Das duas, uma: ou ele está aliviado com a morte do miliciano, ou teima em homenagear mais uma vez um assassino profissional, como já tinha feito no passado
Na terça-feira (11) a Justiça da Bahia concedeu liberdade provisória para Leandro Guimarães, fazendeiro que deu guarida ao miliciano Adriano Nóbrega na região de Esplanada, na Bahia, onde o ex-capitão da PM foi morto no domingo.
A narrativa de Leandro é de que conhecia Adriano de vaquejadas e que esteve com ele na Costa do Sauípe na véspera do ano novo. Adriano, sua mulher e duas filhas passaram o ano de 2019 em uma mansão num condomínio de luxo na Bahia.
O ex-integrante do Bope conseguiu escapar de uma operação policial no condomínio do Sauípe e fugiu para Esplanada, a 150 km de onde ele estava. Leandro contou que recebeu Adriano em sua fazenda, onde ele ficou hospedado para, segundo o relato, procurar terras que pretendia comprar na região.
Leandro disse também que teria levado Adriano a vários sítios e que, no sábado, após o ex-capitão receber um telefonema, “ele ficou muito nervoso” e que, logo em seguida, o ameaçou de morte. Adriano teria pedido para que fosse levado para um dos sítios que haviam sido visitados. Pediu segredo a Leandro e se alojou no sítio do vereador Gilsinho da Dedé, do PSL.
No domingo pela manhã, 72 policiais da Bahia e integrantes da Polícia Civil do Rio de Janeiro chegaram na fazenda de Leandro e de lá foram para o sítio onde o miliciano estava escondido. Na terça-feira anterior, dia 4 de fevereiro, Adriano tinha ligado para seu advogado, Paulo Emílio Catta Preta, e lhe falou que poderia morrer se fosse pego ou se rendesse. Que haveria uma queima de arquivo.
A mulher de Adriano também tinha alertado o advogado sobre a possibilidade de que ele fosse fuzilado.
Adriano estava de posse de 13 telefones celulares, outros seis já tinham sido apreendidos na Costa do Sauípe. As investigações desses aparelhos poderão esclarecer informações sobre a rede de apoio que Adriano Nóbrega recebia.
O senador Flávio Bolsonaro, uma das pessoas que mais explicações teria que dar sobre suas relações com Adriano, por ironia ou não, pediu “às autoridades competentes” que impedissem a cremação do corpo do miliciano. “Acaba de chegar a meu conhecimento que há pessoas acelerando a cremação de Adriano da Nóbrega para sumir com as evidências de que ele foi brutalmente assassinado na Bahia. Rogo às autoridades competentes que impeçam isso e elucidem o que de fato houve”, diz a publicação.
Das duas, uma: ou ele está zombando de toda a sociedade, certamente aliviado com a morte do miliciano, ou teima em homenagear mais uma vez um assassino profissional, como já tinha feito no passado.
Tudo indica que, por algum motivo, sua rede de apoio deixou Adriano na mão, ou mesmo deixou de protegê-lo e passou a persegui-lo para eliminá-lo. Durante todo o ano de 2019 o miliciano permaneceu abastecido de recursos e de infraestrutura, tanto que estava hospedado com a família num resort de alto luxo na Costa do Sauípe sem aparentar preocupação com qualquer perseguição policial. A ordem para eliminá-lo parece ter sido dada quando já não havia mais condições de mantê-lo escondido e em segurança.
Catta Preta afirma que nunca teve contato direto com o miliciano. A conversa aconteceu dias após uma operação para prendê-lo na Costa do Sauípe, na Bahia.
“A mulher dele, Julia, me contou que policiais apontaram armas para as filhas do casal, de 17 e 7 anos, durante essa operação. Depois, o Adriano me ligou e afirmou que não adiantaria se entregar porque ninguém queria sua prisão, e sim sua morte”, disse o advogado.
A polícia chegou ao sítio onde Adriano se encontrava no domingo (09) e o miliciano foi morto. A versão oficial é a de que ele teria reagido e sido baleado. A polícia tinha dito também que ele chegou a ser atendido numa emergência na cidade. Funcionários do hospital relataram que ele já chegou morto. Especialistas estão convencidos que se tratou de queima de arquivo.
