Macron prometeu falar aos franceses após quatro grandes manifestações em todo o país. Estudantes marcaram protestos para quinta-feira (13) e a CGT prepara greve de um dia na sexta-feira (14). 66,7% apoiam os protestos
A França está à espera do pronunciamento do presidente Emmanuel Macron, previsto para esta segunda-feira (10), para saber se a crise evidenciada pelos “coletes amarelos” seguirá se agravando. Pelo quarto sábado consecutivo, dezenas e dezenas de milhares de pessoas, na França inteira, repudiaram nas ruas e estradas o arrocho de Macron, seu acintoso favorecimento dos ricos, sua arrogância e indisfarçável desprezo pela gente simples.
Embora em escala menor do que no fim de semana anterior, confrontos voltaram a marcar Paris e outras cidades, como Tolouse, Bordeaux, Lyon e Marselha, apesar do gigantesco aparato policial, de quase 90 mil homens, que incluiu até blindados da Gendarmeria na capital.
ATUALIZAÇÃO
Os manifestantes bradaram a plenos pulmões “Macron Démission” [Macron Demissão], “Macron Fils à Maman” [Macron filho de Mamãe] e “Vai Cair”, empunharam bandeiras tricolores, cantaram A Marselhesa, marcharam até prefeituras e ainda fecharam estradas e praças de pedágio. Foram bloqueadas também as ligações por rodovia com a Espanha, Bélgica e Itália. Segundo o Ministério do Interior, com dados atualizados neste domingo (9), foram feitas 1.723 detenções e 1.220 ficaram sob custódia e há 135 feridos, inclusive jornalistas, atingidos por balas de borracha da tropa de choque.
Sobre o número de manifestantes no sábado, a polícia admitiu agora que foram 125 mil em todo o país – e não 31 mil como divulgara – e 10 mil em Paris.
Estudantes, sindicalistas da CGT e parlamentares da oposição engrossaram os protestos dos “coletes amarelos” e em vários locais os verdes da “marcha pelo clima” também convergiram, demonstrando o fracasso do governo Macron em tentar isolar os “coletes”, responsabilizando-os pelas depredações na Cidade Luz no sábado anterior, as maiores em 50 anos, com mais de uma centena de veículos incinerados, lojas saqueadas e até pichações no Arco do Triunfo.
Pesquisas de opinião revelam o isolamento de Macron, cuja popularidade encolheu para 23%, em contraste com o apoio aos “coletes amarelos”, que é de 2 em cada 3 franceses, segundo o Le Monde.
O “colete amarelo” – a veste fluorescente que é obrigatória a todo motorista para uso em situação de risco na estrada – tinha tudo para virar, como virou, um ícone do arrocho que aflige os franceses, e cujo aprofundamento se tornou a missão de vida do ex-funcionário dos Rothchilds, Macron. Foi imposto em 2008, ano do crash financeiro, que desaguou na crise de 2010 dos bancos europeus e seu dano colateral, o “austericídio” de Merkel, e ainda ostenta um carimbo CE: Comunidade Europeia.
São eloquentes os depoimentos desses manifestantes, muitos deles marinheiros de primeira viagem. “Temos que mudar a República”, disse uma manifestante à CNN. “As pessoas aqui estão famintas. Algumas pessoas ganham apenas 500 euros por mês, que não dá para viver. Queremos que o presidente vá embora”, acrescentou.
O aumento no diesel, sob pretexto do “imposto ecológico”, foi a gota d’água. Sob o arrocho que sufoca a imensa maioria, mais o corte nos gastos públicos, e cada vez sobrando mais mês no final do salário ou da aposentadoria, e com Macron tendo aliviado os ricos extinguindo o imposto sobre fortunas mal tomou posse, a indignação correu as redes sociais e explodiu nas ruas.
Nas primeiras mobilizações, eram basicamente pessoas de meia-idade, aposentados, pequenos empreendedores, particularmente nas áreas rurais e cidades médias, onde o transporte coletivo é mais débil e a necessidade de poder manter um veículo é mais premente.
Além do imposto, também iria se penalizar a partir do próximo ano a posse de carros mais antigos, o que supostamente seria compensado por subsídios para aquisição de carros elétricos que, pelo preço, são inacessíveis a grande parte dos prejudicados.
