
Economista, ao defender o congelamento do salário mínimo por 6 anos, provocou generalizadas críticas e revelou recorrente alinhamento com os interesses apodrecidos do rentismo no Brasil
O economista Armínio Fraga, conhecido e reconhecido por suas posições neo ou ultraliberais desde os tempos em que presidiu o Banco Central do governo FHC (1999/2002), marcado por acelerar a política fiscalista e desacelerar ao máximo o desenvolvimento econômico do país, ganhou notoriedade esta semana na grande mídia, especialmente naquela que se simpatiza com suas opiniões, quando defendeu em alto e bom som o congelamento do salário mínimo no Brasil pelo período de 6 anos.
Não explicou exatamente o motivo para estancar o piso nacional básico por 6 anos. Por quê não 7, 8 ou 20 anos, sr. Fraga? Afinal, para quem não tem a sua renda atrelada ao mínimo, que diferença faz. Rigorosamente, nenhuma.
O motivo é enganoso, como sempre: a defesa da Previdência Social, cujo déficit, segundo o economista, tem se agravado “assustadoramente” diante do reajuste do salário mínimo.
A proposta de Fraga chega a ser pior que a da dupla Bolsonaro/Guedes, cujos 4 anos à frente da economia nacional promoveram grandes tragédias, entre as quais a reposição apenas da inflação com o uso do INPC.
Ele sugere congelar o piso nacional e que o governo passe a ignorar os efeitos da inflação sobre a renda dos que menos ganham no país, responsável pela redução expressiva da quantidade de comida que os brasileiros consomem todos os meses (veja matéria com os dados do DataFolha: https://horadopovo.com.br/com-preco-em-alta-58-dos-brasileiros-reduzem-a-compra-de-comida-aponta-datafolha/)
Diante desse cenário demonstrado na pesquisa, feita uma projeção da proposta de Fraga por 6 anos, muitos brasileiros certamente perecerão ao longo do tempo, pois não terão o que comer caso implementado o arrocho cavalar proposto pelo economista.
O déficit previdenciário, por óbvio, é também motivado pelo envelhecimento da população, ou seja, pelo fato dos brasileiros estarem vivendo mais, o que parece incomodar Fraga. Pela sua lógica ultraliberal, melhor seria que morressem mais cedo para não desequilibrar a relação entre receitas e despesas da Previdência pública, como se o objetivo desse sistema de contribuição, baseado no princípio da solidariedade entre a força de trabalho ativa e a inativa, fosse o encontro pleno de contas. A proposta, na prática, ignora, solenemente, o papel social da Previdência no País e os fatores que estão levando a esse desequilíbrio que tanto atormenta fiscalistas da estirpe do sr. Fraga.
Um deles é o crescimento da informalidade no Brasil nas últimas décadas e a crescente precarização nas relações entre capital e trabalho, que fazem com que milhões de trabalhadores estejam no subemprego e fora da CLT, submetidos a contratos precaríssimos, temporários, intermitentes, seja o que for, apartados, por conta do achatamento da renda, de qualquer contribuição previdenciária. Muitos, ou contribuem, ou comem; ou contribuem, ou não pagam a conta de luz, ou compram o botijão de gás. Essa é a realidade de milhões de brasileiros, também ignorada pelo ex-presidente do BC.
Fraga, no entanto, não escondeu a motivação de sua nova aparição midiática, cevada por muitos holofotes da imprensa que adora a surrada narrativa da responsabilidade fiscal.
“Eu acho que precisa de uma reforma grande. Uma boa já seria, provavelmente a mais fácil, congelar o salário mínimo em termos reais. Seis anos congelados já ajudaria”, declarou durante a realização de um fórum chamado Brazil Conference, realizado, não por acaso, nos EUA, onde emergiu e se espraiou pelo mundo afora a necessidade de nações periféricas do capitalismo e em desenvolvimento, como o Brasil, adotarem políticas rígidas de controle fiscal, sobretudo sobre os gastos e investimentos públicos, deixando livre e às expensas do deus-mercado os encargos da dívida pública interna, que cevam os especuladores de todo tipo e que já consomem quase R$ 1 trilhão por ano só em juros.
O economista não revela, embora saiba, que esses gastos com a dívida nominal (juros) já representa, por conta das taxas alucinantes promovidas pelo COPOM do BC, hoje as maiores praticadas em todo mundo, um valor correspondente ao que se gasta com a Previdência Pública.
O projeto orçamentário enviado pelo governo ao Congresso Nacional determina R$ 1,007 trilhão em gastos com a Previdência no exercício de 2025, ou seja, consumimos em juros com os agiotas e rentistas de toda espécie, em que se notabilizam os bancos, nacionais e forâneos, praticamente a mesma cifra com 41 milhões de aposentados e pensionistas, cujos valores não podem ultrapassar a modesta cifra de R$ 8.157,41.