Todas essas dúvidas sobre a morte do miliciano fizeram a Justiça do Rio impedir que o corpo de Adriano fosse cremado como, inicialmente, se pretendia. Adriano tinha muitas informações e muitos motivos para ser morto.
Adriano era um assassino profissional e tinha ligações muito estreitas com a família Bolsonaro. Ele e Fabrício Queiroz serviram juntos no 18º Batalhão da PM, em Jacarepaguá, na Zona Oeste. Os dois se envolveram em um homicídio em 2003. Juntos, Adriano e o sargento Queiroz atiraram em Anderson Rosa de Souza no dia 15 de maio de 2003, durante uma ronda na Cidade de Deus. Queiroz, que era muito ligado a Jair Bolsonaro, foi trabalhar no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
Nesta época, Adriano recebeu uma homenagem de Flávio Bolsonaro. Dois anos depois, já preso, Adriano recebeu nova homenagem de Flávio, desta vez a Medalha Tiradentes, maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). É desta época também um discurso de Jair Bolsonaro defendendo o miliciano das acusações de assassinato (Ouça abaixo).
Adriano Nóbrega chefiava também a milícia de Rio das Pedras, onde era conhecido por “patrãozão”.
Com a aproximação dos bolsonaros, Adriano Nóbrega conseguiu nomear sua mãe, Raimunda Veras Magalhães e a mulher, Danielle Nóbrega, no gabinete de Flávio Bolsonaro. As duas receberam da Alerj um total de R$ 1 milhão em salários que foram distribuídos entre o parlamentar, elas próprias e Adriano Nóbrega.
Em uma troca de mensagens interceptadas pela polícia, Danielle reclama com Adriano que teria sido exonerada do cargo por Queiroz e que não podia ficar sem dinheiro. Adriano diz a ela que vai ver o que pode ser feito e que ele também estaria perdendo com a exoneração. Este fato levou o Ministério Público do Rio a investigar a participação da milícia na lavagem de dinheiro do gabinete de Flávio Bolsonaro.
Além de saber muita coisa da família Bolsonaro, o miliciano assassinado na Bahia chefiava o “Escritório do Crime”, um esquadrão da morte que realiza assassinatos de aluguel. Um de seus integrantes, Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro no Condomínio Vivendas da Barra, que tem uma filha que namorou o filho mais novo do presidente, participou do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
Lessa está preso e é acusado de ter sido o executor dos disparos que mataram a vereadora. Junto com Lessa foi preso Élcio Queiroz, acusado de dirigir o carro de onde partiram os tiros que atingiram a cabeça da vereadora. Ele esteve no condomínio Vivendas da Barra na noite do crime.
Laudo atesta que Adriano levou dois tiros
Adriano Magalhães da Nóbrega morreu após ser atingido com um tiro de fuzil e outro de carabina disparado por dois policiais militares da Bahia. É o que informa o registro de ocorrência que relata a morte do criminoso, no domingo (9).
Segundo peritos do Departamento de Polícia Técnica (DPT) da Bahia, dois tiros também foram disparados por Adriano, em reação à tentativa de prisão, e teriam atingido o escudo de um dos PMs. Nenhum policial se feriu na ação.
Ouça a defesa do assassino profissional, feita por Jair Bolsonaro, quando da prisão do miliciano em 2005
Políticos de diversos partidos estão exigindo explicações sobre o episódio da morte do ex-capitão da PM. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) cobrou no plenário da Câmara, que Eduardo Bolsonaro desse algumas explicações sobre as ligações de sua família com o miliciano morto.
O ex-governador Ciro Gomes (PDT) afirmou que quer esclarecimentos por parte do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Parlamentares do PT e do PSOL também cobraram da tribuna que os integrantes da família Bolsonaro falassem alguma coisa sobre Adriano e suas ligações com Flávio. A Procuradoria-Geral da República voltou a pedir a federalização do caso Marielle.
SÉRGIO CRUZ
Excelente matéria!