilhesca corruptela da expressão “não é pra me gabar, não”