Todavia, 70% desses benefícios são limitados a um salário mínimo, a fantástica soma de R$ 1.518, valor que o sr. Fraga quer congelar até 2032. Mas, seriam atingidos também, além dos aposentados e pensionistas, os beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Segundo ele, na contramão do que tem dito e pregado o presidente Lula, é urgente retirar essa gente pobre do orçamento da União via congelamento do piso nacional.
Na mesma linha fiscalista, defendeu a necessidade de redução dos salários do funcionalismo público, em todas as suas esferas.
“O Estado brasileiro precisa passar por um processo de reforma, o RH do Estado brasileiro, radical. […] Há um espaço enorme para não só economizar, mas para melhorar”, afirmou, na surrada ladainha de sempre.
Fraga também requentou a velha narrativa de que o Estado nacional concede muitos subsídios e incentivos fiscais que somam 7% do PIB, sem especificar nada sobre algumas políticas que buscam fortalecer setores da economia nacional e proteger empregos e salários, aliás, o que fazem, com muito mais peso na relação com seus PIBs, a maioria dos países do centro capitalista mundial na defesa de suas empresas e empregos. Mas, sobre isso, nenhuma palavra do economista.
Sobre o arcabouço fiscal, aprovado ainda em 2023 e considerado a âncora da política econômica coordenada pelo ministro Fernando Haddad, ele também deu uma opinião: “é insuficiente”, mesmo agora, com os ajustes feitos no último pacote enviado por Haddad ao Congresso e já aprovado para 2025, que, além dos cortes em vários programas governamentais, represou o salário mínimo a 2,5% acima da inflação, ainda que com a economia em expansão, algo que já não vem acontecendo desde os últimos meses de 2024.
Para enganar o incautos, Fraga apresenta a motivação do corolário de propostas apresentadas: “A gente tem que buscar esse dinheiro todo para ter uma taxa de juros normal no Brasil e também para gastar melhor”, afirmou, ou seja, até mesmo os monstruosos encargos financeiros do governo tem uma só causa: as aposentadorias, as pensões, o Bolsa Família, o BPC, o funcionalismo público e os incentivos fiscais.
Não teria passado pela cabeça do iluminado acabar de vez com o estado nacional para sensibilizar a turma do Banco Central a reduzir os juros? Afinal, qual o motivo de toda essa gastança…
É duro, prezado leitor, mas, ao fim e ao cabo, o raciocínio do sr. Fraga não deixa outra escapatória.
Quanto às grandes fortunas, aos dividendos dos especuladores das bolsas, aos juros pornográficos, como diria o velho Brizola, que remuneram quem não produz um único prego no país, nenhuma palavra, afinal, ao fim e ao cabo, são os membros dessa casta da elite brasileira que remuneram, direta ou enviezadamente, suas consultorias, formais ou não, como a prestada na última entrevista que indignou os que a viram, principalmente economistas que alinham a sensibilidade social à sua formação técnica.
MÍNIMO DO BRASIL ESTÁ NA RABEIRA NA AMÉRICA LATINA
Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e levando-se em conta dados de 2024, o salário mínimo real cresceu em 15 economias da América Latina e do Caribe, com aumento superior a 3% na Colômbia, México, Nicarágua e Trinidad e Tobago, de acordo com Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe. No entanto, cinco países registraram queda nos salários mínimos reais — com reduções superiores a 10% na Argentina e no Haiti. As informações são da agência de notícias Bloomberg Línea.
No Brasil, o salário mínimo passou de R$ 1.412 (US$ 227) para R$ 1.518 (US$ 244,7) em 2025, o que significou um aumento equivalente a 7,5%. Mesmo assim, o País, neste ano, quando os valores são convertidos em dólar, encontra-se na rabeira da tabela, superando apenas a Argentina e El Salvador, mas com diferenças muito pequenas. Estamos atrás de praticamente de todas as economias da região, muito mais atrasadas e subdesenvolvidas.
Confira abaixo como estão os salários mínimos neste começo de ano em países da América Latina e Caribe.
Salários mínimos na América Latina no início de 2025

Imagine, leitor, como estará o Brasil daqui a 6 anos na hipótese da proposta alucinada do sr. Fraga vingar…
PROPOSTA “ELITISTA, CRUEL E INACEITÁVEL”
Não por acaso, a Associação Brasileira dos Economistas pela Democracia (ABED) divulgou nota repudiando as declarações de Fraga e qualificando a proposta como “elitista, cruel e inaceitável”.
“Mais uma vez, setores das elites financeiras brasileiras tentam jogar o peso do ajuste fiscal nas costas dos trabalhadores, poupando a si próprios de qualquer responsabilidade. É a velha lógica de sempre: o povo paga a conta, enquanto os rentistas continuam sangrando o país com juros escorchantes e lucros recordes”, afirmam os economistas.
