Fora do país, sem trabalhar, mesmo não exercendo os respectivos mandatos, Ramagem, Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli seguem com estrutura completa de gabinete
É a suspensão que não suspende as despesas. Mesmo com a decisão da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados de suspender os salários dos deputados Alexandre Ramagem (PL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP) — todos afastados das respectivas funções por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) — é apresentada como medida rigorosa.
Mas basta olhar para as planilhas internas da Casa para perceber que a “punição” é, no máximo, parcial.
O trio de parlamentares bolsonaristas continua com gabinetes operando normalmente: assessores, verbas indenizatórias, cota parlamentar, serviços e toda a estrutura que acompanha o mandato. Tudo isso financiado pelo chamado “contribuinte”, como a direita gosta de dizer.
Segundo a Câmara dos Deputados, cada parlamentar tem direito a R$ 133.170,54 para contratar até 25 funcionários, com salários que vão individualmente até R$ 18.179,88. Juntos, Ramagem, Zambelli e Eduardo têm 27 funcionários, a um custo de cerca de R$ 400 mil, mostra levantamento da CNN Brasil com base em dados da Câmara.
Como resumiu técnico da Câmara, sob reserva: “Aqui a lógica é simples: afasta-se o deputado, mas o custo fica.”
“ECONOMIA” DE FACHADA
A suposta economia gerada com a suspensão salarial se dissolve diante da manutenção integral da máquina parlamentar. O gabinete de deputado pode custar, em média, entre R$ 180 mil e R$ 250 mil por mês, dependendo da folha de assessores e do uso da Ceap (Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar).
Especialistas em contas públicas apontam o contrassenso. Para o pesquisador da Transparência Brasil, João Neves, “suspender o salário e manter toda a engrenagem é como desligar o farol, mas deixar o carro acelerando. Não resolve o problema, só desperdiça combustível público.”
A incoerência fica ainda mais evidente porque os parlamentares afastados não podem legislar, participar de comissões ou exercer qualquer atividade parlamentar.
Em termos práticos, a estrutura mantida não tem função concreta. Já que os deputados estão fora do mandato e não exercem nenhuma atividade parlamentar.
FALTA DE CRITÉRIOS E EXCESSO DE BRECHAS
A medida também expõe vazio normativo. A Câmara não possui protocolo claro sobre o que fazer quando deputado é afastado pelo STF, mas mantém o mandato.
Cada decisão acaba sendo tomada “caso a caso”, o que abre margem para privilégios e distorções.
A cientista política Luciana Araújo, da UnB, resume:
“A Câmara evita criar regras rígidas porque as regras reduzem a margem de manobra. Sem regras, cada afastamento vira um arranjo político. Isso prejudica a transparência e mantém privilégios.”
RAMAGEM: SALÁRIO SUSPENSO, VIAGEM GARANTIDA
Ramagem, sentenciado a 16 anos de prisão por participação na trama golpista é, ainda, investigado por participação em esquemas de espionagem ilegal, teve o mandato suspenso e o salário cortado.
Ainda assim, a estrutura do gabinete parlamentar dele permanece ativa. Enquanto isso, está há mais de mês em Miami (EUA), com a família. Longe do plenário, mas com a máquina parlamentar funcionando como se estivesse lá.
Ele fugiu em meados de setembro para os Estados Unidos nas vésperas da condenação, com a conivência da Câmara. Até votou remotamente em várias matérias no plenário da Casa.
Servidor da Câmara, em anonimato, ironizou: “Para alguns, o afastamento é quase um período sabático remunerado… pelo contribuinte.”
EDUARDO: ATIVO NAS REDES, INATIVO NO MANDATO
Autoexilado nos Estados Unidos, Eduardo Bolsonaro segue produzindo conteúdo político, “lives” e ataques a adversários e autoridades brasileiras nas redes digitais. O que não pode fazer é exercer o mandato.
Apesar disso, a equipe de gabinete dele continua trabalhando, como se houvesse atividade legislativa a cumprir.
Segundo dados da Câmara, só a folha de gabinete dele ultrapassa R$ 130 mil mensais.
ZAMBELLI: PROCESSOS, ACUSAÇÕES E GABINETE INTACTO
Alvo de inúmeras ações judiciais — da invasão de sistemas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) à atuação em milícias digitais — Carla Zambelli também teve os vencimentos suspensos.
Mas a equipe parlamentar dela, estrutura e recursos de gabinete seguem intactos. É como se ela estivesse no exercício do mandato. Mas não está.
Fonte do Ministério Público avaliou:
“O afastamento é medida de proteção às investigações, mas não faz sentido que o erário continue pagando uma estrutura sem finalidade pública.”
QUEM PAGA A CONTA?
A pergunta segue sem resposta oficial: se o parlamentar não pode trabalhar, por que o gabinete precisa continuar funcionando?
Enquanto isso, o contribuinte paga. E o Parlamento, mais uma vez, evita enfrentar a contradição que produz.
SISTEMA QUE SE AUTO-DESMORALIZA
A manutenção dos gabinetes de deputados afastados — mesmo com proibição de atuar — não é apenas problema financeiro. É problema institucional. E grave.
Levantamentos de organizações como Transparência Brasil e Instituto República apontam que mais de 70% dos brasileiros acreditam que o Congresso “gasta muito e entrega pouco”. Casos como o de Ramagem, Eduardo e Zambelli apenas reforçam essa percepção do escândalo.
A cientista política Carolina Sanches explica:
“Quando o cidadão vê que até parlamentares afastados continuam gerando despesa, a mensagem que fica é: o sistema é feito para proteger políticos, não para proteger o dinheiro público.”
Além disso, auditorias internas do Legislativo já demonstraram que despesas de gabinete representam uma das áreas com menor controle externo efetivo. Para cada afastamento sem corte estrutural, a imagem do Parlamento se desgasta.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, episódios de privilégios mantidos mesmo sob suspeita criminal ou afastamento judicial têm impacto direto na confiança: a aprovação do Congresso está hoje entre 12% e 16%, varia por instituto. Uma das menores desde 2015.
O professor de direito constitucional Eduardo Vilaça resume o efeito corrosivo:
“É um paradoxo institucional: o Parlamento reclama de descrédito, mas produz as condições para aprofundá-lo. A manutenção de gabinetes ativos para deputados inativos é a prova viva disso.”
Na prática, o Legislativo termina reforçando a sensação de impunidade e desconexão com a realidade do País. Justamente num momento em que deveria lutar para recuperar credibilidade.
M. V.











