A decisão de Bolsonaro, anunciada na sexta-feira (17) por meio de meio de uma rede social, revogando medidas adotadas pelo Comando Logístico (Colog) do Exército para aprimorar o rastreamento, identificação e marcação de armas e munições colabora com a atuação do crime organizado e de milícias.
A conclusão é de renomados pesquisadores sobre segurança pública ouvidos pelo portal UOL.
As portarias revogadas são as de número 46, 60 e 61, todas de março deste ano. A Portaria nº 46 dispunha sobre os procedimentos administrativos relativos ao acompanhamento e ao rastreamento de produtos controlados pelo Exército e o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército. A Portaria nº 60 estabelecia os dispositivos de segurança, identificação e marcação das armas de fogo fabricadas no país, exportadas ou importadas. Já a Portaria nº 61 regulamentava a marcação de embalagens e cartuchos de munição.
Cabe ao Comando Logístico do Exército Brasileiro a fiscalização de produtos controlados, como armas e munições. Porém, segundo Jair Bolsonaro, as portarias foram revogadas por não estarem adequadas a diretrizes definidas por decretos assinados por ele.
Em postagem no Twitter, disse: “Determinei a revogação das Portarias COLOG Nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos”.
Para Ivan Marques, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Bolsonaro revogou o sistema de controle e fiscalização que o próprio Comando do Exército criou para fiscalizar armas e munições. “Ao derrubar essa portaria, derrubou o sistema. Com uma canetada, impediu que o Exército brasileiro rastreie armas e munições que continuam a ser vendidas”, afirmou.
“Bolsonaro derrubou todas as regras que determinam a marcação de munições e cartuchos, inclusive de itens nacionais. Isso vai atrapalhar trabalhos de investigação. O exemplo mais conhecido é a morte da Marielle [Franco], que começou a ter evidências sobre os autores do crime após a polícia encontrar as munições usadas naquele ato”, observou.
O pesquisador avalia que a medida favorece a ação tanto o crime organizado quantos das milícias, que terão mais facilidade para atuar. “A gente sabe da ligação espúria entre milícia e crime organizado com forças policiais. Se há um desvio — e sabemos que existe — de órgãos públicos para milícia e crime organizado, se nada for colocado no lugar do sistema de rastreamento, vão conseguir ter armas irrastreáveis. Favorece o crime de maneira geral”, assinalou.
O assassinato da vereadora Marielle Franco também é citado por Bruno Langeani, gerente do Instituto Sou da Paz. “O caso da Marielle teve o lote desviado da PF, acima do padrão de 10 mil munições misturando calibres etc. Esse problema tinha sido resolvido com as portarias. Além disso, obrigava todas as polícias a terem sistema eletrônico de controle de munição. Agora, facilita o policial corrupto que desvia”, lembrou.
“Na medida em que dificulta o rastreamento e marcação, Bolsonaro facilita o crime em geral, inclusive milícia. Em casos de chacinas que têm policiais como executores, por exemplo, a investigação terá menos controle. Nos casos da juíza Patrícia Accioli, no Rio, e das chacinas do Jardim Rosana e Osasco, em São Paulo, só foi possível esclarecer por conta dessa marcação nas munições”, explicou.
Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e especialista em segurança pública, defende que o país deveria seguir o caminho oposto ao que foi determinado por Bolsonaro. “Deveria haver ainda mais controle sobre armas e lotes no Brasil. A revogação facilita qualquer ação de qualquer grupo criminoso, porque dificulta a investigação de crimes”, afirmou.