As mobilizações abrangeram, ainda, bloqueio de refinarias.
Quando Macron afinal recuou, já era “muito pouco” e “muito tarde”, com o movimento abraçando questões mais de fundo e com gana do “presidente dos ricos”, apelido que pegou nele como uma tatuagem. O que foi sintetizado por uma pichação vista em Paris: “quem semeia a miséria, colhe a cólera”.
O que também foi detectado pelo Instituto YouGov, que revelou que 87% dos entrevistados consideram a distribuição da riqueza desigual e 55% querem a dissolução da atual Assembleia Nacional, controlada pelo partido prêt-à-porter de Macron.
Uma das razões dessa cólera é o evidente estelionato eleitoral de Macron, que foi eleito no segundo turno, com os votos de todos os setores democráticos, como um meio de barrar a Frente Nacional e Marine Le Pen, e passou a considerar que tinha recebido um cheque em branco para aprofundar as reformas neoliberais que afundaram nas urnas Hollande e os socialistas.
Macron, ao que parece, também cantou vitória antes do tempo sobre a resistência dos trabalhadores das ferrovias contra a privatização e o corte de direitos, ou sobre os estudantes secundaristas e sua luta contra a reforma elitista no acesso à universidade. Agora está sentindo o cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.
Para o dirigente do movimento anti-globalização Attac, Christophe Aguiton, “as reivindicações que cristalizam o movimento são o aumento do salário mínimo, o fim da desindexação das aposentadorias à inflação e a restauração do ISF [Imposto Sobre Fortunas] como símbolo de justiça”. Ele assinalou que “há pânico no topo do Estado”.
A semana promete. A oposição discute apresentar voto de confiança para pressionar o governo. A truculência contra 150 secundaristas em uma cidade da periferia de Paris na semana passada, que foram obrigados pela polícia a ficarem de joelhos e com as mãos na cabeça, prenuncia mais ocupações de escolas: “Estudantes e Coletes Amarelos: o mesmo Macron, a mesma luta”. A UNE francesa está convocando um protesto para quinta-feira (13). As entidades dos agricultores também anunciaram protestos.
“EMERGÊNCIA SOCIAL”
A CGT – mais importante central sindical francesa – está convocando para sexta-feira (14) um dia de greve e manifestações e conclamou o governo a aceitar uma negociação de verdade sobre a “emergência social” em curso. A central denunciou que, como país que é o terceiro maior no mundo e o maior da Europa em distribuição de dividendos aos acionistas, a França “tem recursos” para restabelecer a justiça fiscal. A CGT está exigindo o aumento da aposentadoria para 1.800 euros e elevação real do salário-mínimo. A entidade saudou a adoção, pelos “coletes amarelos”, da luta contra a precarização do trabalho e contra o aumento da idade de aposentadoria. Há quem tema que o movimento dos “coletes amarelos” seja capturado pela extrema direita e Trump até falou com um passarinho que lhe jurou que há multidões na França cantando “Quero Trump”, o que já virou chacota, da Normandia à Riviera. Uma das fotos que mais foram curtidas nas redes é a um grupo de “coletes amarelos”, diante do Arco do Triunfo, com uma enorme bandeira da França acrescida de três datas muito expressivas: 1789, 1968 e 2018. Há também o bom humor: grafite num muro de Paris, com a pichação “Presidente dos Ricos”, esclarecia: “por muito menos, já cortamos cabeças”. Nem bem os protestos deste sábado tinham se encerrado, e já havia aparecido uma convocatória para um ‘Evento no Palácio do Eliseu’, o palácio de Macron: “Adiamos sua saída, é sábado 15”.
O inferno astral de Macron foi registrado pelo porta-voz da banca alemã, o Frankfurter Allgemeine Zeitung, que classificou o recuo de Macron de “começo do fim” das “iniciativas de reforma e consolidação das finanças públicas” que Bruxelas (isto é, Berlim) considera imprescindíveis. Macron – para o FAZ – encarna a esperança de “modernizar a França e, ao mesmo tempo, refundar a Europa”, mas estaria falhando diante da maioria dos franceses hostis à Europa, como em 2005, durante o referendo sobre a Constituição Europeia. O jornal disse temer o enfraquecimento da França “como parceiro confiável da Alemanha”.
ANTONIO PIMENTA