Sorteio ocorreu na véspera da sabatina do indicado do governo para o STF. Ele assumiria o inquérito, caso não ocorresse a escolha do novo relator
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), foi escolhido por sorteio nesta terça-feira (20) como novo relator do inquérito que investiga as denúncias feitas pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, contra Jair Bolsonaro. O presidente responde por tentar aparelhar ilegalmente a Polícia Federal.
O presidente do STF, ministro Luiz Fux, não esperou pela sabatina de Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro para substituir o ministro Celso de Mello, que se aposentou no último dia 13. A sabatina ocorre nesta quarta-feira (21) no Senado Federal. Se não houvesse o sorteio, o relator natural do caso que investiga Bolsonaro seria exatamente o nome indicado pelo próprio Bolsonaro.
Os advogados do ex-ministro Sérgio Moro, que também é alvo do inquérito, haviam pedido a Fux que fizesse o sorteio. O presidente do STF decidiu fazer a escolha com o argumento de que investigações criminais exigem rapidez no seu andamento, segundo informou a assessoria de imprensa do gabinete do ministro.
INDICADO COM PROBLEMAS DE CURRÍCULO FALSO
A sabatina do escolhido de Bolsonaro, o desembargador Kassio Nunes Marques, deverá ser bastante tumultuada nesta quarta-feira, já que o currículo do indicado veio se esvaziando rapidamente nas últimas semanas. Há provas de que ele, assim como outros escolhidos do presidente, turbinou seu currículo.
Primeiro transformou um curso de cinco dias na Espanha em “postgrado”. Depois, trechos inteiros de uma dissertação sua de mestrado foram copiados de outro advogado. E seus pós-doutorados foram feitos durante as férias. O próprio Kassio Nunes Marques escreveu no seu currículo: “Todos estes cursos foram realizados em período de férias e sem nenhum pedido de afastamento para licença”.
Reportagens da revista Crusoé revelaram que a dissertação que o desembargador Kassio Nunes Marques apresentou em 2015, para a Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal, traz trechos idênticos a publicações feitas por outro autor, o advogado Saul Tourinho Leal.
Na primeira fraude, sobre a pós- graduação na Espanha, ele ainda tentou consertar dizendo que teriam sido problemas de tradução, o que não colou, porque a Universidad de La Coruña o desmentiu publicamente, através de nota para a imprensa brasileira. “Informamos que a Universidade de La Coruña não ministrou nenhum curso de pós-graduação com o nome de Postgrado en Contratación Pública”, declarou a universidade. O curso simplesmente não existe, disse a Universidade, confirmando que o desembargador participou de uma atividade de cinco dias na instituição.
Alexandre de Moraes já é relator do inquérito que investiga as fake news, as ameaças contra o Supremo Tribunal Federal e atos políticos de bolsonaristas pedindo a volta da ditadura e ameaçando as instituições democráticas.
Ele foi também o responsável pela decisão que barrou a nomeação de Alexandre Ramagem para diretoria-geral da Polícia Federal. A nomeação de Ramagem, que ocupava a chefia da Abin e havia sido chefe da segurança na campanha eleitoral bolsonarista, fazia parte do plano de Bolsonaro de controlar a Polícia Federal. Bolsonaro criticou a decisão, à época, mas terminou desistindo da nomeação de Ramagem.
HISTÓRICO DA TENTATIVA DE BOLSONARO DE CONTROLAR A POLÍCIA FEDERAL
Durante a campanha eleitoral de 2018, o delegado Alexandre Ramagem, da Polícia Federal, assumiu a chefia da segurança do então candidato a presidente Jair Bolsonaro. Próximo a Carlos Bolsonaro, o “02”, ele passou a frequentar a intimidade da família Bolsonaro.
Em dezembro de 2018, Alexandre Ramagem é visto em uma animada festa de fim de ano junto a Carluxo e seu primo Léo Índio, os dois coordenadores da milícia digital bolsonarista.
Logo após a posse de Bolsonaro, Alexandre Ramagem é nomeado para o cargo de assessor especial da Secretaria de Governo, comandada na época pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz.
O ‘02” e seu primo, Léo Índio, atuavam juntos no que a ex-líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann, chamou de “gabinete do ódio”, uma central de espionagem e fábrica de fake news que funciona dentro do Planalto para atacar, caluniar e derrubar adversários políticos e desafetos.
Em final de maio e início de junho de 2019, o general Santos Cruz passou a ser violentamente atacado por Carlos Bolsonaro, pelo chefe da Secom, Fabio Wajngarten, e pela milícia digital bolsonarista. O motivo foi a resistência do militar a que o grupo tomasse conta do sistema de comunicação do governo.
A resposta de Carlos veio imediatamente. Os ataques começaram de todos os lados. A falange bolsonarista não parou enquanto não derrubou Santos Cruz. Olavo de Carvalho foi explícito ao endereçar as críticas em suas redes sociais. “Controlar a internet, Santos Cruz? Controlar a sua boca, seu merda”, escreveu.
Os detalhes de toda essa guerra suja só vieram à tona muito tempo depois. No início deste ano, pouco antes de morrer de infarto, o ex-ministro Gustavo Bebianno participou do programa Roda Viva, da TV Cultura do dia 2 de março. Durante a entrevista ele relatou que, certa feita, quando ainda era ministro, ele e o general Santos Cruz receberam uma visita do vereador Carlos Bolsonaro, que veio dizer a eles que este pretendia montar uma “Abin paralela”.
A justificativa era que ele [Carlos] não confiava na estrutura oficial existente no governo. O vereador apresentou então o nome de um delegado da Polícia Federal e de outros três agentes para fazerem parte desta estrutura.
Tanto o general Santos Cruz quanto Gustavo Bebianno rechaçaram o intento de Carlos de criar a tal Abin paralela. Ele foi questionado pelos jornalistas sobre o nome do delegado apresentado por Carlos. O ex-ministro disse que sabia o nome do delegado, mas que não daria esta informação. Logo após esse episódio, ele saiu do governo. Em seguida, saiu também o general Santos Cruz. Perguntado se a iniciativa de Carlos foi consumada, Bebianno disse que não sabia pois estava fora do governo.
Em 13 de junho de 2019, logo após a demissão do general Santos Cruz, o delegado Alexandre Ramagem, que era comissionado na assessoria do Ministério da Secretaria do Governo, é nomeado por Jair Bolsonaro para a direção da Agencia Brasileira de Informação, a Abin.
Durante toda a primeira fase do governo funcionou a todo vapor o chamado “gabinete do ódio”, espionando, convocando atos contra a democracia, apoiando as insanidades de Bolsonaro e destilando fake news contra velhos e novos desafetos.