
Alguns juristas brasileiros debruçaram-se sobre o extenso, polêmico e contraditório voto do ministro Luiz Fux apresentado nesta quarta-feira (10), na sessão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que julga Jair Bolsonaro e mais sete réus pela trama golpista urdida contra a democracia brasileira.
O professor Lenio Streck falou, especificamente, sobre a competência ou não da suprema corte em promover tal julgamento, uma preliminar levantada por Fux, segundo o qual o STF não tem essa prerrogativa e, se o tivesse, o julgamento teria que ser feito pelo plenário e não pela primeira turma.
Segundo Streck, não há margem para revisão dessa matéria, já que a própria corte tem posição consolidada sobre a competência.
Ele lembrou, no entanto, que Fux aceitou o processo ao receber a denúncia sob a lógica do “in dubio pro societate” e agora mudou para o “in dubio pro reo”, o que considerou incoerente.
Pedro Serrano, na mesma toada crítica do professor, afirmou que o entendimento do ministro contraria a jurisprudência recente. Ele destacou que o STF foi vítima direta dos ataques de 8 de janeiro, o que reforça a necessidade de a própria Corte processar o caso. Para ele, remeter o processo à primeira instância seria “anárquico”, pois colocaria juízes de piso para deliberar sobre crimes praticados contra a mais alta instância do Judiciário.
Já o advogado Fernando Fernandes considerou que, além de Fux se isolar diante de seus pares com o seu posicionamento, acrescentando que o plenário já decidiu reiteradas vezes pela competência do Supremo, reafirmando jurisprudência centenária sobre a prerrogativa de foro.
O advogado ainda recordou diálogos da Lava Jato em que o nome de Fux aparecia em conversas de procuradores, e sublinhou que o ministro foi um dos que menos concedeu habeas corpus, o que relativiza sua súbita postura garantista.
Marco Aurélio de Carvalho, outro advogado, classificou como surpreendente a posição do ministro durante o julgamento de Bolsonaro. Segundo ele, Fux sempre se destacou como um dos ministros mais duros do Supremo, raramente concedendo benefícios processuais. Carvalho disse esperar que essa postura de defesa de direitos e garantias individuais não seja pontual, mas passe a valer também para os réus pobres, pretos e periféricos.
O julgamento de Bolsonaro e os outros réus da trama golpista foi retomado hoje pela primeira turma do STF com o voto da ministra Cármen Lúcia. Alexandre de Moraes, relator, e Flávio Dino já se manifestaram pela condenação, sendo a única voz discordando, no momento, pela absolvição de Bolsonaro, foi a de Fux, que defendeu o encaminhamento da ação para a primeira instância, sob a alegação, fartamente contestada, de que nenhum dos acusados possui atualmente foro por prerrogativa de função.
A posição divergente de Fux, no entanto, não deverá alterar o curso da ação penal e do julgamento, na medida em que, pelos posicionamentos explicitados anteriormente, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin deverão acompanhar o posicionamento de Moraes e Dino, formando uma ampla maioria de 4 votos contra 1.
Nesse caso, a regra processual limita os efeitos do voto único e isolado. Apenas um voto divergente em relação ao relator não dá direito a embargos infringentes — recurso cabível quando há pelo menos dois votos vencidos em julgamento colegiado não unânime, permitindo novo exame da matéria.
Em seu voto, Fux afirmou que o STF deve atuar de forma “excepcionalíssima” e apenas em casos que envolvam autoridades com foro privilegiado. Para ele, a Corte não deveria processar cidadãos comuns, o que inclui ex-presidentes.