Entidades propõem alternativas ao desastre econômico de Guedes
Sete fundações partidárias lançaram na quarta-feira (2) o manifesto Em defesa da vida, da democracia e do emprego, elaborado para fazer frente aos prejuízos humanos, econômicos e sociais causados pela pandemia da Covid-19, diante da inépcia do governo Bolsonaro.
Entre as propostas do Manifesto estão: bloquear a transmissão do vírus através da busca-ativa, manutenção das medidas emergenciais, aprovadas pelo Congresso Nacional, até o fim da pandemia, investimentos públicos e políticas de manutenção e geração de empregos.
O evento reuniu as fundações que integram o Observatório da Democracia: Lauro Campos/Marielle Franco, (FLCMF/PSoL); João Mangabeira (FJM/PSB); Leonel Brizola/Alberto Pasqualini (FLBAP/PDT); Maurício Grabois (FMG/PCdoB); Perseu Abramo (FPA/PT); Ordem Social,(FOS/PROS); e Cláudio Campos (FCC).
O resultado do PIB do segundo trimestre que registrou um tombo de 9,7% e as mais de 122 mil vidas ceifadas pela pandemia foram abordados pelos dirigentes das fundações que destacaram as propostas do manifesto para enfrentamento da crise sanitária e econômica, diante do descaso do governo Bolsonaro.
As fundações foram representadas no evento por Alexandre Navarro (FJM), Renato Rabelo (FMG), Gastão Dias Vieira (FOS), Manoel Dias (FLBAP), Francisvaldo Mendes (FLCMF), Nilson Araújo de Souza (FCC) e Aloizio Mercadante (FPA). Participaram Luciana Santos, vice-governadora de Pernambuco e presidente do PCdoB, e os deputados federais Alessandro Molon (PSB-RJ) e Paulo Teixeira (PT-SP).
Luciana Santos saudou a iniciativa das fundações e afirmou que o Brasil precisa de um projeto alternativo para superar a grave crise econômica que o país está passando, com “mais de 122 mil óbitos, 715 mil empresas fechadas e com mais gente recebendo recursos do auxílio emergencial do que da carteira assinadas”.
“Vimos descaso, desrespeito, descompromisso e desgoverno com uma situação considerada tão importante no mundo todo. Bolsonaro usou a pandemia não para cuidar das vidas, mas como estratégia eleitoral”, disse Luciana, defendendo “mais que em qualquer momento, precisamos do papel do estado como indutor do desenvolvimento para minimizar os impactos”.
O deputado federal Alessandro Molon destacou a união das fundações e as propostas apresentadas para saída da crise. “Como tirar o país do fundo do poço? Estamos mostrando a luz para quem olha para cima, já que o governo não sabe como tirar o Brasil dessa cilada”.
O deputado Paulo Teixeira (PT) denunciou que Bolsonaro “liberou um trilhão para os bancos e ínfimos e tardios recursos para as pequenas empresas que empregam milhões de trabalhadores”. E destacou o papel do Congresso Nacional em aprovar o auxílio emergencial de R$ 600.
O presidente da Fundação João Mangabeira, Alexandre Navarro, iniciou as intervenções destacando o “fato inédito no país”, que reuniu as fundações “apesar de suas divergências e das diferenças eleitorais”, para discutir políticas públicas.
Segundo Navarro, “uma queda de 9,7% no PIB é uma coisa que vai projetar um desemprego brutal, uma falta de renda muito grande. O senhor ministro da Economia diz que o PIB do segundo trimestre é um som do passado. Não é um som do passado, é a morte do futuro”, afirmou.
O presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, afirmou que “o projeto de Bolsonaro não serve ao Brasil e ao seu povo”. Segundo Rabelo, “a mortandade poderia ser evitada, o Brasil está na cabeceira no número de mortes do mundo. Em tal situação, o presidente respondeu com negacionismo e obscurantismo, portanto, essa é uma questão decisiva”.
“A verdadeira imagem de Bolsonaro é a queda histórica de 9,7% do PIB já neste segundo trimestre do ano, o corte do auxílio emergencial e a desvalorização do salário mínimo”. “Ele está enroscado na política ultraliberal e ortodoxa da sua equipe econômica, nas suas propostas de austericídio e no malfadado teto de gastos. Desta maneira, o Brasil deve buscar novo caminho, nova saída”, ressaltou Renato Rabelo.
