
Depois do Natal com fechamento parcial do governo, os norte-americanos estão chegando ao Ano Novo com assombração, após o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, sem que ninguém tivesse perguntado, vir a público esclarecer que os seis maiores bancos dos EUA – JP Morgan Chase, Citi, Bank of America, Wells Fargo, Goldman Sachs e Morgan Stanley – ‘tinham ampla liquidez’ para realizar empréstimos e honrar compromissos.
Acrescia o tweet da Secretaria do Tesouro que “[os seis bancos] não experimentaram nenhum problema de compensação ou margem e […] os mercados continuam a funcionar adequadamente”.
Para maior tranquilidade de todos, Mnuchin fez os telefonemas para os seis maiores banqueiros do país, em pleno domingo, antevéspera de Natal, direto das férias no México com a família.
MASSACRE DE MNUCHIN
Nem precisar dizer que, no dia seguinte, à exceção de especulador pulando pela janela de prédio em Manhattan, o pânico foi geral em Wall Street, e o tradicional rali pré-Natal virou uma derrubada. O índice Dow Jones Industrial despencou 2,9%, o S&P caiu 2% e o Nasdaq (tecnologia), 2,9%, com o episódio sendo apelidado prontamente de “Massacre de Mnuchin”. Na semana, as perdas foram da ordem de 7%.
Um analista ouvido pelo Washington Post assinalou que “os mercados já estão nervosos o suficiente”. Ele comparou o comunicado de Mnuchin a “mandar uma mensagem dizendo que nossos escudos espaciais podem interceptar asteróides que chegam. Eu não sabia que havia algum vindo em nossa direção”.
Outro analista da jogatina bursátil disse que “ao fazê-lo, [Mnuchin] cria a impressão de que ele sabe de um problema que ninguém mais sabe”. Em suma, Mnuchin se apavorou e deu um tiro no pé.
TRUMP: ‘PROBLEMA É O FED’
A confusão foi amplificada pela tuitada de Trump de que “o único problema que nossa economia tem é o Fed”, agravada pelo comentário de Mnuchin de que Trump perguntara se “podia demitir” Jerome Powell, o especulador que ele nomeou presidente do Fed e que vem implacavelmente tirando o juro básico do terreno negativo.
“O único problema que nossa economia tem é o Fed. Eles não têm um senso sobre o Mercado, eles não compreendem Guerras Comerciais necessárias ou Dólares Fortes ou mesmo fechamentos [do governo por] Democratas por causa do Muro. O Fed é como um jogador poderoso de golfe que não consegue pontuar porque não tem toque – não pode dar uma tacada de leve”.
Na realidade, a bolsa de Wall Street está em queda desde setembro, e chegou ao fim aquela escalada de papeis estimulada pelos trilhões criados eletronicamente pelo Fed (“quantitative easing’) ao alcance só dos bancos e a juros negativos, que vinha inflando ao longo de dez anos – o que o New York Times pudicamente chamou de “Bolha de Tudo”.
Ao que se soma a balbúrdia em Washington com a demissão de Mad Dog Mattis do Pentágono, o fechamento parcial do governo por causa do muro e a alta de juros sob Powell no Fed e, claro, a inusitada garantia de “ampla liquidez” bancária sem ninguém pedir. Além do trivial: guerras comerciais, sanções, retirada do Tratado INF, Russiagate, US$ 725 bi para o Pentágono, grampo do NSA. Segundo o site ZeroHedge, Mnuchin também acionou o Grupo Presidencial Sobre Mercados Financeiros, mais conhecido nas altas rodas como Time de Prevenção de Crash.
O tiro de Mnuchin “saiu pela culatra”, avaliou outro especulador, que acrescentou que a coisa toda “cheira a desespero e nervosismo”. Recente teste de stress garantira a suposta solidez dos bancos. “Nossa maior preocupação é que a Equipe Trump possa desencadear a própria crise que quer evitar”, apontou outra raposa do mercado. Houve quem alertasse sobre o ‘selloff’ das ações dos bancos, por “sinalizar desconforto no mercado de crédito”.
A Bloomberg jogou lenha na fervura, asseverando que o futuro do secretário do Tesouro Mnuchin dependeria de se o mercado continuaria a despencar, e que Trump já sopesava a questão: “Há muitas pessoas dentro da Casa Branca que não são fãs de Mnuchin e ficarão felizes em jogá-lo debaixo do ônibus”.
A essa altura, chegou a turma do não é bem isso para tentar acalmar os corações mais descompassados (especuladores, como se sabe são gente muito sensível). O presidente do Fed de NY, John Williams, deu a entender em entrevista ao canal CNBC que a alta de juros poderia ser maneirada e que o Fed estava disposto, se necessário, a reavaliar as implicações de sua política sobre as perspectivas da economia.
Trump, após a videoconferência de Natal (“pobre de mim, sozinho na Casa Branca”), remendou que o Fed está aumentando o custo dos empréstimos “porque a economia está indo tão bem”, o que é preciso, mas contrapôs que o mercado está assustado com o aperto agressivo. Acrescentou que as empresas norte-americanas estão tendo números recordes e recomendou a compra de ações, que chamou de “tremenda oportunidade”.
REI MINUS
A mídia não deu sinal de que aliviará o rolo compressor. Em editorial, o New York Times chamou Trump de Rei Minus, “que transforma tudo que toca em chumbo” e todo mundo é culpado, “menos ele”. Asseverou, ainda, que o que “aterrorizou Wall Street” foi a pergunta de Trump sobre “se podia demitir Powell” – e a sacrossanta “independência” dos BCs, como fica?. Complementou afirmando que “Trump reclama amargamente que o Sr. Powell vai transformá-lo em Herbert Hoover, fazendo o que o Fed está mandatado para fazer”.
Mas, atento para onde o vento sopra, Trump fez uma visita surpresa às tropas no Iraque em plena semana de Natal, para isolar a gritaria da bancada da guerra de que estava “entregando o Oriente Médio a Putin” e deixando incompleta a “destruição do Estado Islâmico” – aquele rebento que, de tão feio, ninguém de Washington admite agora a paternidade. Com um Natal tão tumultuado, sobrou para um garoto de sete anos, que telefonou para a Casa Branca e ouviu de Trump: “você ainda acredita em Papai Noel?”.
ANTONIO PIMENTA