O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), comemorou o fracasso da venda da Cessão Onerosa e disse que “a Petrobrás salvou o leilão”
O “megaleilão” da área excedente da Cessão Onerosa do Pré-Sal, badalado como “grande acontecimento” pelo ministro Paulo Guedes e por Jair Bolsonaro, fracassou. A expectativa do governo era arrecadar R$ 106 bilhões com a venda dos quatro campos de petróleo, Búzios, Itapu, Sépia e Atapu, mas apenas os dois primeiros foram adquiridos.
Búzios foi adquirido pelo consórcio formado pela Petrobrás, com 90% das ações, e duas empresas chinesas, CNOOC e CNODC, cada uma com 5% de participação, e o segundo, pela Petrobrás sozinha. Sépia e Atapu nem receberam ofertas.
Das 14 petroleiras inscritas no “megaleilão”, apenas sete apareceram nesta quarta-feira. Nenhuma apresentou lance. O valor final arrecadado ficou em apenas R$ 69,96 bilhões. A Petrobrás será responsável por quase todo o valor arrecadado. Os chineses, que têm 10% do consórcio vencedor em Búzios, contribuirão com R$ 6,8 bilhões.
Localizada na Bacia de Santos, Búzios é considerada a maior descoberta brasileira de petróleo, com reservas que podem chegar a 13 bilhões de barris, praticamente a mesma reserva do Campo de Libra, leiloado no governo Dilma, e quase o mesmo volume que o Brasil tem hoje em reservas provadas.
Dos cerca de R$ 70 bilhões, R$ 34,2 bilhões serão repassados à Petrobras como ressarcimento por mudanças no preço do petróleo após a assinatura do contrato de cessão onerosa. A União ficará com apenas R$ 23 bilhões e estados e municípios dividirão outra parte, ficando cada um com R$ 5,3 bilhões. O Rio receberá somente R$ 1,1 bilhão.
CAUSAS DO FRACASSO
Já há toda uma discussão sobre as causas do rotundo fracasso. Uns dizem que o Brasil deveria ser mais gentil e baixar ainda mais os preços. Chegam a reclamar que os compradores estrangeiros não apareceram porque teriam que ressarcir a Petrobrás pelos investimentos já feitos pela estatal na área leiloada.
Outros observadores mais realistas percebem que ninguém sente firmeza num governo protofascista como o de Bolsonaro. Ao contrário do que ele apregoou na solenidade de 300 dias de governo, ocorrida na véspera, o mundo desconfia seriamente da longevidade desse desgoverno de lunáticos, milicianos e terraplanistas.
Os que defendem baixar ainda mais os preços e abrir mão da indenização à Petrobrás não têm a menor cerimônia em prejudicar ainda mais a estatal brasileira. Aliás, esses não queriam nem que ela participasse do leilão. A Petrobrás fez investimentos pesados na região e já produz 600 mil barris diários de óleo equivalente na área.
A Petrobrás tem 40 anos para concluir a produção dos 5 bilhões de barris da cessão onerosa. Como as petroleiras que entrassem teriam que ressarcir os investimentos feitos pela Petrobrás ou aguardar o fim do prazo dado à estatal, o governo propôs que elas negociassem diretamente com empresa brasileira o direito de antecipar a produção. Isso teria um custo ainda incerto.
A Petrobras já instalou quatro FPSOs – sigla em inglês que quer dizer “navio-plataforma que pode produzir, armazenar e transferir petróleo e gás”. São eles P-74, P-75, P-76 e P-77. Todos no campo de Búzios. As múltis reclamaram, afinal, seu plano era enfiar o canudo e começar imediatamente a levar o petróleo, sem precisar desembolsar muita coisa.
NOTA TÉCNICA
Como disseram Ildo Sauer, professor da USP, e Guilherme Estrella, ambos ex-diretores da Petrobrás, em Nota Técnica do Instituto de Energia e Ambiente da USP, divulgada na semana passada, a venda prevista dos blocos do Pré-Sal pelo sistema de partilha de produção, comparado a uma contratação direta da Petrobrás para explorar o petróleo da região, significaria uma perda de R$ 1,2 a R$ 1,6 trilhão por parte dos cofres públicos.
Ou seja, as petroleiras multinacionais ganhariam muito dinheiro no lugar da Petrobrás. Mas, nem esse “negócio da China” superou a desconfiança que toma conta do mundo, e dos investidores, sobre a capacidade política e mental de Bolsonaro seguir por muito tempo à frente do governo brasileiro.
No sistema defendido por Ildo Sauer, e que é permitido por lei, a Petrobrás, empresa líder na tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, seria contratada pela União para a exploração de toda a Cessão Onerosa e não apenas os 5 bilhões de barris inicialmente negociados. A União pagaria os custos de produção e acertaria a obtenção pela estatal de uma taxa de lucro satisfatória.