“Fraga e seus pares evitam tocar no verdadeiro problema fiscal brasileiro: o sistema de juros altos, a política monetária que favorece banqueiros, e os privilégios tributários de grandes fortunas e corporações. Em vez de enfrentar esses interesses, preferem mirar o salário mínimo – o principal instrumento de distribuição de renda e combate à desigualdade no Brasil”, acrescentaram.
Já a economista e professora da Unicamp Simone Deos é enfática ao dizer que a fala de Armínio Fraga não tem nenhum fundamento macroeconômico aceitável.
“O Brasil não é um ‘paciente na UTI’, de nenhum ponto de vista, e os nossos gastos públicos não estão, como ele diz, ‘totalmente descontrolados’. Não há nenhum estudo ou evidência que permita concluir que o país terá qualquer tipo de problema para ‘refinanciar’ a sua dívida interna. Isso não existe. Aliás, o que qualquer pesquisa pode evidenciar é que Armínio Fraga repete esses mesmos chavões – ‘o país vai quebrar’, ‘o paciente está na UTI’, ‘temos um rombo fiscal’- há décadas, e que nada do que ele previu aconteceu”, sentenciou Deos.
Segundo a economista Camila Ugino, a proposta de Fraga é “absurda”. “Primeiro porque desconsidera os avanços da economia e os aumentos de produtividade. A gente sabe bem que, numa visão bastante simplista e liberal de formação de preços, o salário reflete os aumentos de produtividade, os ganhos de produtividade. Então, já tem um equívoco”.
TERRORISMO PREVIDENCIÁRIO
O fato é que, desde que a malfadada PEC 287 foi apresentada ao Congresso Nacional em 2016, durante o famigerado governo Temer, todo santo dia os jornais aterrorizam a população em relação à necessidade de aprovar tal contrarreforma, como se os poucos direitos dos trabalhadores tivessem alguma relação com o rombo das contas públicas no país.
“Na realidade, o rombo das contas públicas decorre dos elevadíssimos gastos financeiros sigilosos, pois sequer sabemos o nome de quem recebe os juros mais elevados do mundo sobre a opaca dívida pública que nunca foi auditada; ou quais bancos recebem (em valores atuais) 1 trilhão de reais para remunerar diariamente e ilegalmente a sua sobra de caixa; ou quem recebeu os fabulosos ganhos com contrato de swap que nem cambial é, segundo brilhante representação feita por auditor do TCU (TC-012-015-2003-0), entre outros mecanismos que geram dívida pública enquanto os recursos vazam para o setor financeiro”.
A opinião é da especialista em Orçamento e Previdência, Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, lembrando que narrativas como a de Fraga “não leva em conta que as pessoas que hoje estão aposentadas efetuaram as suas contribuições no passado, as quais foram usadas para construir Brasília, Ponte Rio–Niterói, a siderúrgica CSN e muitas coisas mais! Cadê o crédito decorrente desse uso dos recursos da Previdência?”, questiona.
E acrescenta: “Onde está escrito que somente trabalhadores e empregadores deveriam financiar a Previdência, sem levar em conta os créditos passados? Em lugar algum!”
Fatorelli explica:
“A Previdência está inserida na Seguridade Social, juntamente com a Assistência Social e a Saúde, conforme está escrito no Art. 194 de nossa Constituição Federal. Essa proteção social é tão importante que os constituintes cuidaram de estabelecer fontes de receitas diversas, pagas por toda a sociedade”.
E continua:
“Quando a conta é feita honestamente, computando-se todas as fontes de receitas e todas as despesas com a Seguridade Social, verificamos que o discurso do “déficit” é fake!”
Segundo ela o que existe é “sobra”, quando se leva em conta todas essas fontes de receita, cujos valores, ao longo das últimas décadas, “foi desviada para os sigilosos gastos financeiros com o sistema da dívida, que consomem cerca de metade do orçamento federal anual… A sobra de recursos poderia ser ainda maior, pois grandes empresas e bancos são devedores de contribuições sociais, mas faltam investimentos na administração tributária para viabilizar a sua cobrança”.
E defende:
“É preciso enfrentar esse necessário debate de maneira honesta. A distorcida conta do falacioso “déficit” não pode servir de justificativa e utilizado como pretexto para favorecer o mercado financeiro com a proliferação dos planos de previdência privada que não oferecem garantia alguma de pagamento de benefício futuro à classe trabalhadora; podem simplesmente quebrar ou desaparecer, como vimos nos Estados Unidos e Europa”.
Espera-se, apenas, prezado leitor, que as declarações de Fraga sirvam, no futuro, somente para inspirar a criação de um novo personagem ao estilo de Justo Veríssimo, o político corrupto concebido pela genialidade de Chico Anysio e conhecido nacionalmente pela célebre frase “eu quero que o povo se exploda”. O bordão do grande comediante brasileiro caberia como uma luva ao serviçal caso tivesse sido pronunciado na entrevista que concedeu.
MARCO CAMPANELLA