Promovido pela Decania do Centro de Tecnologia da UFRJ, evento debateu o teto de gastos e as consequências para o país quando o governo Bolsonaro, na contramão do mundo, impõe cortes e bloqueios no orçamento restringindo a ação do Estado em pleno agravamento da pandemia
No momento em que o país vive o seu pior momento da pandemia da Covid-19 e com a economia em queda – agravando o desemprego e a fome no país – o governo Bolsonaro realiza cortes orçamentários e bloqueia recursos dos ministérios agravando a crise sanitária e econômica, através de medidas de autoridade fiscal em nome do comprimento do teto de gastos, Emenda Constitucional (EC 95) de 2016, regra que congelou por 20 anos os investimentos em saúde, educação, ciência e outros gastos sociais. São mais de 390 mil vidas perdidas com a pandemia, 14 milhões de desempregados, 32 milhões de brasileiros subutilizados e mais de 27 milhões de pessoas vivendo com menos de R$ 246 reais por mês.
Diante deste cenário, a Decania do Centro de Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) promoveu o debate “Teto de gastos e as consequências para a sociedade brasileira”, com a participação do governador do Estado do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), do economista André Lara Resende, ex-presidente do BNDES e ex-diretor do Banco Central, e do deputado federal Marcelo Freixo (Psol/RJ), em live realizada na segunda-feira (26), que foi mediada pela professora do Instituto de Economia da UFRJ, Esther Dweck.
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Flávio Dino: o teto de gastos acaba para uma perenização de ciclos de violência, uma vez que os cortes, por exemplo, acabam por aprofundar desigualdades
Para o governador Flávio Dino, “o teto de gastos acaba para uma perenização de ciclos de violência, uma vez que os cortes, por exemplo, acabam por aprofundar desigualdades”. “Sua impropriedade no constrangimento aos papéis, inclusive, clássicos do Estado, o provedor de segurança para os indivíduos, acaba por conduzir para um ciclo de mais violência ainda e, portanto, de alimentação desse processo da transformação da política numa espécie de vale tudo ou de lei do mais forte, na medida que o Estado deixa de ser provedor e promotor de direitos”.
Flávio Dino alertou que para o fato de “nós estarmos caminhando para um shutdown”, a paralisação da máquina pública por imposição do próprio teto de gastos.
“O cancelamento do Censo do IBGE, realizado há praticamente 100 anos, é a ponta do Iceberg. Nós estamos vendo a depreciação da infraestrutura geral do país, por exemplo, ao que se refere às estradas federais. Mesmo aqui no Maranhão, as rodovias BR estão em processo de total abandono, e não há total sinal de reversão quanto a isto”, disse o governador.
“O cancelamento do Censo significa a imposição de um dano irreparável, inclusive aos Estados e municípios, uma vez que a distribuição de receitas tributárias, via FPE (Fundo de Participação dos Estados) e FPM (Fundo de Participação dos Municípios), dependem da correção técnica de dados que são fundamentais para que o Tribunal de Contas da União (TCU) venha a fixar as cotas partes que são legitimamente asseguradas pela Constituição aos Estados e municípios. Além de, evidentemente, perturbar o arranjo federativo, no que se refere em termos das receitas e também no tocante às políticas sociais”, destacou Flávio Dino.
Na avaliação do governador do Maranhão, o teto de gastos deveria ser declarado como inconstitucional por ele se chocar contra as cláusulas pétreas previstas na Constituição Federal (CF).
“Uma Emenda Constitucional que impeça estes catálogos de direitos, mesmo que formalmente inserida no texto constitucional, ela se choca contra o seu núcleo, contra a sua identidade, contra o seu gosto”. “Dizendo de outro modo, contra os seus princípios. Quais são estes princípios que são infirmados, derrogados, ou até mesmo ab-rogados pela emenda do teto de gastos?”, questionou Flávio Dino, que em seguida completou, “o gasto público é receita privada, é receita para empresas, e respeito para os indivíduos. É impossível fazer uma sociedade justa e próspera para todos sem que haja investimentos públicos”. “Nós experimentamos isto no nosso Estado, desde 2015, e é por isto que o Estado do Maranhão tem a menor taxa de coronavírus no país. Fruto de investimentos públicos que têm assegurado a continuidade da expansão da rede hospitalar”.
