Para o líder brasileiro, que discursou em Havana, na abertura da reunião do G77 + China, “esta condição reedita a relação de dependência entre centro e periferia”. Ele propôs a volta da “Comissão do Sul” para o estudo e o enfrentamento comum dos desafios da atualidade
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou neste sábado (16), em Havana, na abertura do encontro da cúpula do G77+China, que reúne 133 países em desenvolvimento. O encontro teve como tema central a busca de alternativas para o crescimento econômico e a importância da Ciência e Tecnologia.
O presidente brasileiro iniciou o seu discurso saudando os presentes e condenando o bloqueio econômico imposto unilateralmente pelos EUA a Cuba. “Cuba tem sido defensora de uma governança global mais justa. E até hoje é vítima de um embargo econômico ilegal. O Brasil é contra qualquer medida coercitiva de caráter unilateral”, afirmou Lula. “Rechaçamos a inclusão de Cuba na lista de Estados patrocinadores do terrorismo’, acrescentou.
Lula destacou que as assimetrias ainda persistem no mundo e defendeu a unidade dos países em desenvolvimento na luta por uma Nova Ordem Econômica Internacional.
“Há quase sessenta anos, tem sido um vetor de importantes mudanças nas instituições multilaterais. O G77 foi fundamental para expor as anomalias do comércio global e para defender a construção de uma Nova Ordem Econômica Internacional”, afirmou. “Infelizmente”, prosseguiu Lula, “muitas das nossas demandas nunca foram atendidas”.
Assista ao discurso de Lula em Havana
Presidente Lula participa da Cúpula do G77 + China https://t.co/sLG3Vg3Bdn
— Lula (@LulaOficial) September 16, 2023
“Nos últimos anos, tivemos um aumento na proporção do PIB mundial investido em pesquisa em desenvolvimento. Mas essa elevação não ocorreu de forma uniforme. A América Latina e o Caribe e a África subsaariana foram na contramão dessa tendência. Outras desigualdades persistem. É desanimador que as mulheres perfaçam somente 31% do total de pesquisadores”, apontou.
“Precisamos reforçar nossas reivindicações à luz da Quarta Revolução Industrial. Há duas grandes transformações em curso. Elas não podem ser moldadas por um punhado de economias ricas, reeditando a relação de dependência entre centro e periferia”, prosseguiu.
“A primeira é a revolução digital. Avanços como a computação em rede, a inteligência artificial, a biotecnologia de ponta e a digitalização trazem possibilidades que, há poucas décadas, sequer imaginávamos. Mas essas inovações possuem efeitos colaterais ameaçadores. Grandes multinacionais do setor de tecnologia possuem modelo de negócios que acentua a concentração de riquezas, desrespeita leis trabalhistas e muitas vezes alimenta violações de direitos humanos e fomenta o extremismo”, denunciou o presidente brasileiro.
Lula falou também que “a segunda grande mudança em curso no mundo é a transição energética. “A emergência climática nos impõe novos imperativos, mas a transição justa traz oportunidades”, disse ele. Ao relatar as iniciativas amazônicas de seu governo, Lula destacou que o Brasil pretende “aproveitar o patrimônio genético da nossa biodiversidade, com repartição justa dos benefícios, resguardando a propriedade intelectual sobre nossos recursos e conhecimentos tradicionais”.
O líder brasileiro defendeu a industrialização sustentável. “Faremos isso sem esquecer que não temos a mesma dívida histórica dos países ricos pelo aquecimento global. O princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas permanece válido”, observou. “É por isso”, prosseguiu, “que o financiamento climático tem de ser assegurado a todos os países em desenvolvimento, segundo suas necessidades e prioridades. No caminho entre a COP28, em Dubai, e a COP30, em Belém, será necessário insistir na implementação dos compromissos nunca cumpridos pelos países desenvolvidos”.
Leia o discurso de Lula na íntegra
Saúdo o Presidente Miguel Díaz-Canel e o povo cubano pela sua hospitalidade.
É de especial significado que, neste momento de grandes transformações geopolíticas, esta Cúpula seja realizada aqui em Havana.
Cuba tem sido defensora de uma governança global mais justa.
E até hoje é vítima de um embargo econômico ilegal.
O Brasil é contra qualquer medida coercitiva de caráter unilateral.
Rechaçamos a inclusão de Cuba na lista de Estados patrocinadores do terrorismo.
Caros amigos e amigas,
Desde que assumi meu novo mandato, estive em diversos foros com a presença de países em desenvolvimento, como a CELAC, o BRICS e o G20.
Mas nenhum desses espaços conta com a abrangência e a diversidade do G77.
Nosso grupo corresponde a 79% da população mundial e 49% do PIB global em paridade do poder de compra.
Há quase sessenta anos, tem sido um vetor de importantes mudanças nas instituições multilaterais.
O G77 foi fundamental para expor as anomalias do comércio global e para defender a construção de uma Nova Ordem Econômica Internacional.
Infelizmente, muitas das nossas demandas nunca foram atendidas.
A governança mundial segue assimétrica. A ONU, o sistema Bretton Woods e a OMC estão perdendo credibilidade.
Não podemos nos dividir.
Devemos forjar uma visão comum que leve em consideração as preocupações dos países de renda baixa e média e de outros grupos mais vulneráveis.
