A fome e a miséria que já castigavam a Colômbia têm se agravado muito nos últimos dias com a disseminação do coronavírus, obrigando milhares de famílias a pedir socorro por meio de pedaços de pano ou camisetas vermelhas amarradas nas suas janelas.
O trágico pedido de SOS – hoje popularizado por todo o país – teve início na cidade de Soacha, nos arredores de Bogotá, onde vivem cerca de 50 mil famílias pobres. O local ficou marcado pois foi ali onde anos atrás o Exército capturou um grupo de meninos pobres, os vestiu de guerrilheiros e os assassinou para justificar a ampliação de verbas e a promoção na carreira. É este o município reduzido hoje a um “amontoado de trapos vermelhos”, como descreve a imprensa local.
“Se você vê um pano vermelho na porta de seu vizinho, isso significa um pedido de solidariedade”, alerta um anúncio da prefeitura de Soacha, responsável pela estratégia que tenta mobilizar contra o pior.
− Boa tarde, vizinha − diz uma mulher no vídeo da campanha, ao aproximar-se de dois idosos. − É que vi seu paninho vermelho e trouxe uma ajudinha.
− Obrigado, que Deus a abençoe − responde outra, que beija um saco de arroz.
O governo buscou se contrapor aos panos vermelhos que denunciam a calamidade explícita vivenciada por milhões de colombianos vendendo a falsa imagem de controle e estímulo da bandeira nacional, mas foi visivelmente derrotado. As dezenas de trapos vermelhos que tomam conta do edifício de 14 andares da Praça La Hoja, no centro de Bogotá, onde vivem vítimas do conflito armado, são um enorme grito de fome.
A mesma imagem se multiplica nos bairros populares da capital, de Medellín, e das principais cidades, onde se repetem cotidianamente os panelaços e as pessoas erguem bandeiras brancas pintadas de vermelho e cantam o hino nacional. “Somos uma família de nove pessoas e não estamos em nenhuma lista do governo, tenho uma mulher grávida e duas crianças em casa e não tenho nada para alimentá-las. Por isso estou aqui”, dizia uma mulher enquanto sacudia uma camisa vermelha de pontos brancos, numa manifestação no bairro de Bosa Porvenir, em Bogotá.
De acordo com os levantamentos, 45% dos colombianos vivem na informalidade e com a quarentena obrigatória ficaram sem sustento. Como alertou o prefeito de Soacha, Juan Carlos Saldarriaga, “podem morrer mais pessoas de fome do que pelo coronavírus”.
Em Envigado, a cidade mais rica da Colômbia, a prefeitura pendurou um pano branco na entrada da sede administrativa para deixar claro que a situação é extremamente grave e necessita de ação por parte do governo federal. “Nós nos unimos a essa iniciativa popular para pedir uma ajuda mais ágil do governo nacional e dos empresários”, disse o prefeito Braulio Espinosa.
A “estratégia do pano vermelho”, como foi chamada a iniciativa, tem fortalecido a solidariedade na população ao mesmo tempo em que reforça o protesto. O governo de Iván Duque anunciou um subsídio irrisório de 160.000 pesos (R$ 210) e a prefeitura de Bogotá, um de 423.000 pesos (R$ 524) a apenas 350.000 famílias. A ajuda não foi oferecida a todos os necessitados e, para os que receberam, a ampliação da quarentena faz com que seja completamente insuficiente. “Quando íamos chegando, as pessoas gritavam: ‘Chegou o pessoal do censo, ponham o pano vermelho para ver se nos dão alguma coisa’”, contou um jovem funcionário da prefeitura de Bogotá, em Cidade Bolívar.
Até domingo o país somava oficialmente – pois há denúncias de uma enorme subnotificação – 179 mortos e 3.792 contaminados, com Bogotá, Valle del Cauca, Antióquia e Cundinamarca liderando a trágica lista.