“Porque nós não temos um horizonte exato quanto ao término da pandemia”. “Os investimentos públicos são primaciais em qualquer perspectiva que se olhe. Ou seja, para cumprir a Constituição nós precisamos dos investimentos públicos. Nós precisamos que o catálogo de direitos dos artigos 5º, 6º, até o 14º da Constituição Federal, para terem vida, sejam aparelhados por estruturas públicas que consigam mobilizar a sociedade para que o texto abstrato da Constituição se transforme em realidade material, se transforme em concretude nos lares dos brasileiros e das brasileiras, defendeu o governador do Estado do Maranhão”.
André Lara Resende: o que faz a relação dívida PIB cair é, sobretudo, o crescimento do PIB. Controlar a dívida quando a economia está estagnada ou em queda, agrava o problema econômico e agrava a relação da dívida em proporção ao PIB
O economista André Lara Resende fez duras críticas à perseguição fiscal que está sendo feita de forma insana no Brasil. “O que faz a relação dívida PIB cair é, sobretudo, o crescimento do PIB. Controlar a dívida quando o PIB está estagnado ou em queda, agrava o problema econômico e agrava a relação da dívida em proporção ao PIB”, alertou economista. Segundo ele, depois de 2008, caiu por terra a tese de que a emissão de moeda pelos bancos centrais – um dos meios mais usados no mundo para combater crises econômicas – levaria ao um surto inflacionário, o que não ocorreu. No momento é a tese de que a dívida interna em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de um país não poderia passar de 70%. “Evidentemente essa tese foi completamente desmoralizada, a grande maioria dos países já passou disso sem nenhum abismo fiscal, nenhuma catástrofe”, afirmou Lara Resende.
Junto com esta tese, continuou Resende, veio a premissa “de que é preciso equilibrar o orçamento fiscal a qualquer custo, em todas as circunstâncias e a todo o momento”. “Esta visão que nada tem de nova, esta visão é do Tesouro da Inglaterra, que foi duramente criticada por John Keynes, porque esta visão impedia a ideia de que o Estado possa fazer uma ação anticíclica, no sentido de que quando uma economia entra em recessão ele eleva os seus gastos e investimentos sobretudo, e com isto, faz a economia se recuperar”.
“O teto dos gastos no Brasil, o que nós temos hoje é simplesmente a expressão, quer dizer, uma restrição Constitucional dos gastos públicos não podem nem crescer com o crescimento da população, não podem crescer com o crescimento da renda, eles só podem acompanhar a inflação. Com isso, você está exigindo que o gasto per capita caia, está exigindo que o gasto por unidade de produto caia – isto é a visão do Tesouro do século 19 levada ao paroxismo. É absolutamente insustentável. Não faz o menor sentido´. É uma restrição ideológica seríssima”, sublimou Lara Resende.
O economista ressaltou que o Estado tem um papel fundamental na sociedade em todos os momentos na prestação de serviços essenciais e nos investimentos. “Mas, sobretudo, o Estado em momentos de transição, de grandes crises, como estamos agora. A pandemia simplesmente revelou que o sistema econômico que nós vínhamos depois desta segunda metade do século 20, este capitalismo globalizado e financeiro – onde há uma hipertrofia do sistema financeiro – este sistema faliu”, ressaltou Lara Resende.
“Claramente, a falência deste sistema é revelada pela brutal concentração de riqueza promovida por essa política. É isto que tem provocado esta crise de confiança na democracia”, disse Resende. Segundo ele, “é preciso rever esse sistema, não apenas pelo extremo de concentração de riqueza e de estagnação econômica a que ele chegou neste primeiro quarto do século 2021, como sobretudo, porque ficou evidente, que o modelo econômico do século 20 inviabiliza a vida humana na terra”.
