‘Combate ao narcotráfico’ é encenação de Lasso. Citado nos Pandora Papers, responde a processo que pode levar a impeachment. Deputados também se recusam a aprovar pacote de arrocho acertado com o FMI
Para driblar a ameaça de impeachment por ter sido flagrado em tenebrosas transações em paraísos fiscais pelos Pandora Papers, e incapaz de impor seu desastroso programa neoliberal “Criando Oportunidades” ao parlamento controlado pela oposição, o presidente e banqueiro Guillermo Lasso decretou estado de exceção no Equador por 60 dias sob o pretexto de combate ao narcotráfico, no esforço para virar a mesa.
No mesmo dia em que Lasso decretou o estado de exceção, uma comissão parlamentar investigadora começou a colher os testemunhos de mais de 40 pessoas que serão convocadas a depor, incluindo o próprio presidente, a sua esposa e o seu filho. A investigação prevê conclusão em 6 de novembro, podendo decidir por abrir o processo de impeachment de Lasso.
A decretação do estado de exceção serve para ameaçar de dissolução o parlamento, caso não aprove em 30 dias o pacote de arrocho tributário, fiscal e trabalhista de Lasso. É a chamada “morte cruzada”, mecanismo instituído na Constituição de 2008, que permite ao presidente dissolver o parlamento, para a realização de novas eleições gerais, com ele continuando no poder até às eleições.
Em setembro Lasso havia enviado seu pacote ao parlamento, que o rejeitou e devolveu. Na sexta-feira (15), Lasso disse que “o cronômetro está correndo, o decreto está pronto” e ameaçou que “se bloquearem as leis [isto é, seu pacote do FMI], iremos à morte cruzada”.
Sob o estado de exceção, o parlamento tem até 30 dias para apreciar um projeto e, se não o fizer, este se torna lei assim mesmo. Lasso só conta com o apoio de 35 dos 137 deputados. Dissolvido o parlamento, o Conselho Nacional Eleitoral teria de convocar novas eleições gerais.
Lasso, que tomou posse em maio, em setembro já se deparava com o país em pé de guerra contra sua política de desmanche, que só agrava uma situação muito difícil e em meio à pandemia.
A economia equatoriana retrocedeu 7,8% em 2020, a contração mais funda de que se tem notícia. 48% da população está na pobreza ou na miséria, enquanto o subemprego e desemprego vão a 30%. O país está há duas décadas sem uma moeda soberana, utilizando o dólar.
No início de outubro, o governo Lasso anunciou nova rodada de pires na mão no FMI, repetindo os passos do traíra Lenin Moreno, que já conduzira o país ao Fundo. Agora, o FMI está querendo cortar pela metade o déficit fiscal de 4,8% do PIB.
Como traduziu ao El País o analista da Fitch Rating, Todd Martinez: “será necessário um grande ajuste fiscal para garantir a solidez das finanças públicas nos próximos anos, mas o país enfrenta, ao mesmo tempo, um ambiente social e político excepcionalmente difícil”.
Após as jornadas de mobilização em 15 de setembro, Lasso se viu forçado a fazer uma maquiagem em seu gabinete, buscando conter seu isolamento.
É nesse quadro que ecoam as denúncias dos Pandora Papers, divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo, junto com dezenas de jornais do mundo inteiro.
Desde 2017, está em vigor no Equador uma lei que proíbe servidores públicos e políticos de terem propriedades em paraísos fiscais. Lasso assevera que se desfez de todas as 14 sociedades offshore a partir da lei de 2017 e que nunca, jamais, sonegou impostos. Ele acusa a oposição de tentar “uma conspiração” para “golpear a democracia”.
A deixa para a encenação do “combate ao narcotráfico” veio da explosão de violência no sistema prisional equatoriano, com mais de 100 mortos no final de setembro.
Em seu discurso em rede nacional na segunda-feira (18) anunciando o estado de exceção, Lasso asseverou que “a lei deve intimidar o delinqüente, não o policial” e chamou as “forças da ordem” a agir, prometendo impunidade aos policiais e militares, caso isso se faça necessário.