O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) está cada vez mais enrolado nas investigações conduzidas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Por isso, ele tentou, pela terceira vez, uma medida judicial contra o órgão. A Justiça determinou a quebra de sigilos bancário e fiscal dele e de mais 94 pessoas, a pedido do MP, por fortes indícios de que havia uma organização criminosa atuando dentro de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de 2007 a 2018. (Justiça quebra sigilo de Queiroz e Flávio Bolsonaro)
O senador, que é filho do presidente, apresentou na semana passada um pedido de habeas corpus ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro contra a decisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, que determinou as quebras de seus sigilos. As alegações de Flávio são semelhantes às de Fabrício Queiroz, ex-motorista do gabinete, que movimentou, segundo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), R$ 7 milhões entre 2014 e 2017.
Flávio já havia tentado bloquear a apuração no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma reclamação contra o Ministério Público, apontando quebra de sigilo bancário ilegal pela Promotoria. Uma liminar do ministro Luiz Fux interrompeu a apuração por 15 dias, mas o caso foi arquivado em seguida pelo ministro Marco Aurélio Mello. O STF concluiu, à época, que o Ministério Público do Rio estava agindo estritamente dentro da lei.
A defesa de Queiroz argumentou que a quebra dos sigilos cometeu excessos.
“O juízo decretou a quebra do sigilo bancário e fiscal de quase uma centena de pessoas por ser ‘importante para a instrução do procedimento investigatório criminal’, sem nada mais a dizer, sem avaliar se as pessoas alcançadas tinham ou têm qualquer mínima relação com a investigação, o que denota ser a decisão ora guerreada não só carente de fundamentação idônea, mas sim, ao revés, carente de qualquer embasamento legal”, diz o pedido do advogado Paulo Klein, que defende Queiroz.
A Justiça não levou e conta as reclamações e, não só manteve a quebra de sigilo, como ampliou o seu alcance.
Além de Flávio e Fabrício Queiroz, Marcelo Cattaneo Adorno, um dos donos da MCA Participações, empresa com sede no Panamá, também impetrou um mandado de segurança contra a decisão do juiz. A empresa foi um dos alvos da quebra de sigilo por ter comprado 12 salas superfaturadas do senador. Essas salas tinham sido compradas pelo então deputado por preços bem mais baixos. O lucro obtido foi de R$ 300 mil num intervalo de 45 dias. O MP considera essa e outras operações, que envolvem compra e venda de 37 imóveis, como possível lavagem de dinheiro. (“Já chega a 37 o número de imóveis negociados por Flávio Bolsonaro”, diz MP)
Imóveis
A Receita Federal decidiu criar um grupo especial para analisar as declarações de bens do filho do “mito”. O MP, quando pediu a quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio e de mais 94 pessoas e empresas, em 15 de abril, afirmava ter reunido informações de que ele investiu R$ 9,4 milhões na compra dos imóveis. “As compras subfaturadas e as vendas superfaturadas, ocorridas entre 2010 e 2017 renderam um lucro de R$ 3 milhões”, dizia o MP. Esses valores correspondiam aos 19 imóveis identificados até então.
Em seguida, o Ministério Público do Rio descobriu que não eram apenas 19, mas sim 37 o total de imóveis negociados por Flávio Bolsonaro. Um verdadeiro laranjal imobiliário. O órgão chegou nesses imóveis após ter feito nova solicitação de informações aos cartórios do Rio. Os imóveis estão ligados a Flávio, sua família e à empresa Bolsontini Chocolates e Café, que também tiveram seus sigilos quebrados.
O MP considera que as operações imobiliárias de Flávio Bolsonaro têm características de lavagem de dinheiro e pediu à Justiça as quebras de sigilo das pessoas com quem Flávio se relacionou e fez negócios no período. Para o órgão é fundamental a devassa patrimonial do senador para esclarecer os pagamentos irregulares detectados em seu gabinete na Alerj e das movimentações bancárias “atípicas” de Fabrício Queiroz, seu ex-assessor.
Movimentações financeiras de Flávio
O Coaf havia identificado também movimentações suspeitas na conta do próprio senador.
As explicações dadas por Flávio Bolsonaro sobre os depósitos suspeitos, detectados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em sua conta bancária, mais complicaram a sua situação do que esclareceram alguma coisa.
Segundo o Coaf, entre junho e julho de 2017, foram feitos 48 depósitos em espécie na conta do senador, concentrados no autoatendimento da agência bancária que fica dentro da Assembleia Legislativa, e sempre no mesmo valor: R$ 2 mil. No total, R$ 96 mil. O senador alegou que os depósitos faziam parte do pagamento por um imóvel vendido por ele. A escritura do imóvel desmentiu a alegação. O pagamento tinha sido feito em março e os depósitos só aconteceram entre junho e julho.
Disse ele na época que trocou uma cobertura em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, por um apartamento na Urca e um imóvel comercial na Barra da Tijuca, pertencentes a Fábio Guerra, conhecido jogador de vôlei de praia – com mais um pagamento de R$ 600 mil, pois o valor da cobertura de Flávio Bolsonaro era R$ 2,4 milhões, enquanto a soma dos valores dos imóveis de Guerra era R$ 1,8 milhão.
