O ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), afirmou que “todos [nós] que acreditamos nos valores democráticos devemos nos opor ao que está acontecendo” no país, com Bolsonaro conspirando contra a democracia e instigando o golpe.
FHC relatou ter a “sensação de que quem está nos dirigindo não tem noção da realidade”. “Estamos vindo de uma crise da democracia”, disse no programa “Live do Valor”, na segunda-feira (4), com a participação do professor emérito da USP, José de Souza Martins.
Jair Bolsonaro participou no domingo (3) da manifestação contra o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a quarentena. Nela, disse que quer “um governo sem interferência, que possa atrapalhar para o futuro do Brasil”. “Acabou a paciência”.
O ex-presidente da República disse ter a sensação de que o Brasil venha a enfrentar em breve um cenário “muito desagradável” e o risco de um “projeto autoritário”.
Fernando Henrique Cardoso expressou seus temores: “Tenho a sensação de que podem me ocorrer coisas desagradáveis. Coisas muito desagradáveis vão começar. No ano que vem faço 90 anos. É muita idade. A esta altura, ter que encontrar um paredão outra vez… É duro”. “A verdade é que vai ser difícil”, disse FHC.
“O presidente tem impulsos. Tem que tomar cuidado com o que fala”, disse FHC. “Bolsonaro não entendeu que tem que lidar com o Congresso”, continuou. “Bolsonaro se sente cerceado, porque não conseguiu acertar o buraquinho pelo qual ele vai atravessar. A responsabilidade é dele, não é da mídia, ela reflete isso”.
Para Fernando Henrique, os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff foram impeachmados porque não souberam, ou não quiseram, se relacionar com o Congresso Nacional. “O presidente atual dá a impressão de que ele não está entendendo também. Jair Bolsonaro parece ter uma visão tradicional do poder. Ele se bate, ele dá de cara com o limite que impõe a ele, ele acha que está sendo perseguido, ele se sente cerceado”.
Jair Bolsonaro “não consegue governar levando em consideração os outros”. Para o ex-presidente “é o momento de conversar uns com os outros; evitar uma ação da qual não se volta”.
Cardoso disse não saber se Jair Bolsonaro tem um projeto. “Não sei se tem projeto. O povo elegeu contra. Ele não falou nada de positivo. Tenho a impressão de que ele está atônito. Pode ser que, por não ter projeto, leve-nos a uma situação difícil”.
Para FHC, “hoje não há propriamente um projeto de autoritarismo. Ele pode acontecer. É pior, talvez, porque não tem projeto. Mas pode acontecer”. “Há o impulso, o ímpeto de pessoas, inclusive do presidente. É grave.”
O sociólogo acredita que o povo olha para o presidente esperando uma resposta, mas que Jair Bolsonaro “age como se fosse uma pessoa comum. Não pode. Ele deveria transcender seus sentimentos e entender a situação a qual ele está imerso”.
“As Forças Armadas não podem, depois da experiência de 1964, achar que de novo sozinhas vão mandar. Mas ele [Bolsonaro] tem essa ideia. Ele pensa que ‘eu sou o poder’. Não é”.
Ainda durante o programa, FHC comentou sobre a crise do coronavírus. “Estou preocupado com a saúde. A primeira coisa que as pessoas querem é sobreviver. É preciso solidariedade, assistência médica, hospital. Logo em seguida, é preciso renda, trabalho”, disse.
Para ele, os riscos do coronavírus no país são aumentados por conta da desigualdade do país. “Nesse momento, o risco maior é a pandemia se espalhar pela periferia”. Para assegurar a quarentena e saúde para as pessoas, “tem que dar renda”, defendeu.
Uma forma de conter isso é fazendo a distribuição de recursos entre as pessoas e os estados. “O país vai ter que se endividar, não tem jeito”.
“Chegamos a um grau de desigualdade que não é compatível com crescimento econômico” e que as medidas tomadas para combater a desigualdade até agora “são insuficientes”.
FHC apontou ainda que “o mundo está mostrando que ideias muito ortodoxas” na economia não são “viáveis”. O ex-presidente acredita que o investimento e o aumento da produtividade devem estar aliados a um Estado competente. “Não é grande nem pequeno”, na sua opinião.
O sociólogo José de Souza Martins também criticou a atuação de Bolsonaro e disse que o “presidente está tentando fazer marola para que as águas fiquem turvas”.