Pelo quinto sábado consecutivo, os franceses tomaram as ruas no dia 15 e, embora em número menor e com menos conflagrações, as palavras de ordem de “Renuncia Macron” e “Vai Cair”, voltaram a ecoar pelo país apesar de algumas medidas de alívio no arrocho que o governo vem impondo, a exemplo do anúncio de 100 euros a mais no salário mínimo a partir do início de 2019. O “Ato V” culminou uma semana de protestos, reunindo estudantes, agricultores e centrais sindicais, com apoio de partidos de oposição.
Segundo a subestimada avaliação do Ministério do Interior foram 66 mil os que saíram às ruas em todo o país (e 69 mil policiais). Houve refrega com a polícia que despejou gás lacrimogêneo sobre os manifestantes que estavam diante do Arco do Triunfo, em Paris.
O movimento denominado Gilets Jaunes (Coletes Amarelos) teve início em 17 de novembro, após Macron ter anunciado um “imposto ecológico” sobre o diesel, que todos usam e que tivera aumento de 23% em 12 meses, depois de ter abolido o Imposto Sobre Fortunas para favorecer os ricos.
Manifestantes trajando a veste obrigatória em caso de acidente na estrada tomaram praças de pedágio, bloquearam estradas e refinarias, e marcharam nas cidades do interior e em Paris. Ocupações que se tornaram uma contundente denúncia da desigualdade gritante entre a capital, globalizada, e as pequenas e médias cidades, que se ressentem do fechamento dos pequenos comércios e de mais e mais indústrias, em paralelo com o corte nos gastos públicos, e onde o transporte público é deficiente.
A injustiça fiscal e o arrocho se tornaram o estopim da revolta, com senhores e senhoras de meia idade se manifestando, muitos pela primeira vez na vida.
Com sua popularidade reduzida a 23%, Macron acabou recuando do “imposto ecológico”. A defesa da ecologia pelo banqueiro foi satirizada por cartazes como “entre o fim do mundo e o fim do mês, fiquei sem escolha”,
As mobilizações acabaram por conflagrar Paris e foram comparadas à rebelião de Maio de 1968. As exigências de corte nos impostos logo se estenderam à denúncia do congelamento nos salários e da redução nas aposentadorias. As centrais sindicais se somaram. A CGT publicou matéria denunciando que “o incendiário é Macron”. A renúncia do presidente passou a ser exigência constante nas ruas da França.
Depois do quarto – e mais caótico – sábado de protestos, Macron, após reunião no Palácio Champs Elysées com lideranças parlamentares, ministros, líderes sindicais, de movimentos sociais e patronais, anunciou a elevação do salário mínimo e corte de impostos sobre aposentadorias até o valor de 2.000 euros.
Líderes dos Coletes Amarelos consideraram as concessões governamentais como “migalhas” e “cortina de fumaça” – o “aumento do salário mínimo” não é para todos, e apenas estende um abono já previsto. As aposentadorias serão reajustadas abaixo da inflação. Ao cortar o pagamento de encargos nas horas extras, Macron está fragilizando a Previdência Pública e atendendo à patronal Medef.
A França é o terceiro lugar no planeta em distribuição de dividendos aos acionistas e as isenções fiscais a grandes empresas ultrapassaram os 200 bilhões de euros. Apesar de existir o salário mínimo, os jovens são obrigados a aceitar até menos da metade, em contratos temporários e precários.
Na véspera, manifestação encabeçada pela principal central sindical, a CGT, exigiu o salário mínimo de 1.800 euros, fim da supressão das conquistas dos aposentados, volta dos acordos coletivos e uma política industrial. Nesta terça-feira (18), os trabalhadores estarão de volta às ruas.
Conforme afirmou o líder da CGT, Phillipe Martinez, não importa se os coletes são amarelos, vermelhos ou azuis, “o importante é que as lutas convirjam”.
No último sábado, trabalhadores ferroviários – que durante o primeiro semestre inteiro sustentaram a luta contra o arrocho e privatizações de Macron -, marcharam juntos com os coletes amarelos pelas ruas de Paris.
Além da capital francesa, as maiores manifestações ocorreram em Tolouse, Bordeaux, Marselha, Nantes, Rennes, Estrasburgo e Lyon. Estudantes se ajoelharam com as mãos na cabeça, em repúdio à brutalidade contra mais de cem colegas em um liceu no interior que escandalizou a França. As quatro vítimas do atentado terrorista em Estrasburgo foram pranteadas com um minuto de silêncio em vários atos.
Na mobilização desse sábado, a questão do “Referendo por Iniciativa dos Cidadãos” recebeu especial destaque, em um sintoma do cansaço com o estelionato eleitoral, em que candidatos se elegem com um programa e aplicam mesmo é o programa dos bancos e dos ricaços. Antevendo que a insatisfação vai prosseguir, Macron, ao sair de uma reunião com líderes da União Europeia, em Bruxelas, no sábado dia 15, pediu: “a França precisa de calma, ordem e volta à normalidade”. Seu ministro do Interior passou a dizer que está na hora de “liberar as rotatórias nas estradas”.
“BASTA”
Dez anos depois do crash de 2008, o sentimento de “basta” cada vez se espraia mais pela Europa – e particularmente na França, sob um presidente arrogante e detestado. Nesse período, um governo atrás do outro só cuidou de salvar bancos – que haviam traficado derivativos tóxicos até quebrarem – e arrochar quase todos os demais. Macron busca isolar o movimento dos coletes amarelos, tentando empurrá-los para Marine Le Pen, truque que permitiu que se tornasse presidente, sem ter votos e sem ter um partido de verdade.
Como disse ao jornal L’Humanité um sindicalista na montadora PSA (Peugeot Citroen), graças ao movimento dos coletes amarelos “a questão dos salários está de volta com vigor em nossas empresas”. Ele saudou a exigência de restauração do ISF [Imposto Sobre Fortunas].
Outro manifestante, de Montargis, pequena cidade a 110 km de Paris, disse que queria “três coisas – Referendo de Iniciativa dos Cidadãos, aposentadoria mínima de 1200 euros e o retorno do ISF. “Pessoalmente, tenho apenas o suficiente para viver com dignidade, mas não estou aqui por mim. Venho pelos meus avós, que trabalharam a vida toda e acabaram com 1000 euros para dois”.
Deve ser por isso que a emissora de tevê France 3 mostrou uma cena adulterada do protesto de sábado, de onde havia sido apagado, digitalmente, um enorme “Fora Macron” [Macron Dégage].