Com isso, todo o restante seria revertido em lucro para a Nação. Esse excedente poderia abastecer fundos de investimentos em infraestrutura, Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Transição Energética, etc. Com o sistema de partilha de produção e o sistema de concessão, esse valor recebido pela União é muito menor.
ILDO: PETROBRÁS TEM RECURSOS PARA EXPLORAR PRÉ-SAL
O professor Ildo Sauer destaca ainda que o leilão da Cessão Onerosa desta quarta-feira desmontou um outro velho pretexto dos entreguistas para combater a exploração do Pré-Sal pela Petrobrás. O de que a estatal não teria recursos para os investimentos. Agora ela ganhou praticamente sozinha os campos leiloados. E já está produzindo na região.
Neste caso, do leilão desta quarta-feira, onde e Petrobrás está participando com 100% de um campo e com 90% no outro, fica mais evidente ainda que o contrato direto da estatal é melhor do que o regime de partilha. A partilha acaba sendo feita pelo menor percentual para a União. Como aponta o professor Ildo Sauer, “com a partilha, perdeu a União e vão ganhar mais os acionistas privados da Petrobrás, que detém 52% das ações da empresa”.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), comemorou o fracasso da venda da Cessão Onerosa e disse que “a Petrobrás salvou o leilão”. “A Petrobrás, tão atacada pelos entreguistas que se disfarçam de verde e amarelo, salvou o ‘megaleilão’ hoje. Deveria servir de reflexão para quem acredita que o setor privado puxará investimentos. Isso nunca aconteceu no mundo. Sem setor público forte não há investimentos”, destacou o chefe do executivo maranhense, em seu twitter, nesta quarta-feira (06).
CIRO: VALEU A LUTA!
Outro que também destacou o fracasso do leilão foi o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT) que chamou os entreguistas do governo de “criminosos e vendilhões”. Ciro também comemorou o fiasco do governo Bolsonaro.
“Valeu muito a luta! Fracassou a tentativa vil de entregar totalmente o petróleo que pertence aos jovens e às crianças brasileiras: o consórcio liderado pela Petrobrás arrematou o maior campo. Nacionalizar não será mais tão difícil! Parabéns a quem lutou ! Deus é grande!”, disse Ciro, em seu twitter, nesta quarta-feira (06).
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também avaliou que o resultado foi “negativo” e que o setor privado “fugiu do leilão”. Em conversa com jornalistas nesta quarta-feira (06/11/2019), Maia disse também que o resultado foi aquém do esperado para estados e municípios, já que o governo federal prometeu dividir os lucros do leilão com os entes federativos.
Já os integrantes do governo Bolsonaro estão desconsolados pelo fato das multinacionais não terem aparecido. O próprio Bolsonaro tinha dito na véspera que os investidores estavam acreditando mais no Brasil depois que ele assumiu o governo. Chegou a comemorar que o príncipe da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman (aquele que esquartejou o jornalista saudita que fazia críticas ao governo), teria dito pessoalmente a ele que os brasileiros “não voltariam de mãos abanando” da viagem que fizeram àquele país. Bolsonaro ficou feliz da vida com a promessa do príncipe de arranjar US$ 10 bilhões.
“O mundo está olhando para nós e acreditando em nosso governo”, disse Bolsonaro. O desastre do leilão foi uma ducha de água fria nesse discurso.
O presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, um privatista colocado no comando da empresa para sabotá-la, também reclamou da baixa participação das tão esperadas petroleiras multinacionais. “O Brasil tem muitas complexidades na questão da regulação da indústria do petróleo que devem ser discutidas. O país tem que ser mais simples. Menos instabilidade, mais desenvolvimento econômico”, acrescentou o entreguista de plantão.
NOVAS OFERTAS
O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, tentou minimizar a ausência das esperadíssimas empresas estrangeiras e prometeu fazer novas concessões para tentar atraí-las. Ele acha que as áreas que não foram adquiridas podem ser oferecidas novamente ao mercado. O ministro acenou que com “o novo leilão de cinco campos do pré-sal nesta quinta-feira (7/11), o governo vai avaliar a participação de empresas estrangeiras, para verificar se será necessário ‘rever a metodologia’ para as próximas ofertas”.
O presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, disse que a participação da Petrobrás no leilão teve impacto na decisão de outras empresas participarem. “O fato da Petrobrás ser a companhia que tem prioridade para escolher operação inibe a concorrência”, reclamou ele, em entrevista coletiva.
Estavam presentes, além dele e do ministro Albuquerque, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, a secretária especial do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), Martha Seiller, o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), Raimundo Carreira, e o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
SÉRGIO CRUZ