Diz-se que quando morre um grande artista a vida perde um pouco de sua luz, deve ser porque esses seres que dedicam suas vidas à arte, mesmo inconscientemente, nos fazem refletir sobre nossa essência humana, a realidade que nos cerca, a cultura de um povo e, entre tantas outras coisas, o intangível da vida e, por isso, se acercam de nós, como se íntimos fossem, da família, e nos marcam a vida.
Hoje, certamente, o mundo, não apenas o Brasil, perdeu um pouco de sua alegria com a morte de Gal Costa.
Fiquei pensando sobre isso logo após saber da notícia e tentava entender a tristeza que senti, mesmo sem nunca tê-la visto de perto, nem saber quase nada de sua vida pessoal discretíssima. O que entendi, é que eu não seria a mesma pessoa se, desde mais ou menos os 13 anos de idade e até os dias de hoje, não tivesse ouvido seu canto.
A voz, que num país de esplêndidas cantoras é classificada como uma das mais belas, que cantou com maestria para gerações e gerações os rebeldes e inspirados versos da Tropicália, os puros cantos da Bahia, todas as bossas-novas, deliciosas ingenuidades da Jovem Guarda, antigas canções, os protestos, a densa poesia, negros lamentos… o melhor da Música Popular Brasileira – a nossa velha e pujante MPB.
Ao longo dos seus 57 anos de carreira, Gal Costa deu sua voz afinadíssima e de inigualável profundidade a praticamente todos os compositores que fizeram o que poderia ser classificado como a 2ª Era de Ouro da música brasileira. Cantou, entre outros, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Edu Lobo, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Milton Nascimento, João Gilberto, Luiz Melodia, Jorge Benjor, Roberto e Erasmo Carlos, Ronaldo Bastos, Renato Teixeira, Torquato Neto, Tim Maia, Gonzaguinha, João Donato, Tom Zé, Djavan, Jards Macalé, Moraes Moreira, Cazuza.
Entre os mais antigos, resgatou clássicos de Ary Barroso, Geraldo Pereira, Lupicínio Rodrigues, Adoniran Barbosa, João de Barro, Alberto Ribeiro, Jacob do Bandolim, Hermínio Bello de Carvalho, Haroldo Barbosa, entre outros.
Um tal cuidado, e porque não dizer acuidade, respeito ao público e talento na escolha de repertório, aliado a voz e força de suas interpretações, fizeram de Gal Costa uma verdadeira Diva da nossa música, o que reforça a ideia inicial deste texto: o mundo hoje, ficou sim, um pouco mais triste, porque morreu uma grande artista. Felizmente, o registro de seu canto pode continuar nos inspirando, nos elevando e nos fazendo refletir, nos vôos da música, sobre a nossa cultura, a nossa história, a nossa essência humana. A nós e às novas gerações.
ANA LUCIA