
A palavra fome sintetiza o inferno em que a agressão israelense transformou Gaza e desafia a Humanidade, enfatiza o secretário-geral da ONU, Antonio Guterrez
A Faixa de Gaza entrou oficialmente na fase crítica de fome apontando para uma catástrofe humanitária, alertou o Comitê de Revisão da Fome, um painel de peritos internacionais responsável pela Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC), que atua como monitor global da fome apoiado pela ONU.
“A fome está confirmada na província de Gaza e prevê-se que se propague às províncias de Deir al-Balah e Khan Younis até ao final de setembro. Após 22 meses de conflito incessante, o ONU computa 641.000 de palestinos na Faixa de Gaza enfrentando fome, miséria e risco de morte iminente. Outras 1,07 milhões de pessoas — mais de metade da população — enfrentam níveis de emergência de insegurança alimentar aguda”, afirmou.
A fome de Gaza chegou na Fase 5 do IPC, a mais grave, e é definida como “uma situação em que pelo menos uma em cada cinco famílias sofre escassez extrema de alimentos, enfrentando fome e dificuldades, resultando em níveis criticamente elevados de subnutrição aguda e mortalidade”.
O Comitê alertou que acabar com a fome é uma corrida contra o tempo. “Um cessar-fogo imediato e o fim do conflito são cruciais para salvar vidas e pôr fim ao sofrimento catastrófico em Gaza”, enfatizou.
“Há fome generalizada em Gaza, em pleno no século 21. Uma fome que se desenvolve sob o olhar de drones e da tecnologia mais moderna. Uma fome promovida abertamente por alguns líderes israelenses como uma arma de guerra. A fome de Gaza é prevenível, algo que se desenvolveu sob o nosso olhar e deve nos assombrar”, afirmou o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Tom Fletcher.
“É uma fome causada pela crueldade, justificada com vingança, habilitada pela indiferença e sustentada pela conivência. Chega. É necessário um cessar-fogo e a abertura das fronteiras. É tarde demais para muitos [palestinos]. Deixem-nos entrar [em Gaza]”, completou.
MILHARES DE CRIANÇAS SOFREM DE DESNUTRIÇÃO AGUDA
Segundo a ONU, toda a população com menos de cinco anos na Faixa de Gaza — mais de 320.000 crianças — corre risco de desnutrição aguda, devido à falta de água potável, substitutos do leite materno e alimentação terapêutica.
Mais de 270 pessoas morreram de desnutrição em Gaza desde o início da agressão de Israel em outubro de 2023. Isso inclui pelo menos 112 crianças.
A IPC assinalou que, até junho de 2026, pelo menos 132.000 crianças menores de cinco anos deverão sofrer de desnutrição aguda – o dobro da estimativa de maio deste ano. Isso inclui 41.000 casos graves de crianças com risco elevado de morte.
“Quase 55.500 mulheres grávidas e lactantes desnutridas também precisarão de resposta nutricional urgente”, acrescentou.
O IPC apontou que sua análise da sexta-feira abrangeu apenas a Cidade de Gaza, Deir al-Balah e Khan Younis, porque não foi possível classificar a província no norte de Gaza devido a restrições de acesso por conta das tropas de Israel e falta de dados.
“Como essa fome é inteiramente causada pelo homem, ela pode ser interrompida e revertida”, frisa o relatório, incentivando a ação dos países para impedir a manutenção desse quadro inumano.
As medidas prioritárias, segundo o painel de peritos, devem incluir a cessação imediata e sustentada das hostilidades em Gaza, garantias de acesso humanitário incondicional e seguro, assistência humanitária urgente e desimpedida em larga escala, proteção da população civil e das infra-estruturas críticas, e a restauração dos fluxos comerciais, dos sistemas de mercado, dos serviços essenciais e da produção local de alimentos.
ANTÓNIO GUTERRES: “PRECISAMOS DE UM CESSAR FOGO IMEDIATO”
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, observou que “precisamente quando parece não haver mais palavras para descrever o inferno que Gaza está vivendo, foi acrescentada uma nova palavra: ‘fome’. Isto não é um mistério: é um desastre provocado pelo homem, uma acusação moral e um fracasso da própria humanidade”.
O responsável da ONU descreveu esta situação como um “colapso deliberado dos sistemas necessários à sobrevivência humana”.
Para Guterres, “já não há desculpas”. “O tempo de agir não é amanhã, é agora. Precisamos de um cessar-fogo imediato, da libertação imediata de todos os reféns e de um acesso humanitário total e irrestrito”, instou.
O Diretor-Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, também fez eco das terríveis notícias.
“Esta desnutrição generalizada, causada pelo homem, significa que mesmo doenças comuns e geralmente ligeiras, como a diarréia, tornam-se fatais, especialmente para as crianças”, alertou.
Nas suas palavras, os bloqueios à ajuda humanitária devem terminar para que Gaza possa receber alimentos e medicamentos com urgência.
“Meses de alertas foram ignorados. A fome está agora confirmada na Cidade de Gaza. Trata-se de uma fome intencional, provocada pelo Governo de Israel”, constatou Philippe Lazzarini, Comissário-Geral da Agência das Nações Unidas para Refugiados da Palestina (UNRWA).