Mais da metade da população está exposta à enorme insegurança alimentar, aponta estuda da USP
Estudo elaborado pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) sobre a fome no Brasil aponta evidente piora da situação desde a vigência do governo de Jair Bolsonaro.
“A partir dos últimos anos da década passada, a insegurança alimentar voltou a crescer no Brasil. A fome está presente como nunca nas capas de jornais e reportagens do noticiário. São relatos e imagens diárias de brasileiros com pratos vazios, procurando ossos descartados ou revirando o lixo”, destacam os pesquisadores.
“A fome exibida nessas imagens, é claro, existe e é extremamente degradante. Entretanto, ela não é a única manifestação do fenômeno – e nem é a mais comum”, afirmam. “Os brasileiros que estão expostos à insegurança alimentar muitas vezes têm algum tipo de comida no prato, mas frequentemente sem a diversidade ou a quantidade necessária”.
Em 2020, após dois anos do desastroso governo de Bolsonaro, 55% da população do país têm algum grau de insegurança alimentar e quase 10% convivem com a insegurança grave. Com a crise econômica, agravada pela pandemia, este ano a insegurança alimentar e a fome podem ter aumentado ainda mais.
Os dados de 2020 mostram que pela primeira vez, desde o início dessa série histórica, há mais brasileiros em situação de insegurança alimentar do que em segurança.
A medição da fome da população, considerado pelo estudo, foi estabelecida em 2004, com a introdução da Escala Brasileira de Medida Direta de Insegurança Alimentar (EBIA) para mensurar a fome e a falta de acesso a alimentos.
Uma metodologia que considera que “a fome não se manifesta apenas quando a barriga ronca e não há comida na mesa”, mas quando a “insegurança sobre o dia seguinte é enorme” ou ainda quando há uma “preocupação com falta de alimentos no curto prazo”.
A pesquisa inclui entre os dois limites acima referidos, as situações de “insegurança alimentar leve” e “insegurança alimentar moderada”, num total de quatro categorias.
Em relação a 2013, quando a pesquisa monstra a situação mais favorável, com 77% da população com segurança alimentar, 13% com insegurança alimentar leve, 6% de insegurança alimentar moderada e apenas 4% com insegurança alimentar grave, fica evidente o gigantesco retrocesso.
O número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave no Brasil pulou de 8,8 milhões em 2013 para 19,1 milhões em 2020, mais que o dobro. Um retrocesso que jogou por terra conquistas obtidas pela população com os bem sucedidos programas Fome Zero e o Bolsa Família.
“Via-se a redução do investimento em serviços públicos que, somados a crises econômicas, tiveram efeitos rápidos na qualidade da alimentação da população. Em 2020, a pandemia de Covid-19 se soma ao desmonte dos programas sociais e intensifica o aumento da fome, que já ocorria de forma rápida”, assinala o estudo.
Retrocesso esses já detectados em 2018, depois da recessão dos anos de 2015 e 2016 e o aprofundamento das políticas neoliberais dos dois anos do governo Temer, quando a segurança alimentar fica em 63% ou queda de 14 pontos percentuais também em relação a 2013.
O estudo remonta ao destacado trabalho do médico e pesquisador Josué de Castro, pioneiro em estudar o fenômeno da fome no Brasil há 75 anos na obra “Geografia da Fome”, passando pelas fases de como se conseguia elementos através de indicadores de desnutrição infantil e dos indicadores históricos produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que em 1975 realizou a primeira medição dessa mazela na sociedade brasileira.
Destacando que para Josué de Castro o fenômeno da fome e da miséria são consequência de ações humanas e políticas, o estudo ressalta que “os avanços e recuos no combate à fome são consequência direta do modelo econômico e da construção de políticas públicas” e que a “institucionalização das políticas de combate à fome, cujas bases haviam sido estabelecidas no trabalhismo de Getúlio Vargas”, teve forte influência do pesquisador.