É estratégico que o G77 tenha, pela primeira vez, dedicado uma Cúpula ao tema da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Nos últimos anos, tivemos um aumento na proporção do PIB mundial investido em pesquisa em desenvolvimento.
Mas essa elevação não ocorreu de forma uniforme.
A América Latina e o Caribe e a África subsaariana foram na contramão dessa tendência.
Outras desigualdades persistem. É desanimador que as mulheres perfaçam somente 31% do total de pesquisadores.
Precisamos reforçar nossas reivindicações à luz da Quarta Revolução Industrial.
Há duas grandes transformações em curso.
Elas não podem ser moldadas por um punhado de economias ricas, reeditando a relação de dependência entre centro e periferia.
A primeira é a revolução digital.
Avanços como a computação em rede, a inteligência artificial, a biotecnologia de ponta e a digitalização trazem possibilidades que, há poucas décadas, sequer imaginávamos.
Mas essas inovações possuem efeitos colaterais ameaçadores.
Grandes multinacionais do setor de tecnologia possuem modelo de negócios que acentua a concentração de riquezas, desrespeita leis trabalhistas e muitas vezes alimenta violações de direitos humanos e fomenta o extremismo.
Corremos riscos que vão da perda de privacidade ao uso de armas autônomas, passando pelo viés racista de muitos algoritmos.
O Pacto Global Digital da ONU oferece oportunidade de mitigar esses desafios e permitir que os benefícios das novas tecnologias possam ser aproveitados por todos.
A ideia de estabelecer um painel científico para a inteligência artificial é bem-vinda, mas é preciso assegurar a participação de especialistas do mundo em desenvolvimento.
O projeto de Diretrizes Globais para a Regulamentação de Plataformas Digitais da UNESCO equilibra a liberdade de expressão e o acesso à informação com a necessidade de coibir a disseminação de conteúdos que contrariem a lei ou ameacem a democracia e os direitos humanos.
A segunda grande mudança em curso no mundo é a transição energética.
A emergência climática nos impõe novos imperativos, mas a transição justa traz oportunidades.
Com ela, podemos ter ar mais limpo, rios sem contaminação, cidades mais acolhedoras, comida de qualidade na mesa, empregos dignos e crianças mais saudáveis.
Foi com essa firme convicção que, mês passado, realizamos a Cúpula da Amazônia, em Belém.
A Declaração que adotamos prevê ampla agenda de cooperação científica e valoriza o conhecimento das comunidades e instituições amazônicas.
O Observatório Regional da Amazônia vai sistematizar e monitorar dados para orientar políticas públicas e torná-las mais eficazes.
Temos de aproveitar o patrimônio genético da nossa biodiversidade, com repartição justa dos benefícios, resguardando a propriedade intelectual sobre nossos recursos e conhecimentos tradicionais.
Vamos promover a industrialização sustentável, investindo em energias renováveis, na socio-bio-economia e na agricultura de baixo carbono.
Faremos isso sem esquecer que não temos a mesma dívida histórica dos países ricos pelo aquecimento global.
O princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas permanece válido.
É por isso que o financiamento climático tem de ser assegurado a todos os países em desenvolvimento, segundo suas necessidades e prioridades.
No caminho entre a COP28, em Dubai, e a COP30, em Belém, será necessário insistir na implementação dos compromissos nunca cumpridos pelos países desenvolvidos.
Senhoras e Senhores,
Na década de oitenta, o Brasil foi pioneiro na cooperação Sul-Sul em matéria de ciência, tecnologia e inovação, ao estabelecer parceria na área nuclear com a Argentina e na área espacial com a China.
Essas duas iniciativas de cooperação frutificam até hoje.
Ao resgatar o protagonismo do Brasil no mundo, conferimos caráter especial à cooperação científica e tecnológica entre países em desenvolvimento em nossa política externa.
Daremos novo impulso a programas e projetos regionais por meio da CELAC, do BRICS e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A colaboração com Angola e Moçambique e vários outros países da África demonstra que o compartilhamento de conhecimentos, políticas e tecnologias brasileiras pode ajudá-los a dar um salto na produtividade agrícola e na produção de medicamentos.
Na presidência brasileira do G20, vamos propor a criação de um Grupo de Trabalho em Ciência, Tecnologia e Inovação, para alavancar os interesses dos países em desenvolvimento nesse campo.
Em Nova Delhi, participamos do lançamento da Aliança Global para os Biocombustíveis.
Nosso objetivo é mostrar o potencial da bioenergia no contexto da transição energética.
Caras amigas e amigos,
Ao final da Guerra Fria, a Comissão do Sul, liderada por Julius Nyerere, reuniu dezenas de intelectuais, diplomatas e lideranças da África, Ásia e América Latina – entre eles, meu amigo Manmohan Singh e os brasileiros Celso Furtado e Paulo Arns – para construir uma visão comum do desenvolvimento.
Uma segunda edição da Comissão do Sul nos permitiria atualizar nossa visão de desenvolvimento sustentável, com base nas nossas realidades e prioridades, à luz da revolução digital e da transição justa.
Deixo essa sugestão a Uganda, a quem desejo sucesso à frente da presidência do G77 a partir do próximo ano.
Os países do Sul têm plenas condições de ocupar a vanguarda da ciência, tecnologia e inovação.
Para isso, precisamos voltar a agir juntos, como fizemos no passado.
Muito obrigado.