
“Não é possível dar a uma pessoa que recebia um mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil”, disse o presidente do TST, Ives Gandra
O presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, defendeu a reforma trabalhista de Temer durante entrevista publicada nesta segunda-feira, e atacou os direitos sociais e trabalhistas e ainda defendeu que aqueles que ganham menos merecem indenizações menores.
Segundo a entrevista que o ministro deu ao jornal Folha de São Paulo, a crise atual foi parcialmente causada pelas leis trabalhistas: “um pouco da crise veio exatamente do crescimento de encargos trabalhistas”. Como se não bastasse, disse que “nunca vou conseguir combater desemprego só aumentando direito.”
Para a vice-presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Noemia Porto, as declarações do ministro dizem respeito apenas à sua opinião e “não fala em nome da Justiça do Trabalho”, formada por quase 4 mil magistrados. A declaração foi feita durante uma audiência no Senado Federal da Subcomissão do Estatuto do Trabalho, que pertence à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
Para comprovar a sua tese de que é preciso retirar direitos para aumentar o emprego, Ives Gandra Filho citou o PPE, Programa de Proteção ao Emprego, implementado durante o governo da ex-presidente Dilma. “O governo anterior editou uma medida principalmente para o setor automotivo, criando o programa de proteção ao emprego. Os dois pilares eram reduzir jornada e salário para evitar o desemprego. Posso querer dar direitos aos funcionários, mas tenho que competir no mercado” – o único problema é que o programa foi um fracasso completo.
Além da baixa adesão, desde 2015, quando o PPE foi implantado, somente o setor da indústria perdeu 1,9 milhão de postos de trabalho, e as montadoras seguem no topo da lista das demissões. O projeto previa o corte nos salários dos funcionários com diminuição da jornada, e ficava uma parte do salário cortado sob encargo do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Em contrapartida a empresa não poderia demitir os trabalhadores por um ano.
Noêmia defendeu que “apenas uma discussão, plural, técnica e abrangente pode talvez legar, para as presentes e futuras gerações, uma legislação capaz de incorporar os problemas reais do mundo do trabalho, sem nenhuma dessas falácias sobre modernidades, geração de empregos a partir da redução de direitos, ou a partir da ideia jamais comprovada de que a produtividade do setor econômico tem relação direta com a degradação da pessoa do trabalhador”.
Também presente na audiência, o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, considerou “inoportunas” as afirmações do presidente do TST. “Entendemos que as declarações do ministro erram na forma e no conteúdo, já que revelam um posicionamento arcaico, demonstram falta de sensibilidade social e não valorizaram a importância dos representantes dos trabalhadores no equilíbrio das relações entre empregados e empregadores”, afirmou
Ao ser perguntado sobre os parâmetros estabelecidos na nova lei trabalhista para a indenização de trabalhadores, (que estipula que devem ser proporcionais ao salário da vítima) Gandra Filho indagou se “não faria uma mesma ofensa, dependendo do salário, ter tratamento desigual? Ora, o que você ganha mostra sua condição social”. Segundo o ministro, “não é possível dar a uma pessoa que recebia um mínimo o mesmo tratamento, no pagamento por dano moral, que dou para quem recebe salário de R$ 50 mil. É como se o fulano tivesse ganhado na loteria”.
Nesse sentido Noêmia lembra que a nova lei trava a ação dos juízes para evitar justamente que essas discriminações aconteçam; “a idéia de que se o trabalhador ganha pouco a sua indenização tem que ser ínfima – [é] algo com o que nós não temos como concordar, na medida em que a Constituição do Brasil garante para todos os cidadãos, e não apenas o cidadão trabalhador, o direito a uma reparação integral em caso de dano que seja ocasionado por ato ilícito”.
Vale ressaltar que Gandra Filho já defendeu que existem trabalhadores que se auto-mutilariam de propósito para ter acesso às verbas rescisórias. A sua entrevista é, portanto, apenas mais uma prova de que esta nova lei é baseada em falácias, precarizando o trabalho sob desculpa de modernização.
ANA CAMPOS