
Convocados pela Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), por recomendação da CNI (Confederação Nacional da Indústria), cerca de 50 dirigentes de sindicatos patronais da Bahia se reuniram para debater a proposta de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e de um pacto nacional pela reindustrialização do Brasil.
As propostas foram apresentadas pelo jornalista da Hora do Povo Carlos Pereira, e constam do livro “Produção versus Rentismo”, publicado com apoio da CTB (Central dos Trabalhadores e trabalhadoras do Brasil) e da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
O livro, uma coletânea de entrevistas com dirigentes sindicais, trabalhistas e patronais, tem, segundo Pereira, a intenção de reascender as raízes do pensamento nacional desenvolvimentista. “No Brasil, o rentismo é um dreno da força de trabalho dos brasileiros em direção ao exterior, basicamente aos EUA e a Wall Street. O Tesouro, em 2024, pagou ao rentismo, só de juros, quase um trilhão de reais. Mais do que dobro do orçamento da Saúde, Educação e do Bolsa Família somados”.
“Ou retomamos nossa caminhada, ou, sem indústria, o Brasil deixará de ser uma nação. A situação está no limite. Esse é o nosso dilema. ‘Produção versus rentismo’. Em resumo, durante 80 anos tivemos dois períodos distintos: de 1930 a 1980 fomos o país de maior crescimento do mundo, nos industrializamos e conquistamos um salário mínimo decente. Nos últimos 40 anos, estagnação desindustrialização e salário mínimo de fome. Por que isso? Essa é a reflexão de fundo deste livro”, afirmou.
JUROS X PRODUÇÃO
O ato foi presidido pelo presidente da Federação da Indústria da Bahia, Carlos Henrique, para quem “os bancos não aprenderam a investir na produção. Se baixar os juros, eles receiam quebrar”.
“Recebi uma provocação do presidente da CNI para discutirmos o livro do Carlos Pereira, que tem muito a ver conosco. O confronto ‘produção e rentismo’ é um debate recorrente entre nós”.
“Carlos se dedicou a escrever sobre isso e quero oportunizar essa discussão”. Segundo Henrique, “às vezes, tentam nos convencer a pensar que os juros têm que aumentar. Não faltam argumentos, seja qual for o motivo”.
“O presidente Ricardo Alban (da CNI) sempre diz que faz parte da doutrinação não considerar os juros como custo para determinar o déficit primário. Agora mesmo, o governo nos convocou para avisar que as contas de 2026 e 2027 não vão fechar. Vai cortar em Educação e Saúde. Sempre ficam à margem dessa discussão os custos financeiros. Convivemos com governos que se dizem opostos, mas, infelizmente, as coisas pouco mudam. Quem sabe com fatos como esse a gente consiga sair dessa marra doutrinária”, completou.
Comparando com o tratamento do Estado à indústria, Carlos Henrique afirmou que “os bancos não quebraram porque fizeram o Proer [Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional]. Nossas empresas não têm Proer. Quebram todo dia. E mais, o sistema bancário coloca o risco no preço”, em sua opinião.
Para ele, a situação não tem paralelo no mundo. “No Brasil a dívida é um pouco mais de 80% do PIB, gasta 6% de juros reais. A Argentina é 150%, gasta 2%; Quem vai pagar essa conta?”.
Henrique contou que, numa entrevista do presidente do Bradesco, no Valor Econômico, ele pareceu estar acima de tudo. “A disputa tarifária Brasil /EUA preocupa a gente. Chegam aqui os excedentes de produção para competir com os nossos produtos. É claro, vamos dizer que é o custo Brasil, que é isso, que é aquilo. Mas um banco não tem esse problema. Conseguiu essa mágica. À noite, avalia a quem e se vai emprestar ou não. Isso não está só nos bancos, está na sociedade. Veja esses fundos de aposentadoria. Não aprenderam a investir na produção. Se baixar os juros eles quebram”.
“O rentismo está impregnado na sociedade. Tem também que ver se o Brasil investe para gerar renda e produção. Aqui é o berço da produção”, concluiu.
DAVIDSON: “NÃO TEM CAPITALISMO SEM ESTADO FORTE
O evento contou com a participação de Deividson Magalhães, ex-secretário do trabalho e ex-deputado federal. Estiveram ainda presentes o dirigente sindical metalúrgico, representando a CTB, Paulo Bonfim, Aurino Pedreira, presidente da Federação dos Metalúrgicos da Bahia, Nilton Vasconcelos, ex-secretário do trabalho.
“É um momento histórico muito importante que nós estamos vivendo. Eu quero, nessa oportunidade, registrar a mudança importante que teve na CNI, com a chegada do Alban”, declarou Davidson Magalhães. “Eu posso testemunhar: entrou na pauta da Câmara Federal acabar com a taxa de juros de longo prazo do BNDES. Por incrível que pareça, a CNI foi a favor de acabar a taxa para os investimentos de capital, através do banco do BNDES”.
“Parabéns, tanto à FIEB como à CNI, por estarem vanguardeando esse debate. Eu acho muito importante mobilizar esse setor industrial dos empresários para esse debate com os trabalhadores, porque esses dois setores têm interesse nisso”, avaliou. “Nós precisamos formar um grande pacto nacional como levantou o Carlos, de fazer um debate intenso na sociedade, porque nós precisamos superar a hegemonia desse pensamento macroeconômico que não vai levar o Brasil a lugar nenhum”, afirmou Davidson.
Para o ex-secretário baiano, “tudo o que a gente falava de apoio à indústria, políticas de proteção, tudo isso que, ao longo da história da economia mundial, sempre se consolidou, aqui era tratado como ideias do passado. Agora, estão esquecendo de falar nisso, por conta de que isso está vindo dos Estados Unidos”.
Para Davidson, “grande parte do debate acadêmico era que a indústria tinha acabado, que nós vivíamos em uma sociedade pós-industrial. Quando, na verdade, os métodos industriais invadiram os serviços e a agricultura. Hoje nós estamos vivendo uma hiperindustrialização. A indústria não é só o espaço fabril da Primeira e da Segunda Revolução Industrial. É um método de produtividade do trabalho, que vai invadir a agricultura, os serviços. Os métodos de economia, do trabalho direto, o investimento em tecnologia. Essa questão do processo de industrialização é fundamental para termos um plano de desenvolvimento nacional. Não tem desenvolvimento sem indústria, não tem desenvolvimento tecnológico sem indústria”, asseverou.
Segundo o ex deputado, “o agronegócio não chegou a ser agronegócio sem a participação do Estado. Participação forte de investimento público. Não paga o imposto, tem investimento público pesado. Com a Embrapa, tem um processo tecnológico bancado pelo Estado. E esses caras são contra o Estado. Ou seja, quando o Estado é útil, é bom. Agora, para a indústria não pode ter isso, para os setores de desenvolvimento não pode ter isso”, ironizou.
Magalhães ressaltou que não tem nenhum capitalismo sem Estado. “Estado forte! Em 1980, Carlos levantou aqui um dado, em 1980 as exportações brasileiras de manufaturados eram maiores do que a da China, Coreia e Taiwan”, juntas.
O que deu errado de lá para cá? Para Davidson, “foi o Consenso de Washington no Brasil. Os países asiáticos não entraram nessa barca. Olha o resultado que está aí, não se desindustrializaram”.