Marcelo Freixo: o teto de gastos vai dificultar a recuperação e no momento que o país necessita do investimento público para sair da crise
Para o deputado federal, Marcelo Freixo (Psol/RJ), a tese de que você controlando os gastos do governo fará ele gastar melhor “é falsa”. “Isto é falso, ele gasta pior. Ele vai dificultar a recuperação, e no momento que você necessita do investimento público e necessita do gasto público para poder ter investimento”. “O que está em jogo, quando você fala em limite de gastos, a gente está falando do gasto obrigatório, que é quase 90% do que nós chamamos de gasto, mas também tem o gasto discricionário”, quando se corta este tipo de gasto, “você está falando que não vai gastar com o investimento, com ciência, com tecnologia, com saúde, com o Censo Demográfico. Ou seja, vai deixar de ter coisas que são fundamentais para que o Estado consiga ter uma política de investimento para sair da crise”, lembrou o parlamentar, destacando que o chamado “mercado” foi favorável a limitar os gastos do Estado com investimentos, mas tirou da regra do teto os gastos com os juros.
“O pagamento dos juros está fora. O interesse do mercado, o interesse de quem a gente chama hoje de mercado. Quem fala por esse mercado? Você pensa assim, é alguém que representa o pensamento econômico, vai parecer o Caio Prado Júnior, um Celso furtado, mas não é. Quem aparece para falar a verdade dogmática e de tudo mais é o funcionário da XP, é um funcionário do mercado que aparece para dizer, ‘olha o deus mercado está dizendo que é isto aqui que vocês têm que seguir’, e pronto, acabou o debate”. “Isto de alguma maneira vem ditando a política do país, se faz tudo a partir de uma verdade imposta, uma lógica de interesse privado, que tem muita relação com este pagamento de juros”, denunciou Freixo.
Marcelo Freixo destacou ainda que a política de austeridade flerta com o autoritarismo, com os ataques à democracia. “Nós temos um presidente da República que diz que uma sociedade armada é uma sociedade livre. Ou seja, não é uma sociedade com direitos, não é uma sociedade que garanta o cumprimento da Constituição. Pelo contrário, há um projeto de enfraquecimento da Constituição. Esta é a ideia de golpe permanente”.
“Na verdade o debate econômico da redução de gastos, da redução do investimento e do Estado, é uma política de estado mínimo que tem absolutamente uma relação com a produção de uma sociedade miliciana. A eleição de Bolsonaro nacionalizou a ideia de milícia. A milícia não é só uma tipificação penal, a milícia é um projeto de sociedade de onde brotou o presidente da república”, afirmou o deputado. “Não à toa, os ataques à democracia, os ataques às instituições, a defesa do Estado mínimo, a defesa da redução de direitos, e os ataques às frentes garantidoras da democracia”, denunciou o deputado, afirmando que a eleição de 2020 será um “plebiscito em relação à Constituição, e o debate econômico, será em que país nós queremos viver”.
Esther Dweck: teto de gastos é recessivo e ficou ainda mais explícito na pandemia
A professora da UFRJ, Esther Dweck, expôs em sua apresentação dados que demonstram que o teto de gastos não só agravou a situação socioeconômica do país como também piorou a situação fiscal – pois os cortes de gastos públicos levam para a redução da demanda privada, que por consequência diminui o Produto Interno Bruto (PIB) do país, e isto acaba diminuindo a arrecadação do governo, o que por fim, acaba piorando os resultados fiscais. “Reduzir os gastos do governo não tem nada a ver com o controle da dívida”, apontou a especialista em teto de gatos.
“O teto de gastos não resolve nenhuma das coisas pelas quais ele supostamente foi feito. Ele não resolve o problema do crescimento econômico. Pelo contrário, a tese de que fazendo um forte corte de gastos o setor privado entraria na economia já se provou falha. Ele não resolve o problema social, ao contrário, ele agrava enormemente as questões sociais brasileiras. Na pandemia isto ficou ainda mais explícito, principalmente em 2021, em que o governo retomou o teto de gastos com toda a sua força. Ele também não resolve o que seria o seu principal motivo, que é a situação fiscal. A gente vive no Brasil já há alguns anos o que nós chamamos de ‘ajuste fiscal autodestrutivo’, que você supostamente tenta fazer um ajuste fiscal por meio de cortes de gastos, que na verdade destrói a economia, tendo como consequência uma piora da situação fiscal”, afirmou Esther Dweck, que durante sua intervenção apresentou gráficos sobre os efeitos do teto de gastos sobre a economia.