O filho de Bolsonaro, então, recebeu R$ 550 mil de Guerra, como sinal da transação, sendo R$ 100 mil em dinheiro. Esse seria o dinheiro que ele disse que depositou em sua conta na agência do Itaú Unibanco da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), dividido em 48 envelopes, contendo R$ 2 mil em cada um. Guerra também disse que “paguei em dinheiro porque havia recebido em dinheiro pela venda de outro apartamento. Como recebi aos poucos, fui pagando aos poucos. Não posso falar ao certo, porque de repente foi 70, 80, foi 120, 110 [mil reais]. O resto foi tudo depósito”.
O pagamento dos R$ 550 mil realmente existiu. Mas foi efetuado no dia 24 de março de 2017, dois meses antes de começarem os depósitos suspeitos na conta de Flávio Bolsonaro. O resto dos R$ 600 mil foi pago em 23 de agosto de 2017: R$ 50 mil, divididos em cinco cheques, na passagem da escritura. Mas, segundo Flávio Bolsonaro, foi o que ele recebeu de Guerra em dinheiro, que ele depositou, no autoatendimento da agência do Itaú Unibanco, entre 9 de junho e 13 de julho de 2017 – divididos em cinco séries de envelopes com R$ 2 mil dentro de cada um.
Os negócios imobiliários de Flávio realmente impressionam pelo volume. O parlamentar adquiriu num desses “negócios”, 10 salas comerciais em um prédio na Barra da Tijuca por R$ 2,662 milhões, entre dezembro de 2008 e setembro de 2010. Em outubro de 2010, ele vendeu as mesmas salas para a empresa MCA Exportação e Participações, empresa com sede no Panamá, por R$ 3,167 milhões.
Em novembro de 2012, Flávio adquiriu outros dois imóveis em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro. Pagou um total de R$ 310 mil pelas duas quitinetes e as revendeu, um ano e três meses depois, por mais que o triplo do preço.
Os dois imóveis haviam sido adquiridos em 2011 pelos proprietários anteriores por um total de R$ 440 mil. Em pleno boom imobiliário na cidade, eles tiveram um prejuízo de 30% ao revendê-los ao senador, segundo dados do 5º RGI (Registro Geral de Imóveis) da capital do estado.
O então deputado revendeu um imóvel em novembro de 2013 (por R$ 573 mil) e outro em fevereiro de 2014 (por R$ 550 mil). Somadas, as transações lhe renderam um lucro de R$ 813. Os responsáveis pela transação com Flávio, contudo, não foram os proprietários do imóvel, mas o corretor norte-americano Glenn Dillard. Ele tinha uma procuração de Charles Eldering e Paul Maitino, reais donos das quitinetes, para negociar imóveis no Rio de Janeiro.
Em 2016, Eldering acusou Dillard na Justiça de ter lhe aplicado um golpe. Ele declarou que o corretor vendera a unidade a Flávio sem o seu consentimento, omitiu a concretização da negociação e ficou com o dinheiro.
Os pedidos de habeas corpus de Flávio e Queiroz serão analisados pelo desembargador Antônio Amado. No mês passado, antes da decisão da quebra de sigilo, ele negou pedido de liminar do senador para interromper a investigação do Ministério Público. Esse caso ainda será analisado pela 3ª Câmara Criminal.
Milícias
O MP também suspeita das ligações de Flávio e Queiroz com membros das milícias do Rio de Janeiro. O órgão quer saber, por exemplo, de onde vieram os R$ 133 mil em dinheiro vivo que Queiroz usou para pagar o Hospital Albert Einstein. (Queiroz não pagou só R$ 64 mil em dinheiro vivo. Total foi de R$ 133,5 mil)
Queiroz tem antigas ligações com Adriano Magalhães Nóbrega, chefe do ‘Escritório do Crime’, grupo de assassinos de aluguel ligado à milícia de Rio das Pedras e investigado pela morte da vereadora Marielle Franco. O capitão Adriano é suspeito de participar da morte da vereadora e está foragido. Ele foi homenageado por Flávio Bolsonaro com a Medalha Tiradentes, maior honraria do estado do Rio de Janeiro.
Outra ligação entre Flávio Bolsoanro e as milícias foi o fato dele ter empregado em seu gabinete na Alerj, a mãe e a esposa de Adriano Nóbrega. A mãe do ex-capitão, Raimunda Veras Magalhães, de 68 anos, era funcionária no gabinete de Flávio Bolsonaro durante parte de seu mandato como deputado estadual. Raimunda aparece na folha da Alerj com salário líquido de R$ 5.124,62.
A mulher de Adriano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega também foi lotada no gabinete de Flávio na Alerj, com o mesmo salário da sogra. Ela é listada na Assembleia desde novembro de 2010 e foi exonerada junto com a sogra. Raimunda Magalhães aparece no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como uma das remetentes de depósitos para Fabrício Queiroz.
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