“Enfrentar uma crise, desta dimensão e profundidade, na atualidade, só com a ação do Estado para financiar o investimento e o gasto público na emergência e para a retomada da economia. O Estado terá papel central na coordenação e indução do processo de retomada dos empregos e da renda, em parceria com o setor privado. Há sim como financiar esse gasto”, destacou Rabelo, sobre os gastos necessários para “enfrentar a emergência sanitária e econômica para salvar a vida dos compatriotas e manter a economia funcionando”, apontados no manifesto.
Para o diretor da Fundação Claudio Campos, o economista Nilson Araújo de Souza, o lançamento do manifesto se dá em “um momento em que vivemos uma verdadeira tragédia nacional. Já estávamos em crise antes da pandemia, e agora, com uma queda de 10% do PIB no trimestre, não podemos classificar de outro jeito se não como depressão”.
“O governo sabotou as medidas econômicas e sanitárias. E teria sido pior se o Congresso não tivesse aumento a renda de emergência. Qual é a proposta? Manter as medidas emergenciais até o fim da pandemia”, afirmou o economista.
De acordo com Nilson Araújo, enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, defende que é necessário enxugar o Estado, “defendemos exatamente o contrário: um Estado pujante, que possa coordenar a retomada da atividade econômica e realizar o investimento público”.
Contra o argumento de que não tem dinheiro para manter as medidas emergenciais e promover investimento público, o economista afirma: “Dinheiro há. O mundo inteiro está adotando mecanismos de emissão monetária. Emissão monetária não gera inflação, porque a economia está em crise”, defendeu.
“O Brasil é maior que essa crise. É maior do que as ameaças à democracia. Por isso estamos construindo uma ampla frente, a mais ampla frente, em defesa da vida, da democracia e do emprego”, ressaltou Nilson.
O presidente da Fundação Leonel Brizola–Alberto Pasqualini, Manoel Dias, destacou o papel que as fundações estão tendo neste momento. “As fundações cumprem uma tarefa primordial. Esse Manifesto dá exemplo, inclusive, aos nossos partidos, um exemplo de unidade”, declarou.
“Precisamos garantir sobrevivência antes de divergir. Bolsonaro sempre defendeu fascismo e retrocesso”, disse Dias, sobre a necessidade de superar diferenças partidárias para se unir pela deposição do atual governo.
Manoel Dias ressaltou que a crise sanitária fez com que a elite enxergasse que 60 milhões de pessoas estão sem saneamento básico, sem casa, sem comida, sem emprego e sem acesso à educação. “Não há solução sem que o Estado intervenha nos investimentos”, defendeu. “Onde está o Deus mercado no Brasil e no mundo em um momento como esse?”, criticou se referindo à política neoliberal para onde Paulo Guedes quer continuar levando o país. “Se não fosse o SUS estaríamos numa calamidade ainda pior”, afirmou.
Para Aloísio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo, o manifesto é uma resposta à queda do PIB da ordem de 11% em doze meses, ao desabamento do consumo das famílias e ao desemprego. E citou os 40 milhões de pessoas que querem trabalhar e não encontram emprego.
Diante da crise, Mercadante destacou a importância do auxílio emergencial e a continuidade dele. “Com 600 reais foram injetados 251 bilhões de reais” na economia. “Para onde vamos com a redução do auxílio emergencial para 300 reais? Vamos lutar pelo auxílio emergencial até o fim do ano. Essa é nossa prioridade”. O ex-ministro da Ciência e Tecnologia citou a queda os recursos no setor, assim como o estrangulamento de investimentos em saúde e educação.
Francisvaldo Mendes, presidente da Fundação Lauro Campos/Marielle Franco, afirmou que “nesse debate sobre a preservação da vida, o que está em debate de fundo, que veio com a pandemia, é na verdade um modelo de Estado”.
“Para enfrentar essa emergência sanitária, nós precisamos na verdade de uma política econômica que vai dar vazão para um novo modelo de atuação do Estado, um Estado que seja para beneficiar a população”, defendeu Mendes.
Leia abaixo, o Manifesto na íntegra:
Em defesa da Vida, da Em defesa da Vida, da Democracia e do Emprego Democracia e do Emprego
APRESENTAÇÃO
O Observatório da Democracia é uma iniciativa que reúne sete fundações partidárias – Lauro Campos/Marielle Franco, PSoL; João Mangabeira, PSB; Leonel Brizola/Alberto Pasqualini, PDT; Maurício Grabois, PCdoB; Perseu Abramo, PT; Ordem Social, PROS; e Cláudio Campos – com o objetivo de compartilhar informações, fomentar discussões e estudos sempre na perspectiva de defesa da democracia, recorrentemente agredida e ameaçada por Bolsonaro e seu projeto político autoritário e obscurantista.
Desde sua constituição, em 2019, tivemos muitas iniciativas conjuntas e, em 2020, realizamos o ciclo de 21 debates: Diálogos, Vida e Democracia. Esta plural e rica experiência contou com a participação de lideranças políticas, pesquisadores, intelectuais e especialistas nos temas mais relevantes para entender e enfrentar a grave crise sanitária, econômica, social e política desencadeada pela Covid-19. Esta pandemia foi seriamente agravada pelas atitudes negacionistas e irresponsáveis do governo Bolsonaro.
Nossos partidos e amplas forças democráticas do país já apresentaram 46 pedidos de impeachment ao Congresso Nacional, pelos inúmeros crimes de responsabilidade prati- cados pelo presidente Bolsonaro. No entanto, não somos uma oposição de quanto pior melhor; nossos partidos representam uma longa história de lutas e ações, procurando defender a melhoria da vida do povo e os interesses do Brasil. Neste grave momento, estamos apresentando este conjunto de propostas para contribuir com a unificação de todos os verdadeiramente comprometidos com a defesa da Vida, da Democracia e do Emprego.
MORTALIDADE PODERIA TER SIDO EVITADA
O Brasil ultrapassou em 8 de agosto de 2020 as dramáticas cifras de 100 mil mortes por Covid-19 e de 3 milhões de pessoas contagiadas. Não é uma mera estatística. São cerca de 100 mil famílias que estão chorando pela perda de seus entes queridos. São vidas que poderiam ter sido preservadas.
O Brasil disputa o título mundial de novos óbitos e novos casos com os EUA. Há várias semanas, o país perde mais de mil pessoas por dia. A quantidade de mortes diárias estabilizou-se em um nível elevado (tragicamente chamado de platô) e não dá mostras de que sofrerá redução no curto-prazo.
Se formos esperar pela vacina, a permanecer esse ritmo de vidas ceifadas, corremos o risco de perder ainda 100 mil brasileiros e brasileiras, ou mais. Pior ainda, segundo o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, não está garantida a eficácia da vacina: “Há uma preocupação de que talvez não tenhamos uma vacina que funcione. Ou que a proteção oferecida possa durar apenas alguns meses, nada mais”. Ao mesmo tempo, a economia, apesar de ter amenizado, a partir de maio, o impacto da pandemia, com a injeção, até julho, de R$ 286,2 bilhões (4% do PIB) dos vários programas emergenciais, permanece em crise, e há a ameaça de piora caso haja a reversão dos pro- gramas para o enfrentamento à Covid-19.
Cabe registrar que a injeção de R$ 286,2 bilhões (4% do PIB), realizada até julho, foi resul tado de pressões da sociedade e dos partidos de oposição. A iniciativa do governo proposta para o benefício emergencial foi de míseros R$ 200 por beneficiário. Foi o Congresso, impulsionado pelos partidos de oposição, que elevou para R$ 600 o valor por beneficiá- rio, podendo atender até duas pessoas por família, e R$ 1.200 por mãe chefe de família. Derrotados, o governo e o ministro da Economia, contrários ao valor e ao aumento, não tiveram outro recurso senão concordar com o valor definido por deputados e senadores. A mesma atitude havia sido manifestada pelo governo em relação aos trabalhadores com carteira assinada. Expediu medida provisória estabelecendo corte de jornada e de salário e suspensão de contrato sem contrapartida para o trabalhador. Só após muita pressão, retirou essa medida provisória e expediu outra estabelecendo contrapartida para o trabalhador, que também foi aperfeiçoada pelo Congresso.
PANDEMIA FEZ DESABAR ECONOMIA QUE JÁ ESTAVA VULNERÁVEL
A economia brasileira já estava vulnerável quando se defrontou com a pandemia. Foram quase três anos de recessão a partir de abril de 2014, mais três anos de estagnação de 2017 a 2019 e, contrariando as promessas do ministro Guedes, que falava que já havia iniciado a recuperação, havia, na verdade, ingressado em nova recessão no primeiro tri- mestre de 2020 (queda de 2,5% do PIB).
Encontrando uma economia fragilizada, a pandemia a fez desabar no abismo. Em abril, a atividade industrial sofreu queda de 23,3% no faturamento das empresas e desde então não se recuperou nos mesmos patamares anteriores à crise. Conforme dado di- vulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB do segundo trimestre desabou 9,7%. Em março e abril, quando teve início o isolamento social, o comércio varejista teve queda acumulada de 19,4% e, a despeito da ligeira recuperação nos últimos meses, isso não foi suficiente para alterar a dramática situação do mercado de trabalho. De acordo com o IBGE, a população ocupada diminuiu de 93,7 milhões do trimestre encerrado em fevereiro para 81,8 milhões na terceira semana de julho. São 12 milhões de trabalhadores e trabalhadoras que perderam o emprego. Até maio, o número de pessoas afastadas do trabalho devido ao isolamento social já somava 18,9 milhões, sendo 9,7 milhões sem qualquer remuneração. A arrecadação fiscal federal desabou 29,6% em junho e 17,6% em julho. O país vive um ciclo vicioso de encolhimento na atividade industrial, no comércio, no emprego e na arrecadação fiscal.
Esse quadro dramático pode retornar caso o governo siga a orientação do ministro da Economia e de sua política neoliberal com ortodoxia fiscal e não mantenha, pelo menos até dezembro de 2020, as medidas econômicas emergenciais que vêm sendo implementadas, ainda que com atraso e de maneira insuficiente. Para agravar a situação, o ministro obstrui o debate sobre uma reforma tributária e ameaça aumentar impostos (com a recriação da CPMF) e cortar gasto público, arrochar os salários dos servidores, além da retomada da agenda das privatizações de empresas estratégicas para o país. O efeito per verso de todas essas medidas já é conhecido: reforça as tendências recessivas, aumento do desemprego e precarização do mundo do trabalho.
BRASIL DEVE BUSCAR NOVO CAMINHO
O Brasil deve caminhar na direção oposta. Apresentamos aqui propostas para defender a vida e bloquear os efeitos da pandemia sobre a economia. Pois, ao contrário do presidente da República, achamos que não há contradição entre salvar vidas e salvar a economia.
Surgiram no período recente documentos de distintos setores da sociedade com pro postas de combate à crise econômica e outros com propostas de combate à crise sanitária; todos com importantes contribuições. Registramos o lançamento de documentos que se completam, reforçando um ao outro, e que foram elaborados por um leque muito amplo de forças políticas e entidades da área de saúde:
1) o primeiro propõe medidas econômicas emergenciais e de retomada da economia, sob o título “Sugestão de agenda econômica mínima”, aprovado pelo movimento Direitos Já!, que reúne lideranças de 17 partidos;
2) o segundo propõe medidas de combate ao coronavírus, sob o título “Plano nacional de enfrentamento à pandemia da Covid-19”, aprovado pela Frente pela Vida, que reúne 14 das principais entidades de saúde do país;
3) os partidos políticos apresentaram propostas contendo medidas econômicas e sanitárias para combater a crise: PT – “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”; PDT – “Projeto Nacional de Desenvolvimento”; PCdoB – “PCdoB propõe medidas emergenciais contra a crise da Covid-19”; PSB – “Lei de resposta ao coronavírus”; PSoL – “Salvar vidas e reconstruir o Brasil: fora Bolsonaro”. Além de importantes iniciativas dos parlamentares e bancadas dos partidos de oposição que apresentaram projetos de lei que apontam para o enfrentamento da pandemia e saída da crise.
Procuramos neste documento sintetizar um conjunto de medidas que, combinadas, possam enfrentar simultaneamente a emergência sanitária e a emergência econômica, ou melhor, possam salvar a vida de milhares de brasileiras e brasileiros e manter a economia funcionando de forma a orientar-se para a retomada do crescimento econômico e reconstrução do país.
MANTER AS MEDIDAS ECONÔMICAS EMERGENCIAIS ATÉ FIM DA PANDEMIA
Na esfera econômica, deve o governo, em primeiro lugar, executar as medidas econômicas emergenciais aprovadas pelo Congresso. Até o final de julho, dos R$ 509,9 bilhões autorizados nos vários programas (benefício emergencial, abono emergencial para trabalhadores com carteira assinada, reforço da saúde, financiamento da folha salarial, apoio creditício à micro e pequena empresa, fundo garantidor para crédito da micro e pequena empresa, reembolso de estados e municípios pelas perdas de arrecadação), só foram executados e pagos R$ 275,1 bilhões (54%). Urge liberar os demais 46%, ou seja R$ 234,8 bilhões. Mesmo depois de executado o conjunto desses programas, só chegaremos a 8% do PIB, quando boa parte dos países desembolsou acima de 10%, com alguns atingindo a cifra de 20%. Cabe destacar que os bancos receberam, logo no início da pandemia, R$ 1,2 trilhão do governo. E este imenso aporte de liquidez está servindo para elevar o lucro financeiro dos bancos e agentes financeiros e não foi acompanhado por medidas do governo que assegurassem que o crédito para as em- presas e famílias fosse reestabelecido em novas bases.
É necessário que se mantenham, de preferência até o fim da pandemia, mas pelo menos até dezembro, quando encerra a vigência da Lei de Calamidade Pública, as medidas econômicas emergenciais, principalmente o benefício de emergência sanitária (no mesmo valor estabelecido pelo Congresso: R$ 600 reais por beneficiário, até dois por família, e R$ 1.200 por mãe chefe de família). O Congresso deve acompanhar a execução dos vá- rios programas a fim de permitir que estes atinjam todo o público potencial.
É fundamental que se crie um programa de apoio aos trabalhadores com carteira assi- nada que tiverem sua jornada de trabalho e salários reduzidos ou seu contrato suspen- so, com vigência até o fim da pandemia.
Além disso, é preciso que se crie um programa que estimule a criação de novos postos de trabalho, com contratação por seis meses, para desempregados/desempregadas que não estejam recebendo seguro-desemprego, priorizando aqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade econômica e social. Tais vagas podem ser criadas em atividades de interesse público nas áreas urbana e rural, em reformas de instalações de escolas, postos de saúde e em atividades auxiliares ao funcionamento de equipamentos públicos.
Nesse cenário, todas as famílias brasileiras com renda por pessoa até R$ 600 devem passar a ser atendidas pelo Bolsa Família, ampliando o seu alcance para que sejam incluídas as famílias altamente vulneráveis à pobreza e não apenas as pobres ou extremamente pobres. Fortalecer o Bolsa Família e ampliar sua cobertura rapidamente permitirá que, finalmente, se assegure que nenhum brasileiro ou brasileira viva abaixo de um patamar de dignidade.
Dentre os problemas graves que afetam a economia brasileira estão a inadimplência e o seu aumento acelerado durante o período da pandemia. Visando aumentar a renda disponível das famílias de baixa renda e das micro e pequenas empresas, propomos um projeto de renegociação de dívidas junto ao sistema bancário, seja pelo alongamento de prazo, seja por redução de encargos. Faz-se premente a ampliação do apoio à micro, à pequena e à média empresa com 100% de garantia dos créditos pelo Tesouro. As linhas de crédito oferecidas aprovadas pelo Congresso Nacional continuam travadas e milhares de micro e pequenas empresas já decretaram a falência.
Deve-se garantir a compensação integral a Estados e Municípios pela perda de arrecadação, além da permissão para renegociação de suas dívidas em novos termos e de que não renunciem a ações contra a União.
Propõe-se alterar para 100% os percentuais de descontos aplicados aos beneficiários da tarifa social de energia elétrica no período de pandemia. Mais ainda, é fundamental que se assegure o fornecimento de botijão de gás liquefeito de petróleo de treze quilos às famílias de baixa renda ao preço de custo e que se implemente uma política de subvenção do GLP. Propõe-se também a suspensão do corte de ligações de água por inadimplemento até 31 de dezembro de 2020.
É importante que se instituam linhas de crédito em volume compatível com a cobertura plena de folhas de salário e capital de giro básico (locações, serviços públicos, cobertura de contas a pagar etc.), voltadas a MEIs e MPMEs, com exigência de manutenção de 100% dos empregos. Em consonância com a ampliação do crédito direcionado e o fortalecimento dos bancos públicos.
