
Com mais de 50 horas sem energia em diversas ruas do centro da capital paulistana, os danos causados pela Enel à população causam revolta. Alimentos, equipamentos, danos econômicos, são inúmeros os prejuízos causados pela falta de energia.
Na manhã desta quarta (20), a concessionária privatizada, responsável pelo abastecimento da cidade, alega ter restabelecido a luz para todos os moradores atingidos, mas que reparos na rede elétrica subterrânea causaram novos impactos. Pelas ruas, a realidade é outra: o retorno do fornecimento ainda é parcial, com repetidas falhas e tensão inferior à que é geralmente oferecida. Prédios estão sem água, pois as bombas não possuem força para encher as caixas d’água e os comércios relatam prejuízos com os produtos perdidos.
Em um prédio residencial da Rua Fortunato, na Vila Buarque, a energia foi interrompida na segunda de manhã e voltou no mesmo dia à noite, porém de forma muito fraca. Em entrevista ao portal CNN, o aposentado Jairo Damasceno, de 66 anos, contou que os moradores passaram toda esta terça-feira (19) sem água, porque como a luz voltou numa fase fraca, a bomba de água não funciona.
Segundo outros relatos de moradores do mesmo prédio, a volta parcial da luz fez com que algumas pessoas tivessem que, por exemplo, levar a geladeira da cozinha para a sala, pois a energia só funciona em alguns cômodos. O uso de eletrodomésticos que demandam força elétrica maior, como máquina de lavar e chuveiro, estão impedidos.
“Nunca vi faltar luz três dias, é um colapso. Nós ficamos reféns”, afirmou o aposentado. Segundo o morador, outros prédios da mesma rua também enfrentam o problema.
Milhares dos clientes afetados pelo apagão seguem no escuro. Durante a manhã, novas quedas de energia ocorreram nos endereços que já tinham sido normalizados na Santa Cecília, segundo relatos dos moradores da região.
A analista de treinamento Tauna Santos, por exemplo, tem uma doença autoimune que afeta o sistema gastrointestinal. Se ela ficar sem os medicamentos biológicos, a doença pode se agravar, gerando mais dores e inflamações por todo o corpo.
Nesse mês, a analista não vai poder tomar o medicamento de alto custo no prazo certo, porque as ampolas da próxima infusão estragaram em função da falta de energia.
“Vai ser complicado porque o hospital é Santa Casa. Vi que eles estavam cancelando consultas e reagendando. Vou ter que pegar encaixe lá, falar com minha médica, pegar nova receita e solicitar novamente na farmácia de alto custo. Querendo ou não vou, atrasar a aplicação de uma infusão”, disse a analista em entrevista a TV Globo.
“Tenho doença de crohn. Quando fico sem a medicação, além das crises do próprio crohn, começo a ter dor na articulação, minha qualidade de vida fica comprometida”, disse Tauna.
Junto com a medicação, tudo que estava na geladeira da casa dela também vai ter que ser jogado no lixo. Na torneira, nenhum pingo d’água, porque as bombas que levam a água aos apartamentos estão desligadas.
“A situação está precária aqui. A gente está sem energia aqui desde as 10 horas de segunda-feira. E hoje o dia foi bem corrido mesmo, porque faltou água no nosso reservatório, e em muita idosa que estava precisando de ajuda e a gente ficou o dia todo correndo atrás do problema”, disse o zelador Marcelo Gomes.
PREJUÍZO
Para os comerciantes da área, o prolongamento da falta de energia é sinônimo de mais prejuízo.
“Só em sorvete o prejuízo foi de R$ 2.500. Tem o iogurte também lá atrás, que pode jogar fora já. Não tem como, ninguém troca, não tem como aproveitar, amoleceu palito soltou, já era”, disse o comerciante Eupídio Gomes Parente.
A dona Sônia Nóbrega, de 69 anos, é moradora da rua Piauí, no bairro de Higienópolis. Ela conta que, depois de 24 horas sem luz, teve que pedir abrigo na casa de um parente para poder tomar banho e sair um pouco do ambiente de calor do apartamento onde vive.
“Moro no sétimo andar. Na minha idade não dá pra ficar subindo e descendo pra nada. Vim aqui tomar banho pra não enfrentar o chuveiro totalmente frio. Na minha idade, qualquer coisa vira doença”, disse.
“Pior que tenho uma netinha de um mês. Minha nora tirava leite do peito com a bombinha e congelava, pra eu poder dar quando ela sai. Mas estragou tudo. O leite, o peixe, as carnes. Tudo perdido. Tá uma situação muito ruim pra nós todos”, contou a aposentada.
O zelador Francisco, que trabalha em um prédio da rua Piauí também narrou os transtornos. Segundo ele, há pessoas doentes no edifício dependendo da volta total da energia elétrica para se alimentarem.
“Desde ontem nós temos a energia só parcialmente. Aqui tem gente de idade e doente, que se alimenta por sonda, que precisa de energia para a máquina, mas não tem. Já liguei diversas vezes pra Enel. Eles me prometeram às 8h, depois às 9h, depois pararam de dar prazo pra volta da luz”, afirmou.
“A energia tá entrando só algumas fases. Só uma parte dos equipamentos nos apartamentos funcionam. O elevador tá parado, as bombas de água paradas. Então, estamos acabando com a água do reservatório já”, contou o zelador.
A falta de luz tem afetado, inclusive, as aulas na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na rua General Jardim, na Vila Buarque.
São três dias seguidos sem aulas presenciais na instituição, segundo o diretor de comunicação da faculdade, Lino Bocchini.
“Desde segunda-feira cedo estamos tendo que remanejar aulas presenciais para online. Além de fechar todo atendimento aos estudantes [Secretaria, Biblioteca, Laboratório de Informática etc]. Hoje cedo ainda tivemos que passar todas as aulas presenciais da graduação para online, porque até ontem de noite não tinha voltado a luz, então não dava para garantir as mínimas condições. A energia voltou em partes durante a manhã, mas oscila. E ainda não conseguimos ligar parte dos aparelhos da instituição”, escreveu.
ENEL RECORRENTE EM MULTAS
O Procon-SP notificou a empresa para que “envie informações detalhadas sobre as diversas interrupções no fornecimento de energia elétrica em diversos pontos da capital paulista, desde a última sexta-feira (15)”.
A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp) informou que tem 23 fiscais que acompanham o trabalho das distribuidoras que atendem o estado. Em agosto, durante a CPI da Enel na Alesp, os diretores da agência afirmaram aos deputados que “a concessionária paulista cumpre, na média, os indicadores de qualidade no fornecimento de energia elétrica”.
Já a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) informou que aplicou mais de R$ 320 milhões em multas à empresa, desde 2018. A maior delas foi neste ano: R$ 165 milhões, pela demora para restabelecer a energia, depois do temporal que atingiu a grande São Paulo, em novembro do ano passado. No entanto, a Enel entrou com um recurso administrativo e ainda não pagou o valor.
Na ocasião, cerca de 2,1 milhões de imóveis ficaram sem energia após tempestades no estado.
Em nota divulgada nesta terça, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que encaminhou um ofício à ANEEL determinando célere e rígida apuração dos fatos, “bem como responsabilização e punição rigorosa da concessionária, que tem de forma reiterada apresentado problemas na qualidade da prestação dos serviços.”
“A interrupção nesta segunda-feira, se soma a diversas outras falhas na prestação dos serviços de energia elétrica pela concessionária ENEL SP, que tem demonstrado incapacidade de prestação dos serviços de qualidade à população”, conclui a nota.
Veja os tweets sobre a falta de energia: