Em discurso feito na tribuna da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), em 2007, o então deputado estadual Flávio Bolsonaro defendeu os grupos criminosos conhecidos por “milícias”, que aterrorizam e exploram a população do estado do Rio. Ele referiu-se às milícias como um “novo tipo de policiamento”. “(…) A milícia nada mais é do que um conjunto de policiais, militares ou não, regidos por uma certa hierarquia e disciplina, buscando, sem dúvida, expurgar do seio da comunidade o que há de pior: os criminosos”, afirmou.
Além de defender os grupos de extorsão, Flávio ainda disse não achar justa a “perseguição” por parte de políticos e entidades “ligadas aos direitos humanos” aos milicianos. Em uma de suas manifestações, ele chegou a citar a favela de Rio das Pedras, comunidade que sofre com a atuação da milícia, como exemplo a ser seguido. “Façam consultas populares na Favela de Rio das Pedras, na própria Favela do Batan, para que haja esse contrapeso também, porque sabemos que vários são os interesses por trás da discussão das milícias. Há interesses comerciais, há interesses políticos, mas vamos também olhar com um pouco de atenção os interesses das comunidades”, argumentou.
“Eu não me importaria em pagar R$ 30 ou R$ 40 para ter mais segurança, para não ver meus filhos aliciados por traficantes”, acrescentou o deputado, ao saudar a atuação das milícias. “Quem for à Barra da Tijuca encontrará diversos locais onde a associação de moradores procura um serviço de segurança de policiais, quando estão de folga, portanto, de forma ilegal, porque eles não podem ter atividade fora da polícia. Há aqueles casos em que policiais impõem uma cobrança em troca desse serviço de segurança. E da mesma forma na Tijuca, em Vila Isabel, na Urca”, prosseguiu o ex-deputado.
Nesta terça-feira (22), o jornal O Globo revelou ligações estreitas entre o gabinete de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) na Alerj e um dos envolvidos na milícia de Rio das Pedras que está foragido da polícia, Adriano Magalhães da Nóbrega, alvo da Operação “Os Intocáveis”, desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), com o apoio da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil. Leia aqui
A operação prendeu ao menos cinco suspeitos de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. Entre os presos está o major Ronald Paulo Alves Pereira (à esquerda na foto), que é investigado por integrar a cúpula do Escritório do Crime, um esquema profissional usado pelas milícias para cometer assassinatos sob encomenda. A mãe e a esposa de um outro miliciano Adriano Nóbrega (à direita na foto), que está foragido, e que é ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), trabalharam para o gabinete de Flávio Bolsonaro. Leia aqui
Cobrado, o ex-deputado tentou se esquivar publicando em suas redes um texto jogando a culpa pelas contratações diretamente a Queiroz, seu ex-assessor, investigado pelo Ministério Público sob suspeita de recolher parte dos salários dos funcionários do senador eleito. “Não posso ser responsabilizado por atos que desconheço”, afirmou Flávio, via Twitter, dizendo que era Queiroz quem “supervisionava” as duas funcionárias. Queiroz é esperado ansiosamente no MP para explicar muita coisa, entre elas a suspeita de participar de um esquema de lavagem de dinheiro e ocultação de bens. O Coaf identificou uma movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em sua conta bancária em 2016 e 2017.
Apesar de Flávio Bolsonaro tentar jogar a responsabilidade pela presença dos familiares do foragido Adriano no gabinete a Queiroz, as ligações dele [Flávio] com o miliciano eram íntimas, tanto que ele foi homenageado em 2003 na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) por iniciativa do próprio Flávio Bolsonaro.
Segundo a Alerj, a homenagem de Flávio a Adriano da Nóbrega foi por este desenvolver sua função com “dedicação, brilhantismo e galhardia”. E, no ano seguinte, Ronald Paulo Alves Pereira, preso nesta terça-feira e apontado como chefe da milícia Muzema, recebeu a mesma comenda das mãos de Flávio Bolsonaro.
Em 2005, o filho mais velho de Jair Messias chegou ao cúmulo de conceder ao miliciano foragido, Adriano da Nóbrega, a Medalha Tiradentes. Na justificativa, entre outras razões, o então deputado escreveu que Nóbrega teve êxito ao prender 12 “marginais” no morro da Coroa, no centro, além de apreender diversos armamentos e 90 trouxinhas de maconha.
As milícias defendidas por Flávio Bolsonaro são organizações criminosas que atuam nas comunidades do Rio de Janeiro sob a alegação de combate ao tráfico. Os milicianos, porém, são bandidos, cobram taxas dos moradores, os ameaçam e intimidam, além de muitas vezes estarem envolvidos com assassinatos e episódios de tortura. Entre as principais atividades criminosas praticadas pelos milicianos, segundo o Ministério Público, estão a grilagem, construção, venda e locação ilegal de imóveis – motivo pelo qual a vereadora Marielle Franco teria sido morta, conforme afirmou no ano passado o ex-secretário de Segurança Pública general Richard Nunes.
O endosso de Bolsonaro às milícias é tão grande que, em 2011, quando a juíza Patrícia Acioli foi assassinada com 21 tiros por milicianos, Flávio Bolsonaro se manifestou no Twitter afirmando que ela “humilhava policiais”, o que contribuiu para que tivesse “muitos inimigos”. Ela era conhecida por atuar no combate às milícias e, posteriormente, onze policiais foram condenados por envolvimento com a sua morte.
Esta posição de Flávio Bolsonaro a favor das milícias não é só sua, é também a de seu pai, Jair Bolsonaro. Segundo reportagem do Intercept, em 2003 Jair Bolsonaro também defendeu grupos de extermínio: “Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas”, afirmou.
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