INVESTIMENTO PÚBLICO PARA RETOMAR ECONOMIA
Propomos que o investimento em saúde para enfrentar a crise sanitária seja priorizado e já deve contemplar medidas que apontem na direção da retomada do crescimento:
1) a começar pela recomposição das verbas de investimento do SUS e saneamento, mas também educação, que foi profundamente afetada pela pandemia. É igualmente importante recuperar despesas públicas esterilizadas no Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), despesas que são base para os resultados em educação, saúde e combate a qualquer doença, presente ou futura;
2) neste processo, é importante definir setores que aumentem a oferta de serviços pú blicos de qualidade, bem como a segurança alimentar e a segurança energética, além do recurso à ciência, tecnologia e inovação como motores do crescimento. O primeiro setor a ser considerado dentro desta estratégia deve ser o complexo industrial da saúde;
3) promover um plano de retomada do emprego sem perda de direitos: a retomada não pode ser às custas dos direitos trabalhistas. Isso já foi tentando no passado re- cente e fracassou.
Como norte dessas medidas que apontam para a retomada do crescimento, que incor poram desde as emergenciais até as de recuperação do emprego e da produção, bem como o investimento de mais longo prazo, propomos a reindustrialização, com reconversão industrial, investimento em ciência e tecnologia, investimento em infraestrutura de qualidade, sustentabilidade ambiental, e, especialmente, a redução da pobreza e o combate às desigualdades regionais e sociais.
A pregação neoliberal de que o mercado pode tudo e que o Estado deveria ausentar-se da economia não se sustenta na realidade dos fatos. As saídas das crises periódicas do capitalismo exigem a atuação do Estado como agente do desenvolvimento econômico. Isso já foi adotado na crise de 2007-2009 e vem sendo feito no mundo inteiro para combater a atual crise. Até economistas antes filiados à ortodoxia neoliberal estão defendendo, alguns até com ênfase, que, para enfrentar uma crise dessa profundidade, só com a ação do Estado e do consequente investimento público. O Estado deve ter um papel central na coordenação, promoção, regulação e indução do processo de retomada dos investimentos, dos empregos e da renda.
FINANCIAR O INVESTIMENTO E GASTO PÚBLICO NA EMERGÊNCIA E PARA A RETOMADA DA ECONOMIA
Para viabilizar esse caminho, deve-se revogar a Emenda Constitucional 95, retirando, imediatamente, de seu alcance, Saúde, Educação, CT&I e Meio Ambiente, assim como recuperando os recursos contingenciados no exercício financeiro de 2020 e esterilizados nos últimos anos. Essa emenda visa liberar recursos para remunerar o capital improdutivo, estéril e bancos, fator que provoca enorme desigualdade social e evita reduzir a pobreza. Um novo marco fiscal deve ser construído, que não apenas garanta mais flexibilidade e torne nossas regras fiscais anticíclicas, mas que dê um tratamento privilegiado ao investimento público.
A alegação da área econômica do governo de que não há recursos para financiar essas medidas emergenciais igualmente não se sustenta. Há formas de financiar estes gastos sem elevar substancialmente a dívida pública junto ao mercado. O Tesouro pode emitir títulos, vendê-los ao Banco Central e, assim, financiar a necessária elevação das despe- sas com a pandemia sem pressionar de forma excessiva a venda de títulos para o mer- cado. Também é possível repassar o ganho de operações cambiais do Banco Central para o Tesouro, decorrente do elevado nível das reservas cambiais herdadas pelo atual governo. O parágrafo 2o do artigo 164 da Constituição Federal autoriza essa operação: “§ 2o O Banco Central poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros”.
Mas, ao invés de emitir moeda para salvar os bancos de si mesmos, como foi ostensivamente feito através de quantitative easing nos EUA e em outros países na crise anterior, a emissão deve ser direcionada para salvar vidas humanas de forma que, simultaneamente, salve a economia e o emprego. Não tem fundamento, na atual situação de crise profunda, a alegação de que a emissão monetária provoca inflação. A emissão monetária só provoca inflação quando é feita em excesso numa economia que esteja operando a plena capacidade. No contexto de uma economia em crise e, portanto, com capacidade ociosa, como ocorre com a brasileira no momento atual, a emissão de moeda, ao aumentar a demanda, incentiva as empresas a aumentar a produção, em lugar dos preços. Não é à toa que a ampla maioria dos países está seguindo esse caminho. No mundo inteiro, incluindo o Brasil, economistas das mais diferentes vertentes teóricas, até os de filiação neoliberal, estão defendendo a emissão de moeda como um instrumento chave de combate a crise.
