Na última quinta-feira (19), o bolsonarista Campos Neto, que deixará o cargo de presidente do Banco Central (BC) em 31 de dezembro, exaltou a boa atuação de Gabriel Galípolo (futuro presidente do BC) no comando da diretoria de Política Monetária – que tem a responsabilidade de proteger o real contra a especulação financeira – e nas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) que define o nível da taxa de juros básicos da economia (Selic).
Com o aumento dos preços internos dolarizados, o BC só decidiu intervir realmente contra a desvalorização do real frente ao dólar, após aumentar a taxa Selic para 12,25%, em dezembro deste ano.
Diante da leniência do BC em combater movimentos especulativos ao longo deste ano, a moeda estadunidense chegou a R$ 6,30 na última quinta-feira (19), mas passou a cair no restante do dia, após leilões realizados pelo BC de US$ 8 bilhões, ao todo.
Na sexta-feira, o BC colocou outros US$ 7 bilhões à venda e o dólar fechou o dia em R$ 6,07. Em pouco mais de uma semana, foram leiloados quase US$ 28 bilhões.
Em 2024, o dólar acumula alta de 25,62% ante ao real, segundo cálculos do portal G1. Em 2023, com o retorno do presidente Lula ao Palácio do Planalto, a moeda norte-americana havia recuado 8,06% no ano.
Parte desta desvalorização do real em relação ao dólar poderia ser contida com uma a intervenção firme do BC no mercado de câmbio entre o final de julho e o início de agosto deste ano, época em que ocorreu também uma forte especulação do câmbio pelo mercado financeiro interno (leia-se: meia dúzia de bancos, sujeitados à banca financeira de Wall Street), que demandava por aumentos de juros e anúncios de cortes de gastos públicos por parte do governo.
Na época do acontecimento desse fato, o diretor de política monetária do BC, Gabriel Galípolo, que substituía Campos Neto (em férias no exterior), decidiu por não intervir no mercado de câmbio.
Na quinta-feira, Campos Neto, em sua última entrevista coletiva como presidente do BC, destacou que o BC não busca “mudar o rumo” do câmbio e afirmou que nas reuniões do Copom buscou dar mais espaços à opinião de Galípolo e demais diretores como forma de garantir uma “transição suave” no comando da instituição. Gabriel Galípolo assume interinamente até o final do ano e efetivamente a partir de janeiro.
“Essa foi a tônica das duas últimas reuniões [do Copom]. O peso deles foi sendo cada vez maior que o meu”, detalhou Campos Neto. “O que eu quero dizer é que o peso deles foi sendo cada vez maior que o meu, culminando na última reunião [do colegiado que aumentou a Selic em 1 ponto]. Nós entendíamos que isso facilitava a passagem de bastão”, avaliou.
O Copom, desde setembro deste ano, vem aumentando o nível da taxa Selic, hoje em 12,25% ao ano, inibindo o consumo e os investimentos no país.
BC LENIENTE
Todas as economias do mundo buscam realizar intervenções no câmbio para proteger a sua moeda. Mas, intervenções no mercado de câmbio, que estão diretamente sob responsabilidade do diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, foram feitas pouquíssimas vezes este ano.
Ao longo de 2024, a moeda estadunidense se valorizou fortemente não só frente ao real, mas também sobre as demais moedas globais, com as eleições nos EUA, que culminaram na vitória de Donald Trump.
Porém, no Brasil há outro fenômeno que tem justificado o movimento de desvalorização da moeda brasileira, que é a manipulação no câmbio que o mercado financeiro faz para pressionar o governo a cortar despesas obrigatórias e de investimentos – que, na prática, são recursos retirados da saúde, educação, programas sociais, obras de infraestrutura, segurança, etc., e transferido para cobrir o rombo que os juros da dívida fazem nas contas do setor público todos os meses.
Alimentado por uma Selic em níveis escorchantes, o governo pagou aos bancos R$ 869,3 bilhões em juros da dívida – no acumulado de 12 meses até outubro, segundo números mais recentes do BC.
É pela continuidade deste assalto ao Orçamento Público que os banqueiros e rentistas nesta semana faziam pressão – por meio da especulação do dólar – para o Congresso Nacional aprovar – sem desidratar as medidas – propostas no pacote do Ministério da Fazenda, de cortes de despesas obrigatórias da União, com o fim de dar sobrevida ao “arcabouço fiscal” e a meta de superávit de déficit zero no próximo ano.
Com a moeda brasileira se desvalorizando continuamente frente à divisa americana, desde maio deste ano, o BC só comunicaria que realizaria operações de venda de dólar à vista em setembro deste ano. Mas, só nesta última semana é que o BC decidiu intervir com alguma força no mercado de câmbio.
Quando há forte desvalorização da moeda, os preços de alimentos e de energia dolarizados sobem, elevando o nível da inflação geral.
Porém, mesmo com toda essa especulação do dólar, no Brasil a inflação segue controlada, apesar de secas que afetaram a produção de alguns produtos e escassez hídrica, e das enchentes que atingiram o Rio grande do sul em maio deste ano destruindo diversas cidades do Estado, terem influenciado para o aumento dos indicadores de inflação.
No ano, até novembro, o IPCA – indicador oficial de inflação medido pelo IBGE, acumula alta de 4,29%. Em novembro, a inflação ficou em alta de 0,39%, sendo 0,17 ponto percentual abaixo da taxa de outubro (0,56%), o que sinaliza que a inflação desacelerou entre esses meses.
Mesmo com o aumento dos juros sendo ineficaz para conter choques de oferta causado por questões climáticas, geopolíticas etc., na primeira semana de novembro, Copom elevou a Selic em 1 p.p., subindo o nível da taxa nominal de 11,25% para 12,25% ao ano.
Os especuladores de títulos da dívida pública já precificam a taxa em 17,50% no final de dezembro do ano que vem, em resposta a sinalização do Copom, de que o nível da Selic deve ser elevado em 2 pontos percentual (p.p.), isso no conjunto das próximas duas reuniões do Copom, que ocorrerão em janeiro e março de 2025.
Desta forma, a Selic atingirá o nível astronômico de 14,25%, já no primeiro trimestre de 2025, para colocar – via restrição do consumo bens e serviços – a economia em recessão.
ANTONIO ROSA