Comissões temáticas da Câmara não deliberaram sobre emendas, disse à PF o presidente da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, deputado José Rocha (União Brasil-BA), rebatendo Lira
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Flávio Dino, é relator do caso e o autor da decisão que suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares.
Ele afirmou, na sexta-feira (27), que a Câmara dos Deputados não apresentou as informações necessárias para o desbloqueio dos recursos e reiterou os questionamentos e críticas feitas anteriormente às transferências.
O tema segue sendo motivo de impasse institucional e embate entre Legislativo e Judiciário, que acaba resvalando no governo. Já que na Câmara alguns especulam que há articulações entre o ministro e o presidente Lula (PT) em relação a esse procedimento sobre as chamadas emendas de comissões.
Mais cedo, a Advocacia da Câmara havia enviado documento ao STF no qual afirmava ter cumprido as determinações da Corte e solicitava a liberação dos recursos. A argumentação da Casa foi a de que os parlamentares agiram de “boa-fé”, respeitando a legislação vigente e as interpretações jurídicas do Executivo, e que a aprovação das emendas ocorreu de forma transparente.
No dia anterior, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já tinha se manifestado no mesmo sentido. Ele se reuniu com o presidente Lula e líderes partidários.
Ao que parece e tudo indica, é que Lira segue manipulando as emendas ao Orçamento Público, apelidado antes pela imprensa de “orçamento secreto”. Para não perder o poder sobre esses vultosos recursos, que agora deveriam ser deliberados pelas comissões temáticas, sob as orientações técnicas do Supremo, após pactuação com os presidentes da Câmara e do Senado, que não foram seguidas. Esses emendas foram “deliberados” por alguns líderes partidários.
FALTA DE DADOS “IMPRESCINDÍVEIS”
Dino, no entanto, considerou essa primeira resposta dos deputados insuficiente. “Lamentavelmente, da petição hoje [sexta-feira] protocolada pela Câmara dos Deputados não emergem as informações essenciais”, disse ele.
Diante da falta de dados “imprescindíveis”, o ministro havia concedido mais prazo para que a Câmara se manifestasse — a Casa tinha até as 20h de sexta-feira para entregar novas respostas.
À noite, a Câmara informou ao Supremo que agiu “sob orientação jurídica” de pastas do governo Lula ao indicar os R$ 4,2 bilhões em emendas apadrinhadas por 17 líderes de bancada. Defendeu, ainda, a legalidade no procedimento.
“Daí o estranhamento de que apenas a Câmara esteja participando neste momento de diálogo institucional com a Suprema Corte, para fins de aprimoramento do processo orçamentário das emendas parlamentares, quando a competência para a matéria é do Congresso Nacional, quando o Senado adotou rito rigorosamente idêntico ao da Câmara dos Deputados e quando ambas as Casas se limitaram a seguir orientações técnicas prévias do Poder Executivo, para fins de mero encaminhamento de indicações que sequer são impositivas”, está escrito na manifestação assinada pela Advocacia da Câmara.
Segundo o documento, a orientação jurídica partiu dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Gestão, além da Secretaria de Relações Institucionais, da Casa Civil e da Advocacia-Geral da União. “Caso não houvesse a orientação em questão, não haveria qualquer ofício de indicação.”
SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DAS EMENDAS
Na última segunda-feira (23), Dino bloqueou R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão — o pagamento estava previsto para até o fim do ano — com base no entendimento de que essas não atenderam aos critérios de transparência e rastreabilidade e descumpriram decisões do STF. Ele condicionou o desbloqueio à identificação dos parlamentares responsáveis pelas indicações.
Sexta-feira, ao cobrar novas explicações, Dino rejeitou o argumento da Câmara sobre a distinção entre “aprovação” e “indicação” de emendas. Segundo ele, não há base normativa que justifique a alegação de que a destinação de recursos por comissão permanente ou temática da Casa não precisa de aprovação formal.
“Lembro que não existem, no ordenamento jurídico pátrio, ‘emendas de líderes’. A Constituição Federal trata exclusivamente sobre ‘emendas individuais’ e ‘de bancada’, enquanto que as ‘emendas de comissão’ são reguladas pela Resolução n.º 001/2006, do Congresso Nacional, e, mais recentemente, pela Lei Complementar 210/2024”, escreveu o ministro na decisão.