E, para completar, urge fazer uma reforma tributária que, ao mesmo tempo em que promova a distribuição de renda, angarie recursos para o investimento. Os nossos par tidos de oposição, com o apoio de todos os governadores do Nordeste, já protocolaram uma proposta completa de Reforma Tributária, Justa, Solidária e Sustentável, baseada nestes objetivos essenciais, na forma da Emenda Constitucional 169. E agora foi lançada, no dia 6 de agosto, uma proposta de reforma tributária elaborada por iniciativa de entidades nacionais e estaduais do fisco – a Federação do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e dez delegacias sindicais do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) -, além de entidades como o Instituto Justiça Fiscal e Auditores Fiscais pela Democracia, apoiada por vários partidos de oposição. Designado “Tributar os superricos para reconstruir o país”, o documento compõe-se de oito propostas de leis tributárias que isentam os mais pobres e as pequenas empresas, fortalecem estados e municípios e incidem sobre as altas rendas, o grande patrimônio e lucros e dividendos distribuídos, onerando apenas os 0,3% mais ricos. Essas medidas gerariam acréscimo na arrecadação estimado em R$ 292 bilhões.
VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA PARA BLOQUEAR TRANSMISSÃO DO VÍRUS
Apesar da gravidade da pandemia da Covid-19, nada indica que, necessariamente, tería- mos que amargar a morte de 100 mil pessoas. Chegamos a esse ponto principalmente porque o presidente da República vem sabotando sistematicamente uma estratégia que, em si, já era insuficiente, e que, no máximo, poderia mitigar os efeitos da pande- mia. Pode até ter cumprido um papel na fase inicial, enquanto se procurava conhecer a natureza dessa pandemia e assim descobrir as formas mais eficazes de combatê-la. O isolamento social ajudou, mas não é suficiente para deter o vírus. O correto, a essa altura, é adotar uma estratégia que bloqueie a transmissão do vírus, conhecida como Vigilância Epidemiológica. Foi isso que fizeram a China e outros países asiáticos, com resultados favoráveis. É isso que vêm fazendo algumas prefeituras brasileiras, também com bons resultados.
O documento da Frente pela Vida define e recomenda essa estratégia. Diz o texto, no artigo 9 do Sumário: “Este documento traz uma análise de dimensões e interfaces rele- vantes da pandemia da Covid-19 e apresenta 70 recomendações, dirigidas às autorida- des políticas e sanitárias, aos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e à sociedade em geral. A principal estratégia indicada é a vigilância epidemiológica, com busca ativa de casos confirmados ou suspeitos e bloqueio da transmissão, conduzida por equipes qualificadas, na rede de atenção primária do SUS, coordenadas conjuntamente pelas autoridades sanitárias. Medidas de qualificação da atenção secundária e terciária são igualmente propostas, juntamente com estratégias de mitigação dos danos sanitário e econômico”.
Além disso, a Frente pela Vida reforça a posição da OMS que, para tornar efetivo o enfrentamento da pandemia, recomenda forte engajamento da sociedade, em con- sonância com o que expressa a Constituição de 1988, que, no Brasil, garante a partici- pação da sociedade na gestão de políticas e programas e institui a participação social como princípio organizativo do SUS. Diz mais: “é imperioso fortalecer as instâncias de participação social, assegurando a representação da sociedade civil em toda sua diver- sidade e representatividade”.
Recomenda também um processo de forte investimento e renovação do SUS, “desen- volvendo-o à sua plena potência, para que alcance a universalidade e as capacidades necessárias que a pandemia e os demais problemas de saúde estão a exigir dos siste- mas de saúde. Ao lado de estratégias urgentes e emergenciais para o enfrentamento da pandemia, é fundamental superar, de forma estruturante, o subfinanciamento do SUS. Acesso universal e integralidade da atenção demandam organização sistêmica, efetivada mediante a celebração de pactos federativos pautados na cooperação e na solidariedade. Nesse aspecto, a irresponsabilidade do governo federal tem provocado conflitos federativos, chegando-se ao ponto de o Supremo Tribunal Federal ter que ra- tificar a autonomia dos governos subnacionais em legislar no âmbito da saúde pública. De modo ainda mais dramático, o Ministério da Saúde (MS) demonstra incapacidade de aplicar efetivamente recursos destinados ao controle da pandemia”.
