A Petrobrás pode garantir o abastecimento – com importação, se preciso – e esvaziar a chantagem do cartel dos importadores. A estatal tem custo de produção baixo e não precisa majorar seus preços
SÉRGIO CRUZ
A direção da Petrobrás anunciou na terça-feira (15) um aumento de 16,3% no preço da gasolina e 25,8% no preço do óleo diesel. Os aumentos representaram uma elevação de R$ 0,41 no preço da gasolina e de R$ 0,78 no diesel. A decisão foi na contramão da redução que pretendia o governo com o “abrasileiramento” dos preços dos combustíveis.
CAMPANHA ORQUESTRADA
O aumento veio em seguida a uma campanha orquestrada pelo cartel dos importadores de combustíveis, a Abicom (Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis), que alertava para a defasagem dos preços da Petrobrás em relação aos preços internacionais. A entidade aproveitou para fazer também uma chantagem contra o governo e “advertiu” para um possível desabastecimento de diesel. O Brasil importa cerca de 20% do diesel consumido no país.
Diante do anúncio dos aumentos, e do fato dele ter vindo logo em seguida à chantagem e ao “alerta” da defasagem em relação aos preços internacionais, houve certa dúvida sobre se a decisão de acabar com a PPI era para valer ou não.
O dirigente da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás), Felipe Coutinho, por exemplo, chegou a considerar que o anúncio do fim da PPI era uma falácia. Ele afirmou que as referências da Petrobrás continuam sendo os preços internacionais. E que as reduções anunciadas no primeiro semestre foram possíveis somente por conta da queda nos preços internacionais.
PARIDADE DE IMPORTAÇÃO
A política de paridade de preços de importação, que levava em conta os preços internacionais somados aos custos de importação, para a definição dos preços cobrados aos brasileiros, fez subir de forma explosiva os preços dos combustíveis no Brasil e infernizou a vida dos consumidores.
Quem se beneficiou, e muito, com essa política foram as empresas importadoras, que tinham garantido – pela PPI – um preço alto para os seus produtos, e os acionistas da Petrobrás, na sua maioria estrangeiros, que amealharam altos lucros e dividendos bilionários com a prática de preços extorsivos.
Realmente, assim que assumiu a estatal, o novo presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, anunciou o fim da PPI, ou, como diz Lula, anunciou o “abrasileiramento” dos preços dos combustíveis. Ele, de fato, iniciou, a partir daí, uma sequência de reduções dos preços dos derivados. Em julho a Petrobrás já fazia a sua quinta redução nos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. Parecia que estávamos no caminho certo.
De repente, veio a orquestração da “defasagem” e a ameaça de desabastecimento e o anúncio do novo aumento. O que se esperava de Prates é que ele continuasse a argumentar, como vinha fazendo, de que os preços, doravante, seriam mais baixos do que os internacionais. Isto ocorreria porque eles estariam baseados nos custos de produção da estatal. E que a Petrobrás iria garantir o abastecimento, mesmo que tivesse que aumentar as importações. Mas não foi o que se viu.
CHANTAGEM
A elevação brusca dos preços logo após a chiadeira dos importadores gerou apreensão, como a que Felipe Coutinho expressou em seu artigo publicado no último dia 19 de agosto. Temos ou não temos uma política baseada nos custos internos de produção? Poderemos ou não praticar preços menores do que os que os preços internacionais? Sem dúvida que o país pode fazer isso. A Petrobrás tem uma margem de lucro muito grande e pode reduzir seus preços. Isso é possível porque seus custos de produção são baixos.
O problema é outro, muito bem apontado pelo economista Aurélio Valporto, presidente da Abradin (Associação Brasileira de Investidores). Ao contrário de Felipe Coutinho, ele argumentou ao HP que, se a Petrobrás pretende mesmo acabar com a PPI, ela tem que assumir a responsabilidade de importar 100% dos refinados. Para ele, o fim da PPI implica, necessariamente, no fim dos importadores independentes, ao menos enquanto os preços internos forem menores do que os estabelecidos pela OPEP+ no mercado internacional.
Os importadores, que fizeram o alarde da defasagem de preços e do possível desabastecimento, diz o economista, dependem, para obter seus ganhos milionários, que os preços internos sejam equivalentes aos preços internacionais, acrescidos dos custos de importação e de sua margem de lucro. Segundo ele, se a Petrobrás anunciou o fim da PPI e não assumiu toda a importação de derivados, e não se preparou para isso, faltou planejamento elementar para tomar essa medida.
PETROBRÁS PODE IMPORTAR
Foi baseado nisso, segundo ele, que as importadoras puderam “ameaçar” com o desabastecimento caso os preços não fossem reajustados. Eles seguraram os estoques e a Petrobrás, ao que tudo indica, não tinha como fornecer. Foi uma clara chantagem para que os preços da Petrobrás fossem majorados, disse o economista. Esta também a minha opinião – a de que a Petrobrás pode, deve e tem a obrigação de importar os derivados, até que retome sua capacidade de refino e garanta o abastecimento do país.
O que as refinarias privadas querem, de fato, também segundo Valporto, é comprar petróleo barato da Petrobrás, a preços inferiores aos da OPEP+, e vender mais caro, ou mesmo exportar refinados a preços mais altos. Por isso reclamavam dos preços praticados pela Petrobrás para as suas refinarias. Diziam que a estatal estava vendendo mais barato para suas refinarias. Na verdade, a Petrobrás não “vende” para as suas refinarias, ela entrega o petróleo que é seu para as refinarias, que também são suas.
Se é para “abrasileirar” mesmo os preços, dois são os caminhos. Aumentar rapidamente a capacidade de refino da Petrobrás, duramente atingida pela destruição e pelas privatizações bolsonaristas, e garantir a importação, pela estatal, dos combustíveis – pincipalmente diesel – que o Brasil ainda não produz na quantidade que precisa. Como a recuperação da capacidade de refino demanda um certo tempo após a retomada dos investimentos – incluídos no PAC, a importação ainda cumpre um papel importante. Tem que fazer isso, mesmo que o cartel dos importadores faça cara feia.
INTERESSES MESQUINHOS
O que se tem a aprender com este episódio – se realmente se pretende acabar com PPI – é que não dá para atender as demandas do país e dos cartéis ao mesmo tempo. Não dá para avançar sem algum nível de choque com interesses mesquinhos dos grupos de importadores. O povo brasileiro não pode continuar sendo obrigado a pagar um dos preços mais caros do mundo, entre os países produtores de petróleo, só para atender à meia dúzia de empresas sedentas de superlucros.
Não se pode aceitar que a Petrobrás, empresa construída pelos brasileiros para garantir o desenvolvimento nacional, seja obrigada a cobrar preços absurdos dos consumidores e das empresas brasileiras só para que os importadores e acionistas fiquem felizes embolsando bilhões todos os anos. Como diz Fernando Siqueira, ex-presidente da Aepet, é para atender aos interesses do país e do povo brasileiro, para promover o progresso nacional, que a Petrobrás foi criada. Esse é o caminho que ela deve tomar.
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