EMENDAS DE COMISSÃO
As emendas bloqueadas por Dino são do tipo RP-8, conhecidas como emendas de comissão. Essas emendas são indicadas por 1 ou mais parlamentares a cada comissão permanente, que as aprova. Contudo, o conjunto de emendas aprovado pela Câmara e enviado no último dia 12 ao governo federal — responsável pela execução dos recursos — não identifica os parlamentares que fizeram as indicações.
Em vez disso, 17 líderes de bancada aparecem no ofício como os responsáveis pelas emendas.
No primeiro documento encaminhado sexta-feira ao Supremo, Lira já havia escrito que o procedimento adotado, com a assinatura de 17 líderes de bancadas, foi considerado legal e respaldado por órgãos e ministérios do governo.
A Câmara destacou que o ofício encaminhado ao Executivo ratificou as indicações de emendas já aprovadas pelas comissões, e não serviu para a “criação ou aprovação de novas emendas à revelia das comissões”.
“EMENDA DE LÍDER”
Para Dino, porém, essa prática do “apadrinhamento” é inconstitucional, pois cria nova modalidade, as “emendas de líderes”, o que foi rechaçado pelo ministro. Além disso, de acordo com o magistrado, o artifício dificulta a identificação dos verdadeiros autores das emendas, o que viola os princípios de transparência e de rastreabilidade.
“Aproxima-se o final do exercício financeiro, sem que a Câmara forneça as informações imprescindíveis, insistindo em interpretações incompatíveis com os princípios constitucionais da transparência e da rastreabilidade, imperativos para a regular aplicação de recursos públicos”.
O STF havia liberado a execução das emendas no início de dezembro com a condição de que os pagamentos seguissem regras de transparência e controle público. A Câmara, porém, manteve o regime de apadrinhamento por meio dos líderes das bancadas, em mecanismo que continua ocultando os parlamentares por trás das indicações.
Por ordem de Dino, a PF (Polícia Federal) abriu inquérito para investigar a “captura” de emendas.
GRANJA DO TORTO
Ainda na sexta-feira, Lula se reuniu com o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), favorito para suceder Lira no comando da Câmara, em 2025. O encontro, que não constou da agenda oficial do presidente, tratou de vários assuntos, dentre esses o impasse das emendas, que envolve o STF e o Congresso.
A reunião foi realizada na Granja do Torto, uma das residências oficiais da Presidência. Além de Motta, participaram o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). O clima do encontro foi amistoso. Desde que Lira anunciou Motta como seu sucessor, Lula não havia convidado o paraibano para reunião particular.
INFORMAÇÕES NÃO VERDADEIRAS
O presidente da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados, deputado José Rocha (União Brasil-BA), disse em entrevista à Folha de S.Paulo, nesta sexta-feira, que as emendas parlamentares do colegiado temático não foram deliberadas pelos deputados e que não existem atas de aprovação das indicações das referidas emendas.
Os documentos foram requisitados pelo ministro Flávio Dino, até às 20h de sexta-feira, caso existam, como uma das condições para a Câmara viabilizar os empenhos das emendas relativas ao corrente ano.
Rocha, que foi convocado pela PF para falar no inquérito que investiga o tema, disse que tais emendas nunca foram deliberadas pelo colegiado e que o chefe da Câmara, Arthur Lira, deu informações que “não procedem e não são verdadeiras” ao STF.
“PASSA MOLEQUE” NO STF
“Ele [Lira] não enviou para a comissão aquilo que o próprio ministro [Flávio Dino] passou a solicitar, que mandasse os autores das indicações e os objetos das emendas”, afirmou.
O deputado também disse que solicitou ao presidente da Câmara e fez comunicado ao colégio de líderes para que identificassem os beneficiários, autores e objetos destas emendas, mas que isso não foi feito.
Depois disso, contou que convocou reunião da comissão para dia 12 de dezembro para que a lista fosse deliberada pelo colegiado, mas que o encontro foi suspenso por Lira até o final do recesso.
Rocha afirmou também que recebia lista pronta com os direcionamentos das emendas de assessora de confiança de Lira.