CONTRA O OBSCURANTISMO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA COMBATER A PANDEMIA
Um fato a destacar é que, apesar de o SNCTI estar sendo atacado sistematicamen- te pelo obscurantismo e postura negacionista do governo Bolsonaro, enfrentando por isso grave crise, além da desmontagem do complexo industrial da saúde, “a comunidade científica brasileira tem demonstrado vitalidade e engajamento no contexto da crise, com participação marcante na testagem de vacinas e condução de inquéritos epide- miológicos, essenciais para avaliar a dinâmica da pandemia”. Por isso, enfatiza o documento que se devam adotar “recomendações embasadas em conhecimento científico e em saberes técnicos dos diferentes campos disciplinares e setores de políticas sociais”. Além disso, a vigilância epidemiológica não recomenda o retorno às aulas e exige que se trate com cuidado e atenção a maneira como dar-se-á esse processo no conjunto da rede de ensino.
Para essa estratégia ter eficácia, “o Estado brasileiro tem a obrigação moral e consti- tucional de propor políticas e coordenar ações emergenciais baseadas em evidências científicas para controlá-la, superá-la e reduzir seus impactos econômicos e sociais sobre a nação brasileira”. Mais: “o Estado precisará desempenhar um papel central e, em especial, enterrar a austeridade fiscal e revogar o teto de gastos públicos. Precisará ainda, mediante reforma tributária efetivamente progressiva, inclusive taxando grandes fortunas, fortalecer o conjunto de políticas de proteção social”.
Combater a pandemia no Brasil demanda mais ciência e criatividade, dada a heteroge- neidade geográfica, social e cultural do país. É esse, em síntese, o diagnóstico da Frente pela Vida: “O panorama da pandemia da Covid-19 no Brasil mostra-se bastante com- plexo em função da diversidade geográfica, social e cultural compreendida no imenso território nacional, bem como pelos aspectos conjunturais, tanto políticos quanto eco- nômicos, correlatos, coincidentes e convergentes com o fenômeno da pandemia. Os parâmetros epidemiológicos (incidência, mortalidade, transmissão e difusão na popu- lação) indicam mais um sistema de epidemias, com surtos, ondas e variações diferentes em distintos segmentos da população e setores do território. Assim, essas característi- cas de diversidade e variabilidade representam fatores cruciais a serem considerados na implementação de ações e estratégias de superação da pandemia e de seus impactos em nosso país”.
A MAIS AMPLA FRENTE EM DEFESA DA VIDA, DA DEMOCRACIA E DO EMPREGO
O documento da Frente pela Vida sintetiza o caminho que permite salvar simulta neamente a vida das pessoas e a atividade econômica: “Diante do quadro de recessão mundial e nacional causado pela pandemia, são necessárias políticas anticíclicas de desenvolvimento econômico, incluindo medidas estatais proativas de promoção e geração de emprego e de proteção aos trabalhadores, que precisarão ser expandidas durante a pandemia e nos próximos anos. Em plena pandemia, o conflito entre economia e combate à Covid-19 tem sido o biombo com o qual o governo brasileiro resiste na agenda de ajuste fiscal. As marcas da pandemia, contudo, se mostram profundas no desalento de mais de 60 milhões de cidadãos classificados para acesso ao auxílio emergencial. Este auxílio deverá ser transformado em renda universal básica, como inclusive preconiza a ONU. Em todos os países do mundo, o gasto público é a alavanca para enfrentamento do alto desemprego e da destruição da capacidade produtiva. A experiência mostra que o aumento da dívida pública em relação ao PIB pode ser estabilizado, não com cortes de gastos e aumento da carga tributária, mas com crescimento econômico e redução das desigualdades sociais”.
A postura de sabotagem aberta às medidas sanitárias, aliada ao retardamento criminoso da liberação de recursos para manter os setores mais vulneráveis da população e dos recursos para os Estados e municípios poderem atender as pessoas que contraem o vírus, revela o total descompromisso do presidente Bolsonaro com a vida das pessoas e mesmo com o funcionamento da economia e, portanto, com a geração de empregos. Sem falar de suas frequentes ameaças à Constituição e à democracia. Para vencer o coronavírus, salvar a vida dos brasileiros e brasileiras, manter a economia minima- mente funcionando e em condições de sair dessa crise e preservar a Constituição e a Democracia, urge avançar na construção da mais ampla frente em defesa da Vida, da Democracia e do Emprego. Apresentamos este conjunto de propostas com o objetivo de contribuir com a construção dessa frente.